Discussão acalorada entre um cidadão e sua namorada com, segundo ele, crises de saudosismo.
- Cara! Prohas! Em que época você vive, heim?
- Na época da dignidade minima. Isto aqui já foi um quintilhão de vezes melhor, e nem faz tanto tempo assim.
- O quê era melhor, me fala!
- Dá uma olhada geral e raciocina.
Ele cede, desta vez. Das últimas, tinha se negado terminantemente a fazê-lo. Olha para os outros clientes, presta atenção, não vê nada de mal. Dá uma olhada nos funcionários, estes realmente parecem ter recebido uniformes tamanho único, feito com tecido-não-tecido "costurado" com cola quente, fora isso está normal. Volta a olhar para alguns clientes e vê que realmente estão um pouco desconfortáveis, nada fora do que considera aceitável... Fácil acreditar nisso, quando se tem 1,7m e 67kg. Os vendedores de quitutes estão de uniforme, como manda o figurino, melhor do que a maioria dos camelôs dos estádios de futebol. Está acostumado com aquelas porqueiras, acredita que talvez por isso não veja nada de errado com eles, pelo menos são limpos.
- É, reconheço que poderia estar melhor, mas para mim parece tudo razoável!
- "Razoável"? Você acha razoável pagar cinco reais por uma barrinha de cereais, que eu compro por um real na padaria, e cuja caixa com duas dúzias me custa reles quinze reais???
- Meu amor, mas o ambiente é chique! A gente não paga só pela comida, paga também pelo ambiente!
- Eu conheço esse tipo de serviço o suficiente para saber o que é chique e o que não é. A única coisa chique aqui é a propaganda enganosa que eles fazem! Eu nasci dentro de um ambiente desses, lembra? Tenho pelos antigos serviços, as mesmas saudades que tenho por músicos de verdade, por rock, pop, funk, cowntry, sertanejo de verdade. Eu conheci tudo isso.
Faz-se uma pausa, em que ele ri baixinho. Lembra bem do ataque de risos que teve, quando soube das condições em que ela nasceu, entre fronteiras, e a confusão que foi para registrá-la, já que na época não havia a precisão de navegação por satélite que qualquer um pode comprar barato, hoje em dia. Lá do fundo ouvem uma discussão. Alguém trouxe lanche de casa. Um funcionário terceirizado mostra as letrinhas miudinhas do contracto, com uma lente de aumento, para mostrar que tudo que for comestível lá dentro, deve render dividendos á companhia. Mal sabe o cidadão que suas coisas foram confundidas com o lixo da empresa e já estão compactadas, dentro do caminhão de coleta.
Um vendedor sai perguntando quem vai querer pipoca, só cinco reais o saquinho de 100ml. Se a qualidade do óleo for tão boa quanto o cheiro, ela vai preferir passar fome mesmo. Outro vende água para um cidadão na fila ao lado, abrindo uma garrafa térmica e enchendo um copinho de 50ml, um real cada.
Ele sabe que ela é veterana no ramo, até trabalha para uma concorrente estrangeira, que infelizmente precisou recorrer à porqueira dos serviços de uma nacional. Na realidade, havia um pequeno abismo financeiro entre os dois, que ela o ajudou a eliminar. Ele reconhece, na realidade ainda se deslumbra um pouco com os péssimos serviços de que ela reclama...
- Tá, eu pensei bem... O que te dá essa nostalgia toda, então?
- Pra começar, como é ainda hoje na empresa em que trabalho, falando só entre nós, a alimentação está incluída no preço do serviço. E lá não é lanchinho comprado da fábrica sem a embalagem, para economizar ninharia. Você vai ver, nossas refeições incluem frutas com doces, pães e bebida no desjejum. Almoço e jantar tem filé de salmão, meu querido...
- Put... putz que paralho, meu!
- Enfim, a alimentação não tem um peso tão grande nos custos operacionais. O que eu ressinto de todas, é a qualidade do atendimento, do início ao fim. Já ouvi falar de gente que foi verbalmente agredida por ter pedido papel higiênico, quando estava no banheiro. Perdeu-se totalmente a noção do que é o nosso ofício! Fora a asneira daquela cantora, que lamenta ver o porteiro do seu prédio sentado ao lado dela, estão fazendo economia onde não cabe, para tirar centavos do preço da ala econômica. Você viu que a Escanteio está falindo, não viu?
- Li a respeito, mas não imaginava que fosse por isso.
- Tem uma diferença enorme entre investir e gastar, que vai ser a próxima fase do teu aprendizado. Assim como há uma diferença gigantesca entre economia e avareza. As companhias nacionais... Vou falar ao teu ouvido, senão me trolam aqui dentro. Eles investiram mal o dinheiro ganho no começo da euforia. Ao contrário do consumidor comum, os bancos não se deixam enganar por propagandas, eles são profissionais e sabem quando alguém tem ou não condições de honrar uma dívida.
