13/08/2013

A Dancing Nun




Patrícia é uma mulher bonita, de olhos penetrantes, com voz solene e envolvente, solteira, livre e desimpedida, mas com um elevado ponto de corte. Ela trabalha para sobreviver, pagar suas contas e sustentar seu gato, em um apartamento que não é muito maior do que uma Renault Master. Poderia passar facilmente despercebida na multidão carioca, e passa, já que conteúdo não aparece na testa.



Patrícia tem alguns problemas com o meio em que vive. Primeiro porque ela tem um bom gosto incompatível com sua condição econômica, ou será uma condição econômica muito aquém de seu bom gosto?



Segundo porque, novamente, tem um bom gosto incompatível com a cafonice do meio em que vive, ela é desenhista profissional e tem noção de proporções, sabe da lástima estética que é alguém usar calças seis números abaixo do seu e com a vagina quase à mostra, de tão baixo o cós. Fora outras bizarrices fashionistas.



Terceiro porque é freira anglicana. O voto que ela fez, é o de caridade, por isso precisa trabalhar para sobreviver, sustentar seu gato e seu apartamento, pegar ônibus lotados que levam quatro horas para fazer uma viagem que duraria meia de carro, enfim... Patrícia tem tudo para se desanimar com a vida... E andava meio desanimada mesmo.



Um dia, porém, não mais que derrepente, um lampejo taurino lhe invadiu a mente cansada e os brios de quem viveu a década perdida como se fosse a última; porque havia o risco de que realmente fosse, quem não viveu então, não sabe o que foi. Se determinou a livrar-se de seu pior inimigo, aquele cafajeste safado que tantas alegrias já tinha lhe tirado, que lhe incutia culpa por qualquer tabletinho de chocolate que comesse, que a torturava com as saudades de quando era uma garota dançante.



Levou a mão às costas, para pegar a espada e gritar “Pela honra de Grayskull, mas não tinha espada nenhuma, então gritou “VAI PRO INFERNO, SEDENTARISMOOOOOOOOOOO!!!!!” e começou a dançar.



Mas vocês sabem o quanto um cafajeste resiste em perder sua vítima. A tentou com os confortos do sofá, com a cama quentinha e aconchegante, com os mimos de seu próprio gatinho, vejam que canalha! Sem resultados, decidiu agredi-la! Começou a castigar-lhe os joelhos, que clamavam pelo retorno do sedentarismo charmoso e sedutor. VAI PRO INFERNO, DOR NO JOELHOOOOOO!!!!



Mesmo dolorida, continuou dançando, rebolando e fazendo o serviço pesado que Flash Dance faz parecer tão fácil! Fácil o cacete! Alguém aí já tentou virar um motor que ficou parado por anos, sem lubrificação? É a mesma coisa! O óleo novo demora a entrar, a ferrugem teima em gerar atrito e dificultar o giro do motor!



Depois de tantos protestos de apoio, inclusive de uma bailarina talentosa, a coragem cresceu e a teimosia tomou o lugar do ânimo, que pode variar, a teimosia nunca! A teimosia foi maior do que a dor, o cansaço, a chantagem, a manha do gato, a falta de espaço do imóvel e até da indolência que há muito assumira... VAI PRO INFERNO VOCÊ TAMBÉM, INDOLÊNCIAAAAAAAA!!!!!



A estrada é longa, com rampa íngreme, acidentada e escorregadia. Mas não dá mais. Já mandou o maldito sedentarismo ir procurar uma coitada qualquer. Não terá mais seu antigo parceiro de volta. E se ele voltar, o joga pela janela.



Não, mané! Ela não dança até o chão-chão-chão! Olha o respeito! Ela dança danças dançantes! Cousas que activam muito mais do que o baixo ventre, que geram coordenação motora, que atiçam os reflexos musculares, que afinam o raciocínio reflexo, que a tornam ainda mais maravilhosa! A freirinha tem bom gosto, eu já disse! Ela tem senso e tino. É uma freira rebelde, não se acomoda com massificações pseudo-populares! Não se acomodou nem com sua antiga paixão, vai se acomodar com esse pateta?



Patrícia dança ao som de gente talentosa, que fez a mídia ao seu redor, em vez de ter sido feita por ela. Patrícia dança o que lhe faz a diferença para a melhor, ela dança para ser o sol de seu sistema, não um satélite de sistemas alheios!



Não tem volta. Agora terá que subir o morro até o cume, até o planalto dançante que a espera. Patrícia dança pop, rock, tango, samba, dança rumba, dança cha-cha-cha porque nasceu, nasceu para bailar!



Após chutar o pau da própria barraca, está determinada não a recuperar as curvas da adolescência, mas a saúde e a disposição a que tem direito, são dela, só dela e ninguém tasca! Ela aprendeu de uma vez por todas que quem não dança, dança!



Aviso aos descrentes, céticos e línguas quilométricas: vocês vão se engasgar com seus próprios venenos.

4 comentários:

Carol Celeghin disse...

A Patrícia é uma guerreira, que sozinha resolveu lutar contra o sedentarismo. Uma vencedora que só por levantar do sofá já merece um prêmio.
Todos sabem nos julgar pela aparência, mas poucos, muitos poucos, sabem nos dar força para arregaçar as mangas e lutar por uma vida mais saudável.
Dançar é maravilhoso, mas não é fácil, no começo tudo dói, tudo é difícil, mas repentinamente o corpo começa a perceber que dançar é bom e daí, mesmo a dor torna-se um prazer, pois mostra que você está se superando.
Sapateado é minha paixão maior e isso graças ao casal Fred Astaire e Ginger Rogers que ilustram este texto. E a coreografia "Pick Yourself Up", da foto em questão é uma de minhas favoritas da dupla, apresentada no filme "Swing Time", mostra um Fred que diz não saber dançar e resolve aprender com a professora Ginger. Uma coreografia ingenuamente romântica que nos manda "levantar, sacudir a poeira e recomeçar", uma simples lição de vida que apenas os antigos musicais podem nos dar.

Beijinhos... Carol Celeghin

Patrícia Balan disse...

Eu amo o Nanael!

Patrícia Balan disse...

Falando sério. Não ter televisão em casa ajuda horrores. Morar sozinha também. Mas como tudo o que quero ver eu baixo, a televisão só faz falta com os jornais - que realmente não me fazem falta. Ah, e tem mais uma. Quitinete como o meu não tem lugar para sofá! Cruuuuuzes!

Ana Carol disse...

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