22/03/2012

A falsa feiúra

Vindo quase sempre de gente que só enxerga da cintura para baixo, há um bordão besta que diz "90% da beleza da mulher sai com água". Além de gramaticalmente errada, a frase mostra que as pessoas já não sabem mais apreciar a beleza; ou ficam cegas de paixão, ou cegas de despeito, ou mesmo de desrespeito.

Há uma cousinha que quem afirma isso, não leva em conta, o mundo de hoje conspira contra a beleza, não só contra a saúde. Está cada vez mais difícil uma cútis manter sua aparência real, sem apelar a tratamentos.

Lembremos que há até quarenta anos, o clima ainda era previsível, o buraco na camada de ozônio era pequeno e os níveis de poluição eram apenas altos. Os invernos eram frios e secos, os verões eram quentes e úmidos, entre eles havia primavera e outono, estações amenas, mesmo no Brasil, para dar tempo de o organismo se adaptar aos extremos. A vida social era muito corrida já então, mas a biológica ainda corria a contento, apesar de tudo.

Há cerca de cinqüenta anos, as pessoas reclamavam de poluição quando um veículo pesado passava devagar e acelerado, soltando fumaça e fuligem, mas isso se dissipava e um lenço úmido resolvia facilmente o problema. Fazer exercícios em um parque, no centro da cidade, era um programa para desestressar do massacre do emprego, bem como para se manter a forma. Quem estava de férias, andava ao sol entre as nove e as dezesseis horas sem medo.

Retroagindo, não é difícil concluir que, mesmo com muito menos recursos, era bem mais fácil manter a pele bonita e saudável. Eu conheci o tempo em que Leite de Rosas e Minâncora, eram tudo de que se precisava para tratar da pele. Não havia productos cujos nomes dão uma oração inteira, menos ainda em inglês fuleiro. Lendo o rótulo, ou a bula, sabia-se facilmente de que era feito o que se estava passando no corpo, sem nomes esquisitos com o "R" de marca registrada ao lado. Com menos corantes, conservantes, aromatizantes e todo tipo de porcaria que só serve para resolver problemas causados por outro cosmético, e arranjar mais alguns para mais outro 'consertar', não era tão difícil ter pele de boneca, não era preciso ser milionário ou, como dizíamos na época, não precisava ser magnata para bancar.

O que temos hoje, vejamos: Desde meados dos anos oitenta, o mundo começou a ficar realmente neurótico. A ameaça de uma hecatombe nuclear excitava (sério, tinha gente que chegava ao clímax só de imaginar) tanto quanto amedrontava. Sabemos bem o quanto o estresse corrói a saúde e a aparência. Com o fim da União Soviética (nem precisava, a instauração de uma democracia teria sido suficiente, mas as repúblicas eram unidas na marra, não duraria mesmo) o medo da guerra nuclear também findou, muitos empresários se debulharam em prantos pela mercadoria e roteiros encalhados e o mundo ficou mais feliz... Ao menos deveria, né. Acontece que, sem perceber, as pessoas estavam se acostumando a viver mal. Cheias de distrações tecnológicas e sexuais, mas muito mal. Quando o perigo maior passou, e a 'festa de alívio esfriou', tudo ficou na mesma. Sim, havia um clima de esperança, que quase esboçava o que havia no início dos anos sessenta, mas era aquela coisa de 'um dia tudo ficará bem', porque naqueles momento tudo continuava na mesma.

A paranóia de se chegar a tempo, de não se atrasar, de ter que dormir tarde e acordar cedo, de ficar preso no congestionamento todos os dias, de competir até para ver quem dá bom dia primeiro e mais alto, de achar normal tomar café o dia todo para não dormir, de achar normal tomar (mais tarde) energéticos o dia todo para não dormir, de achar normal mandar a cabeça na parede para despertar do sono, enfim, a tensão já estava cristalizada como nova característica da sociedade moderna, não somente a urgência e a paranóia.

Acreditando piamente que a 'ciência' estava preparando a felicidade artificial, para colocar no mercado a qualquer momento, ideia alimentada por revistas científicas, formou-se uma seita cética informal. Muita gente passou a acreditar cegamente no que homens diziam, repetindo milimetricamente as recomendações de homens, como se homens fossem perfeitos e nenhum deles financiado por laboratórios. Esta seita ainda existe e seus seguidores estão cada vez mais fanáticos.

Paralelamente, somando a falta de tempo, a paranóia e a confiança cega no mundo artificial que se consolidava, deixamos de comer besteiras de crianças de vez em quando, para comer besteiras de adultos como refeições. Com cada vez mais aditivos químicos e tratamentos ultra-hiper-over-mega-que-bonitinho-higth-tchechinological para exterminar pragas e doenças que a própria vida artificial inseria naquela carne... Gente, vamos ser sinceros, um vegetariano pode comer muito sanduíche de grife sem peso na consciência, porque carne é a última coisa que se consegue encontrar na maioria deles. É tudo raspa prensada, com nome de 'carne mista', provavelmente é tudo ovo com xepa de feira triturada, cozida e aromatizada, depois prensada e recozida para parecer carne.