- Ou seja, a gestão das companhias nacionais é incompetente, é isso?
- Tão incompetente, que não atinou que as pessoas não se importavam tanto assim com os preços, o tratamento recebido era muito mais importante.
- E hoje, com essa facilidade em pagar...
- É uma mina de ouro que eles esnobam! O consumidor que se acostuma a ser bem tratado não aceita serviço ruim! Mas nas cabeças ocas deles, bom tratamento é custo.
- E como ser gentil vai encarecer a passagem?
- Não encarece. O problema é que isso demanda um investimento inicial que eles não querem fazer. Os custos de um adicional salarial não são um horror, o eventual aumento na passagem é justificável e o passageiro paga. Paga e sai fazendo propaganda para a companhia.
Faz uma pausa, para segurar os ímpetos de xingar todo mundo, respira fundo e continua...
- O problema maior é que o empresariado(?) brasileiro aprendeu a só investir com ajuda estatal. Confia que há muito dinheiro e se esquece de dois fatores importantes: A quantidade de candidatos a receber esse dinheiro também é enorme, então acaba não sobrando tanto assim para todo undo, nem a qualquer hora do dia ou da noite, como se fosse caixa electrônico de banco; Existe favorecimento no governo, eles sabem disso, sabem que quem tem mais amizades, tem prioridade, e a malandragem se vira contra o malandro. Entendeu?
Mais uma pausa, abrindo um sorriso de leve, lembrando de quando era criança e vivia viajando de avião, quando o comissariado de bordo era quase que um corpo de enfermagem...
- Olha, eu ainda lembro de ver os bancos todos limpos e impecáveis, cheirando a novo. Mesmo em aeronaves já rodadas. O faturamento não era tão grande assim, se comparado ao que é hoje, e mesmo assim não víamos esses remendo escandalosos, esses encostos encardidos, nem essas... moças com cara de TPM perpétua. Perder malas era um escândalo para a companhia...
Ela explica pacientemente que nem tudo o que viu no passado, deveria ter ficado lá, e a qualidade dos serviços é uma delas, uma vez que a tecnologia permitiu uma redução significativa de custos em todas as áreas. Assim que entram em espaço aéreo americano, os valores são convertidos. A água de R$1,00 passa para US$1,00. Por isso ela o obrigou a comer muito bem e esvaziar a bexiga, antes de embarcarem. Mais uma hora e desembarcam, só levaram a bagagem de mão, para garantir que não seria extraviada.
- Cara! Prohas! Em que época você vive, heim?
- Na época da dignidade minima. Isto aqui já foi um quintilhão de vezes melhor, e nem faz tanto tempo assim.
- O quê era melhor, me fala!
- Dá uma olhada geral e raciocina.
Ele cede, desta vez. Das últimas, tinha se negado terminantemente a fazê-lo. Olha para os outros clientes, presta atenção, não vê nada de mal. Dá uma olhada nos funcionários, estes realmente parecem ter recebido uniformes tamanho único, feito com tecido-não-tecido "costurado" com cola quente, fora isso está normal. Volta a olhar para alguns clientes e vê que realmente estão um pouco desconfortáveis, nada fora do que considera aceitável... Fácil acreditar nisso, quando se tem 1,7m e 67kg. Os vendedores de quitutes estão de uniforme, como manda o figurino, melhor do que a maioria dos camelôs dos estádios de futebol. Está acostumado com aquelas porqueiras, acredita que talvez por isso não veja nada de errado com eles, pelo menos são limpos.
- É, reconheço que poderia estar melhor, mas para mim parece tudo razoável!
- "Razoável"? Você acha razoável pagar cinco reais por uma barrinha de cereais, que eu compro por um real na padaria, e cuja caixa com duas dúzias me custa reles quinze reais???
- Meu amor, mas o ambiente é chique! A gente não paga só pela comida, paga também pelo ambiente!
- Eu conheço esse tipo de serviço o suficiente para saber o que é chique e o que não é. A única coisa chique aqui é a propaganda enganosa que eles fazem! Eu nasci dentro de um ambiente desses, lembra? Tenho pelos antigos serviços, as mesmas saudades que tenho por músicos de verdade, por rock, pop, funk, cowntry, sertanejo de verdade. Eu conheci tudo isso.
Faz-se uma pausa, em que ele ri baixinho. Lembra bem do ataque de risos que teve, quando soube das condições em que ela nasceu, entre fronteiras, e a confusão que foi para registrá-la, já que na época não havia a precisão de navegação por satélite que qualquer um pode comprar barato, hoje em dia. Lá do fundo ouvem uma discussão. Alguém trouxe lanche de casa. Um funcionário terceirizado mostra as letrinhas miudinhas do contracto, com uma lente de aumento, para mostrar que tudo que for comestível lá dentro, deve render dividendos á companhia. Mal sabe o cidadão que suas coisas foram confundidas com o lixo da empresa e já estão compactadas, dentro do caminhão de coleta.
