Vende-se Chrysler Turbine conversível V8 0km placa preta. Para desocupar garagem. |
Início de século XXI, parece que tudo copia o início do século XX, não necessáriamente o que seria interessante.
Recentemente, no Blog dos Carros Antigos (este aqui) o amigo Nikollas publicou dois casos de conto do vigário que me deixaram pasmo. Parecia que eu lia uma página policial da bélle époque.
O primeiro (este) oferecendo um Mercury coupé 1951 em restauração, com o teto rebaixado e pronto para um excelente hot rod. Preço da pechincha: R$ 6.000,00. Fossem R$ 60.000,00 eu me calaria e acharia barato, mas o anúncio do Mercado Livre ofereceu o carro todo por menos do que vale o motor. O mais intrigante, é que o patife não se deu o trabalho de editar as photographias, quem investigou chegou rapidamente à oficina americana onde ele está sendo reconstruído. Isso mesmos, amigos, o carro nem mesmo está no Brasil, não está à venda e o dono certamente não conhece ninguém em Santa Catarina, de onde o malandro diz que é. O golpe é tão grosseiro, que ele sequer apagou o link www.fquick.com que está no rodapé das imagens. Um dos leitores do Nikkolas foi lá, leu o anúncio, xingou o sujeito de diabo e todo mundo, mas ele parece não ter tomado vergonha.
O segundo (este) oferece um Cadillac Coupe DeVille 1954, um tremendo clássico que pode ser visto nos melhores filmes dos anos cinqüenta e sessenta, apenas precisando ser pintado e montado, por sensuais R$ 5.000,00... O motivo seria desocupar espaço na garagem... Cinco pilas não compram nem os pneus de um Caddy desta estirpe! Um carro desses, ruim, vale setenta mil, muito bem comprado. Mais uma vez o vigarista não se preocupou em disfarçar e, como no outro anúncio falso, encheram-no de elogios pela raridade.
Ele também publicou no blog uma photographia da Lana Del Rey no estilo pin-up ingênua, mas isto é outra história. Vejam-na aqui. Mas advirto que nem ela, nem a Chevrolet em que fez a cena, está à venda.
Vocês, jovens, devem estar se perguntando 'como uma ferramenta tão boa como a internet pode ser usada para fins tão torpes?', no que eu respondo que SEMPRE FOI ASSIM. Quando as notícias vinham só por papel, os vigaristas publicavam anúncios tentadores nos jornais, oferecendo de tudo por preços inacreditáveis, com histórias comoventes para justificar a pechincha. O otário, comovido e vendo a chance de um negócio espetacular, dava o sinal e aguardava os trâmites legais para a transferência do bem vendido. O vigarista se despedia com a grana no bolso e ia encontrar outra vítima, quando todas estavam devidamente depenadas, desaparecia da cidade. Não, garotada, o golpe é mais velho do que cair de costas, e vocês não são nem um pouco mais esperto do que seus antepassados, só porque sabem mexer em brinquedos cibernéticos que eles nem sonhavam ter. Vocês são tão trouxas quanto eles. Aliás, o facto de muitos de vocês se acharem muito espertos, os faz alvos fáceis, porque eles sabem se passar por idiotas, para vocês ganharem autoconfiança demais e deixarem a prudência de lado.
Sites falsos de empresas renomadas, nada mais são do que a versão hi-tec das caravanas itinerantes, que se diziam representantes de grandes marcas que ainda não tinham representação da região, vendiam quinquilharia de baixa qualidade e nunca mais davam as caras; isto, aliás, ajudou a dar a má fama aos plásticos, vendendo tupperwares genéricos feitos de material ruim, logo depois de a verdadeira linha ter se firmado no mercado. Da mesma forma, vocês vêem um artigo com preço de ocasião, com todas as garantias virtuais possíveis, paga o boleto ou (pior) passa os dados do cartão e... Quem foi que comprou mesmo aquele carro no teu nome??? Pois é, bem, a proliferação desse golpe prova que o velho ditado precisa ser revisto. Antes, 'a cada cinco minutos, nascia um otário', hoje nem o sexagésimo segundo eles esperam para pipocar aqui em baixo.
