Fonte: blog Hanna Barbera |
Não que não fosse bem quista, ela era, mas era também um ponto destoante no grupo. Embora também soubesse falar bem de unhas, cabelos, bolsas e algumas fofocas, seu leque de assuntos invadia muito o que elas consideravam ser coisas de homem.
O ambiente era um shopping center. Ela tinha acabado de passar com as outras por uma boa boutique, precisava mesmo de uma bolsa nova, depois que o labrador confundiu a antiga com um pedaço de carne; ter derramado o molho nela saiu mais caro do que imaginava. Desta vez comprou uma preta, que não tem cor de carne, para dificultar uma futura confusão. Também ao contrário da outra, a nova era mais minimalista na parte de fora, com pequenos apliques metálicos imitando estrelas. O desgosto das amigas veio quando colocou o pingente de ouro em forma de Fórmula Vee na alça.
Mariana Balbi. Fonte: Sobre Motos |
As outras tinham chaveiros e pingentes de Betty Boop, de flores, de joaninhas, coração, pombos, signos zodiacais, em forma de crianças, mas só ela insistia em coisas de homem. Aliás, os próprios pais da moça a introduziram neste vício. Ela sempre ganhou bonecas, como as amigas, mas sempre acompanhadas de um carrinho para completar a brincadeira. Daí para ser piloto de corrida automotiva, foi um caminho natural. Bem, ela também tem chaveirinhos fofos e cor-de-rosa, mas gosta de revezar sua coleção de pingentes de corrida, que são algumas centenas.
Entram na praça de alimentação e ela, após o treino pesado da manhã, escolhe o oposto do que escolhem as outras. Um baita prato de macarronada com almôndegas, molho espesso e bem servido de ervas finas, acompanhando um suco de manga bem grosso, com barrinhas de doce de leite para sobremesa. Ok, ela não era grossa, ou teria apanhado na boca quando criança, mas comia mais do que seu noivo. Curiosamente, ele não é afeito ao automobilismo, mas passou a simpatizar quando se apaixonou por aquele par de olhos dentro do capacete.
O maior porém, entretanto, era ela não as acompanhar a todos os eventos, como fazia antes de abraçar a profissão, e se enfiar no curso de engenharia mecânica, "outra coisa de homem" diziam. Elas as olhava placidamente, repetindo o que podia responder, por não conseguir ser infantil a esse ponto: Moças, deixem de ser machistas!
Argumentam o quanto podem, ou o quanto sabem. Sim, reconhecem que há cada vez mais mulheres no automobilismo profissional, dentro e fora dos carros, e não se fala daquelas meninas pagas para serem sexies ao público, mas das operacionais mesmo. Mas reclamam que passa longas temporadas fora, sem tempo para o tricô de outrora, quando podiam ir umas aos ambientes das outras, certas de que naquele horário as encontrariam. Não só o ambiente de um boxe não lhes atrai, como sua obrigação de passar longas temporadas em uma vida semi nômade, hoje impede essa integração. Ela responde "Quem pilota, viaja".
Após falar de suas horas de folga em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Buenos Aires, Cidade do México, Dallas, Nova Iorque, Mônaco... Tem mais milhagem do que muitos pilotos de aviões de carreira. Elas recomeçam com a choradeira. Não podem tecer comentários profundos, por desconhecimento de causa, só do que lhes parece ser a questão. Na verdade só ela teve portas abertas para o mundo dos motores, às outras foi ensinado o que repetem como discos
Ashley Force. Fonte: F1 Mania |
O ronco dos motores lhes soa muito agressivo. Fritar pneus, fazer curvas no limite de um carro que está muito além dos limites dos seus, direção dura, câmbio curto, pedais muito juntos, mas parece um vídeo game para marmanjos do que um carro. Sem falar, é claro, em ter que correr a mais de duzentos por hora com dezenas de outros malucos ao redor, e ainda monitorar o carro para este não se despedaçar no meio da prova. Tudo muito rude para seus gostos. Ela reconhece que conforto não é prioridade, mas aquilo são praticamente carros-cobaias, feitos para durarem pouco e forjarem a evolução técnica, que acabam descendo para os carros de passeio. Isso, porém, não é muito diferente do que uma mãe, que ela pretende ser, enfrenta no cotidiano: "Quem pilota, é mais atento".
O ronco dos motores lhe agrada mais do que carros de garotos com mais som do que vale o veículo. O ronco de um motor de competição precisa estar muito afinado, até porque com aquele volume todo, qualquer cacophonia ensurdeceria o piloto. Ao contrário do que pensam, aquela maquinaria toda é muito delicada, é como um aparelho de jantar de porcelana decorada. Elas tentam pegá-la pela palavra, apontando o nível de estresse a que os pilotos são submetidos durante as provas, tanto mais quanto mais perto do fim do campeonato. Ela nega com a cabeça e responde "Pilotar me acalma".
Ela fala da raiva que precisa controlar e acaba extravasando nas pistas, justo com a direção dura, os pedais pesados, a aceleração bruta e o monitoramento contínuo do carro e dos concorrentes. Quando termina a prova, está tão cansada que a raiva perde importância, pode tratar do assunto com mais civilidade... ou menos agressividade, se for o caso. Elas, já mais curiosas do que contrariadas, ainda que continuem sentindo a falta da companheira de colégio, perguntam se não fica toda dolorida e arrebentada, com essa rotina, ela responde "Pilotar fortalece".
Suzane Carvalho. Fonte: Fórmula Total |
Assunto encerrado. na mesma tarde, a escola de pilotagem ganha seis novatas.
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