16/08/2012

Lingerie Bege - parte 2


Burburinhos se inflamam no escritório. O casamento dos colegas foi em uma sinagoga, quando esperavam ser em uma paróquia ou mesmo na igreja batista, a poucas quadras do escritório. Quem imaginaria que ela fosse judia e, mais do que isso, que iria levar um dos maiores fanfarrões da firma para o judaísmo?
Uma crente demente doente insolente passou a fazer pregações diárias, infernizando a vida dos colegas, afirmando que "A pecadora de satanás se finge de pura, mas veio trazer a maldição do anticristo para o nosso ambiente de trabalho e bla-bla-bla, bla-bla-bla". Justo uma das que tanto criticavam o puritanismo daquela lingerie bege. Pelo menos os outros evangélicos perceberam o ridículo em que cairiam, se tentassem discutir religião por ali.

A moça, por sua vez, está feliz em sua lua-de-mel. Fez exactametne o que recomendou a rabina honorária. Não fez tipo, foi ela mesma o tempo todo e não tentou demover ninguém de seu caminho. Sim, ela sabe que muita gente considerou ridículas as suas lingeries beges, ainda mais no tamanho calçola de vovó, mas sejamos francos, ninguém vai ver... Messsmo!!! Ela não sai por aí de lingerie, pelas ruas. Rabina Esther a aconselhou vestir-se com capricho, mas usar o que lhe conviesse por baixo.

Levou-o para conhecer Israel, onde nasceu dois meses antes do tempo, em um parto de emergência, debaixo das gargalhadas dos religiosos, judeus e muçulmanos, que disseram "Já vai morar no Brasil, deixem ela nascer aqui, oras!".

Fim da lua-de-mel, voltam ao trabalho renovados. Quando ele iria pensar em se casar? Quando ele iria pensar em se casar e ser fiél? Quando ele iria pensar que seria feliz com uma mulher só? Pois ele hoje percebe que não era feliz cousíssima nenhuma, com os montes de mulheres que arranjava toda semana. Que cousa, heim, seu Miguel! Agnela te colocou nos eixos!

Logo na segunda-feira estão lá, mas ela ainda faz questão de dirigir os seiscentos cavalos de seu Maverick. São recebidos com festa pelos amigos, mas com desconfiança pelos "evangélicos" mais dogmopatizados. Sim, ela responde que continua usando aquelas lingeries discretas, como prefere chamar, embora vez ou outra faça o gosto do marido e use algo mais cavado e noutra cor. No cotidiano, porém, é calçola bege sem choro. As virilhas agradecem.

A tal crente, pressionando o chefe, consegue que um pastor de sua igreja faça um culto na quinta-feira. Sendo católico, ele não admitiu que um "bispo" fosse, mas aceitou o pastor. O indivíduo não consegue esconder seu ódio pelo judaísmo, não consgue, aliás, esconder sua desafeição por tudo o que não for ele mesmo. Se ele sabe que o cristianismo nasceu em berço hebreu? Não, ele nem sabe que a Bíblia foi escrita em línguas mortas. Se soubesse, não estaria maldizendo os idiomas do oriente médio. E ele retoriza, retoriza, retoriza, retoriza... E a fiél que o levou berra "Aleluia!" a cada cinco minutos. Os outros evangélicos ficam corados de vergonha.

Na sexta-feira, por sugestão do próprio chefe, Agnela tem o direito de levar um rabino. Escolhe a rabina. Discreta, com seu visual retrô de happy housewife, Esther entra cumprimentando todo mundo. Trouxe quitutes feitos em seu próprio forno. Encontra a amiga...

- Shalon!
- Shalon, rabina! Seja bem-vinda.

Agora a crente dogmopata fica indignada, pois "shalon" é uma palavra de propriedade exclusiva da bíblia... Certo, vamos para a parte que interessa. Esther demonstra conhecer a bíblia de cabo a rabo, de ré e saltitado, dando explicações que só mesmo uma grande conhecedora do original pode dar. Cativa os evangélicos mentalmente sãos, pois ainda dá traduções e mostra onde encontrar explicações para trechos, et cétera. Nada de cerimônias, pompa, circusntância, somente a naturalidade que aconselhou à amiga.
É convidada pelo chefe a falar ao grupo, de modo generalizado...

- Amigos, que a paz do grande mestre Jesus esteja entre vocês. Agradeço por terem acolhido minha amiga Agnela, por terem aceitado tão bem o modo singelo de ser que ela traz de berço, também agradeço pelo convite e oportunidade de falar aos seus corações. Moisés teria tido muito menos trabalho, se o êxodo tivesse sico com um grupo de pessoas como vocês.

Os dois judeus ouvem com atenção, ele com mais curiosidade do que a esposa. Os ex-colegas de esbórnia ficaram chocados ao saberem que ele sequer assobiou para outra mulher durante toda a lua-de-mel. Tinham-no como um dos machos-alpha do bando, um dos maiores conquistadores de R$ 1,99 da empresa, um colecionador de orgasmos... Agora está feliz com uma relação monogâmica. Começam a ter medo dos judeus. A rabina termina a curta oração com uma prece em aramaico, que afirma ser o original do pai-nosso. Findado o que tinha a fazer, convida o grupo para a refeição que trouxe, embaralhando algumas cabeças por falar em hebraico à outra judia...