O princípio básico é o mesmo. O trapaceiro vê algo que esteja com procura crescente (no caso, antigomobilismo e memorabilia) e planeja com cuidado o golpe. Vê em que ponto pode conseguir vítimas e lá se instala, tendo o cuidado de jamais revelar sua identidade, dando nomes falsos, contactos falsos, mas sempre procurando envolver o pato a ser depenado. A conta para dar o sinal, esta sim é verdadeira, a documentação usada para abrí-la, nem sempre. Anunciando uma pechincha, por motivos que aos leigos parecem plausíveis, ele aceita vários compradores, recebendo vários depósitos de sinais e nunca mais dá notícias. Depois faz outro anúncio falso, com outra pechincha, outro nome falso, telephone falso, et cétera. Ele sabe que alguém vai querer aproveitar uma bagatela, que alguém não resistirá em levar vantagem, que muito jovem ansioso por ser antigomobilista, ficará cego com o anúncio.
Levar vantagem é o principal motor de quem cai nesses golpes. Sabem aqueles desenhos animados 'antigos', em que alguém vende a Ponte do Brooklin? Pois é verdade. Durante os anos da Grande Depressão, muitos pilantras, que convenciam suas vítimas de que eram representantes do governo americano, vendiam monumentos por preços inacreditáveis. Convenciam porque todo mundo estava duro e comprar coisas boas por merreca era comum. Virou piada recorrente, mostrar um personagem irritado porque ninguém lhe pagava pedágio, por passar na sua ponte. Quando a Missão Apolo 11 voltou à Terra, mais uma leva de trouxas apareceu, comprando terrenos na Lua. Inclusive em Rio Verde, no sudoeste goiano, muita gente comprou por uma ninharia, lotes que davam vista para a terra inteira. Preciso dizer que tiveram que agüentar piadas pelo resto da vida?
Crianças, jantares grátis até existem (ou pensam que seus pais esperam que vocês dêem retorno financeiro?) mas nunca em relações comerciais. Uma provável evolução humana, nestes milênios de civilização, foi muito pequena para fazer a diferença, quando se tem a chance de passar o outro para trás. Quando o sujeito decide viver disso, e não consegue virar político, ele parte para a vigarice sem o menor pudor. Ele não vai querer saber se aquele é todo o dinheiro que a sua família tem para passar o mês, se é para comprar o remédio controlado que o governo se recusa (mesmo com ordem judicial) a fornecer, ele não está nem aí, ele quer tirar seu dinheiro e sumir do mapa.
Não são só os vigaristas que enganam o incauto, websites de empresas tradicionais também fazem besteira, e muita. Os jornais estão repletos de leitores reclamando de entregas não feitas, productos quebrados não trocados, dinheiro não devolvido (é ruim!) e mais uma pancada de queixas. Balcões virtuais de empresas aéreas, então, vendem a mesma poltrona para dois ou três passageiros sem constrangimentos. Certo, aqui é erro do sistema, mas quem programa o sistema é a empresa, há como bloquear a revenda de lugares. Não é tão inevitável assim, as ocorrências são muito mais freqüentes do que seria aceitável. Até sites governamentais costumam fazer o anti-vírus disparar.
Não existe receita para evitar cair em um golpe, até gente culta e experiente, com tudo favorável, pode perder seu suado dinheirinho para um golpista com aspecto acima de qualquer suspeita. Mas há comportamentos que facilitam muito a vida do malandro. Quem quer levar vantagem e se acha muito esperto é o pato do dia, sempre. Confiar em histórias comoventes, que explicariam preços exageradamente baixos, é outro sintoma de trouxite aguda. Quem está desesperado, vai dar um baita desconto, sim, mas não vai oferecer um artigo fino para leigos e nem dá-lo de graça, como os falsos anúncios supracitados. Em um desespero, o vendedor honesto dará o desconto sem jamais desvalorizar o producto, oferecerá para gente que conhece do assunto, porque leigos e curiosos só vão encher a paciência. Não dará detalhes de sua vida pessoal para todo mundo ver e não publicará imagens que não forem do que está vendendo, fornecendo todos os dados para que o potencial comprador possa se assegurar da sua idoneidade. Dizer que vai mandar um amigo que mora na região ir examinar o artigo, quebra a perna do vigarista. Principalmente no caso de carros antigos, em que muita gente conhece entusiastas de várias partes do país.
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