Um vendedor sai perguntando quem vai querer pipoca, só cinco reais o saquinho de 100ml. Se a qualidade do óleo for tão boa quanto o cheiro, ela vai preferir passar fome mesmo. Outro vende água para um cidadão na fila ao lado, abrindo uma garrafa térmica e enchendo um copinho de 50ml, um real cada.
Ele sabe que ela é veterana no ramo, até trabalha para uma concorrente estrangeira, que infelizmente precisou recorrer à porqueira dos serviços de uma nacional. Na realidade, havia um pequeno abismo financeiro entre os dois, que ela o ajudou a eliminar. Ele reconhece, na realidade ainda se deslumbra um pouco com os péssimos serviços de que ela reclama...
- Tá, eu pensei bem... O que te dá essa nostalgia toda, então?
- Pra começar, como é ainda hoje na empresa em que trabalho, falando só entre nós, a alimentação está incluída no preço do serviço. E lá não é lanchinho comprado da fábrica sem a embalagem, para economizar ninharia. Você vai ver, nossas refeições incluem frutas com doces, pães e bebida no desjejum. Almoço e jantar tem filé de salmão, meu querido...
- Put... putz que paralho, meu!
- Enfim, a alimentação não tem um peso tão grande nos custos operacionais. O que eu ressinto de todas, é a qualidade do atendimento, do início ao fim. Já ouvi falar de gente que foi verbalmente agredida por ter pedido papel higiênico, quando estava no banheiro. Perdeu-se totalmente a noção do que é o nosso ofício! Fora a asneira daquela cantora, que lamenta ver o porteiro do seu prédio sentado ao lado dela, estão fazendo economia onde não cabe, para tirar centavos do preço da ala econômica. Você viu que a Escanteio está falindo, não viu?
- Li a respeito, mas não imaginava que fosse por isso.
- Tem uma diferença enorme entre investir e gastar, que vai ser a próxima fase do teu aprendizado. Assim como há uma diferença gigantesca entre economia e avareza. As companhias nacionais... Vou falar ao teu ouvido, senão me trolam aqui dentro. Eles investiram mal o dinheiro ganho no começo da euforia. Ao contrário do consumidor comum, os bancos não se deixam enganar por propagandas, eles são profissionais e sabem quando alguém tem ou não condições de honrar uma dívida.
- Ou seja, a gestão das companhias nacionais é incompetente, é isso?
- Tão incompetente, que não atinou que as pessoas não se importavam tanto assim com os preços, o tratamento recebido era muito mais importante.
- E hoje, com essa facilidade em pagar...
- É uma mina de ouro que eles esnobam! O consumidor que se acostuma a ser bem tratado não aceita serviço ruim! Mas nas cabeças ocas deles, bom tratamento é custo.
- E como ser gentil vai encarecer a passagem?
- Não encarece. O problema é que isso demanda um investimento inicial que eles não querem fazer. Os custos de um adicional salarial não são um horror, o eventual aumento na passagem é justificável e o passageiro paga. Paga e sai fazendo propaganda para a companhia.
Faz uma pausa, para segurar os ímpetos de xingar todo mundo, respira fundo e continua...
- O problema maior é que o empresariado(?) brasileiro aprendeu a só investir com ajuda estatal. Confia que há muito dinheiro e se esquece de dois fatores importantes: A quantidade de candidatos a receber esse dinheiro também é enorme, então acaba não sobrando tanto assim para todo undo, nem a qualquer hora do dia ou da noite, como se fosse caixa electrônico de banco; Existe favorecimento no governo, eles sabem disso, sabem que quem tem mais amizades, tem prioridade, e a malandragem se vira contra o malandro. Entendeu?
Mais uma pausa, abrindo um sorriso de leve, lembrando de quando era criança e vivia viajando de avião, quando o comissariado de bordo era quase que um corpo de enfermagem...
- Olha, eu ainda lembro de ver os bancos todos limpos e impecáveis, cheirando a novo. Mesmo em aeronaves já rodadas. O faturamento não era tão grande assim, se comparado ao que é hoje, e mesmo assim não víamos esses remendo escandalosos, esses encostos encardidos, nem essas... moças com cara de TPM perpétua. Perder malas era um escândalo para a companhia...
Ela explica pacientemente que nem tudo o que viu no passado, deveria ter ficado lá, e a qualidade dos serviços é uma delas, uma vez que a tecnologia permitiu uma redução significativa de custos em todas as áreas. Assim que entram em espaço aéreo americano, os valores são convertidos. A água de R$1,00 passa para US$1,00. Por isso ela o obrigou a comer muito bem e esvaziar a bexiga, antes de embarcarem. Mais uma hora e desembarcam, só levaram a bagagem de mão, para garantir que não seria extraviada.
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