Bem, voltando ao assunto, depois da alfinetada, não bastava as pessoas terem uma vida ruim, passaram a ter uma alimentação péssima. O programa "Armação Ilimitada" até fez uma paródia, onde a personagem Zelda (a maravilhosa Andréa Beltrão) reclamava que as pessoas estavam encantadas de terem alface colorido na salada. Não era exagero, não muito, e as pessoas realmente estavam encantadas com as novas porcarias oferecidas no mercado, desde então contando com a ajuda de propaganda inserida dentro dos programas de televisão, principalmente os infantis, onde personagens eram criados só para vender aquelas gosmas industrializadas.

Os adultos estavam se acostumando a comer porcaria como alimentação normal, e as crianças estavam nascendo já comendo essas porcarias. Mais do que isso, já nascendo ligadas na tomada de 360 volts, com todo o desgaste de telômero e agressão à pele inerentes. O buraco na camada de ozônio já crescia e ficava fortinho, os dermatologistas já davam os primeiros alertas sérios, a porcaria da felicidade enlatada não aparecia e tudo foi pro brejo. Não sei vocês, que ainda eram crianças nos anos oitenta, mas eu notei nitidamente a diferença de qualidade de vida. Não é só questão de sobrevida biológica, porque isso a medicina nos deu mesmo, falo de vida mesmo, de valer à pena viver e enfrentar as tranqueiras do mundo. Os índices crescentes de suicídio e delinqüência juvenil me provam que não, a vida não melhorou por-ca-ri-a-ne-nhu-ma. Se eu fosse um animal de zoológico, cercado de mimos e despreocupações, talvez estivesse mais feliz, mas não sou.

Agora reflitam e me digam se há beleza que agüente, com trema, esta situação toda. A nova geração de cosméticos, inclusive da novíssima cosmecêutica, não se presta para embelezar uma mulher, se presta para tirar dela toda a sujeita e os efeitos nocivos de um mundo em franco processo de hostilização. Não é só a sociedade 'decadente e demente' que está se tornando hostil, é o próprio planeta. Claro que essas mudanças climáticas acontecem de tempos em tempos, claro que os bocós de mola trataram de acelerar e intensificar as conseqüências de toda essa encrenca. Não, não era para manga longa e chapéu serem ítens obrigatórios nos uniformes das escolinhas da Austrália.

Não são as mulheres que são feias e ficam bonitas depois de maquiadas, é o mundo idiota que nós criamos e paparicamos feito pais idiotas de um menino mimado idiota, que agride tudo o que não for de granito... ainda. Eu me lembro muito bem que há dez anos, conseguia ficar algumas horas sem suar, durante o dia, hoje não se passa um par delas sem que eu esteja ensopado e com a pele mais escura, mesmo sem exposição directa ao sol. Lembro de só sair suor, quando eu passava um lenço de papel no rosto; hoje sai sujeira da grossa, não preciso esperar muito para repetir o acto e ver o papel marrom de particulado suspenso... outra vez. Se a pele masculina sofre, imaginem a feminina.

Nós acordamos muito tarde, e ainda tem gente teimando em se manter na ilusão de que a tecnologia tudo resolverá, daquilo que estragou, e ainda ataca quem não compartilha da ideia com validade já vencida. Tecnologia é só uma ferramenta, nas mãos de panacas ela só faz panaquices... e nós fomos muito panacas. É claro que os fabricantes de tralhas para proteger a pele estão felizes da sobrevida, já que vida mesmo eles também não têm, porque também não podem andar desprotegidos ao sol vespertino, como qualquer um de nós. Bem feito.

Passar cremes e bloqueadores no rosto, não é mais uma mera vaidade, o risco de se contrair um silencioso câncer de pele é real, tão mais quanto mais clara a pele, mas não adianta se vangloriar da pele escura, porque ela não é imune ao microondas de um literal buraco no céu. A incidência de acne em adultos, pelo entupimento de poros pela sujeira suspensa no ar, está perigosamente comum. Digo "perigosamente" porque muita gente acha que cara suja está protegida da radiação ultravioleta, mas alerto que ela é também ultraviolenta e penetra na sujeira, a não ser que estejas coberto de lama... mas se deres um passo, ela desgruda, dá na mesma.

Embora incômodos, os cuidados antes reservados às mulheres não são mais um luxo, eles podem tanto prolongar tua sobrevida, como evitar que pareças o avô de teu pai, chegando à idade dele. As pessoas são bem mais bonitas do que parecem, mas a vida ruim que levamos não deixa essa beleza aparecer, não sem um custo.

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2 comentários:

Vy disse...

Também concordo, porém, nós mulheres somos escravas de uma vaidade muitas vezes imposta (eu mesma não sou um poço de vaidade), vejo minhas meninas na flor da idade escravas de bases, sombras e rímel pra "levantar" o olhar. Fico penalizada com suas peles sem nenhuma manchinha e penso que não precisam de nada disso nos próximos 10 anos... mas...
Beijo querido e votos de um fim de semana pelo menos tranquilo.
Vy

Nanael Soubaim disse...

Todo excesso é ruim. Beijo, Fadinha, continuo vendo por ti.