- Por que ela não está aqui?
- Ela é fiél de uma dessas igrejas pentecostais que surgiram nos últimos anos.
- Eles proíbem seus fiéis de ouvirem outros sacerdotes? Não que eu me considere uma...
- Mas é. Infelizmente é, como direi... Uma dessas igrejas caça-niqueis que lançam candidatos para terem influência política. Dizem que o fundador da igreja é ateu.
- Como Constantino. Isso explica tudo, mas não vai livrá-lo de seu castigo. Fique tranqüila, a siganoga mandará um representante sempre que precisar.

Sem querer, sempre demonstra sua influência e prestígio na comunidade. Voltam a falar em português, porque até Miguel ainda engatinha no hebraico. A rabina convida os que ficaram a fazerem uma visita à sinagoga, dando dias e horários em que serão recebidos com o calor e a hospitalidade judaicos.

Agnela está grávida. Não que seja obrigatório uma judia procriar, ainda mais com o mundo superlotado por sete bilhões de bocas para alimentar, mas eles simplesmente deixaram acontecer. Sem alarde, com todos os cuidados que uma gestante merece. Miguel cerca a esposa de cuidados desde que ela tornou, sem querer, o ambiente profissional da empresa em uma ante-sala do paraíso. Todo paraíso tem sua serpente, fazer o quê? As colegas passam a notar o maior cuidado com que ela entra e sai do sanitário, como se estivesse carregando ovos...

- Será?
- Mas já??
- Cacilda!!!
- Agnela, cê tá grávida?
- Sim, estou, de dois meses.

A família em que a empresa se tornou entre em parafuso. Não demora e os clientes passam a conviver com cartazes, panfletos e vídeos sobre maternidade e pediatria. As crias dos funcionários passam a freqüentar o ganha-pão de seus pais, o que é até bom, mostra aos petizes que o dinheiro não fica a esperar no banco, ele tem que ser ganho e depositado para estar disponível. Sabendo de antemão que é um menino, rabina assegurou, já conversam os pais com o, literalmente e realmente, pequeno Joshua. Os dois cantam salmos e canções de ninar todas as noites, já se preparando para o massacre que é educar uma criança no mundo egoico e superficial de hoje.

Agnela tem que passar a direção do Maverick para Miguel, a barriga já torna a condução incômoda. ela fica no banco carona, comendo, enquanto ele dirige. Mas não come porcarias, come pães e assados preparados pela sua comunidade, para que não fique tão redonda quanto a barriga. Refrigerante? Nem pensar! O sangue ficaria muito ácido, propício para a proliferação de agentes patogênicos. Para assegurar a saúde da fiél, um rabino chega à empresa e distribui livretos de receitas para todo mundo, de graça... Sei que pode parecer estranho falar isso de um judeu, mas não sejam preconceituosos. Ele só quer preservar a saúde da moça e do pequeno Joshua. São receitas práticas que logo são aconselhadas aos restaurantes onde eles almoçam. Para preservar a clientela, eles incluem os quitutes no cardápio.

Dois meses antes do tempo, como a mãe, e como os rabinos imaginavam, o menino pede para sair. Quer começar a trabalhar logo. E os seiscentos cavalos do Maverick se mostram úteis, eles chegam à maternidade com o abre-alas se anunciando. Mal entram na sala de parto, com Esther esperando lá dentro, e Joshua começa a nascer. A rabina anota tudo, incluindo hora, minuto, segundo e coordenadas cartesianas do local do nascimento. Faz isso com todos desde que começou a agir na comunidade, apascentando as ovelhas que estavam se dispersando e até se esquecendo de como se fala hebraico. O brado retumba na sala de parto, invade toda a maternidade e o pai desmaia. Mas logo acorda e vai acolher sua família... Agora única família, porque a ascendente o rejeitou quando se converteu ao judaísmo.

Lá fora chove, as nuvens pesadas anteciparam a noite em quase três horas. Miguel ligou para os pais, para anunciar a vinda do neto, esperando que ele amolecesse seus corações, mas recebeu o phone na cara. Acolhe a esposa e acaricia o pequerrucho, delicadamente, jurando para si mesmo que acatará as orientações da rabina honorária, se esmerando em deixar a melhor pessoa possível para o mundo. Ao contrário do que tentaram fazer por ele.

A manhã fresca se anuncia clara, com a relva orvalhada reluzindo e as poças d'água se aquecendo aos poucos, ao sol matinal. Vão levar o menino para os colegas conhecerem. Engata a quarta, que o monstro consegue arrancar até de quinta, e os leva para o escritório, com calma. Tem a recepção que gostaria de receber dos pais, com todos os colegas paparicando a esposa e o rebento, ele em seu sorriso banguela e ainda lactente. O chefe garante que o menino terá vaga na empresa, como se soubesse que viverá até lá...

- O moleque vai começar a trabalhar cedo. Agradeço e aceito a vaga.

A mãe do menino endoça. Vão acostumá-lo a ver gente feliz trabalhando, para que também pegue gosto pelo trabalho. Recebem a notícia de que a radical morreu atropelada, quando tentou chamar alguns fiéis de sua igreja para "Impedir o nascimento do filho da besta". Estava disposta a matar, com a promessa de um lote em prestações suaves, a poucas quadras do palácio de Deus. Miguel se enfurece, mas não deixa transparecer aos outros, apenas ajuda a bajular e paparicar sua família.

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