Confundidos, e tratados por muitos como frescura, os bons modos são negligenciados por gerações que se apegaram à superficialidade e ao efêmero, sem se darem ao trabalho de saber os motivos de sua existência. Talvez seja mesmo difícil cobrar isso de quem é efêmero e superficial em tudo o que almeja.
Vamos aos dois países ocidentais mais reconhecidos pela boa educação de seus respectivos cidadãos. Bem, na realidade essa boa educação tem muito de mito. França e Inglaterra são vistas como referências de finesse e sofisticação, especialmente por quem tem o hábito de fazer comparações entre o Brasil e outros países. Não é mentira, mas também não é de todo verdade.
O francês é visto pelos outros europeus como mau-humorado e intolerante com quem não domina seu idioma. É tido por alguns como anti higiênico, especialmente o parisiense, que tem o hábito de comprar pão e levá-lo debaixo do braço para casa, nem sempre embrulhado. A fama de pervertido é muito mitológica, mas tem algum fundamento.
O inglês é taxado sem dó de hipócrita. Tem uma certa polidez que não esconde a agressividade de seus ancestrais. Piadas de mau gosto, humor negro, ironias ferinas, arrogância à flor da pele e outros mais, são aspectos que fazem muitos europeus reconhecerem os britânicos em uma descrição. Fora a conhecida belicosidade que os americanos herdaram deles.
Well, mes amis, vocês vão me perguntar que diabos então torna esses dois países tão admirados, se são tão escrotos? Eu respondo: Porque nós também somos, não menos e sem um décimo da maturidade civilizatória deles. França e Inglaterra deram os moldes da sociedade ocidental pós idade média. Tudo o que nossos países são, devem a eles, gostem ou não.
Acontece que essas duas nações não ganharam a admiração dos mais bem instruídos à toa. De quando ambos viviam sob o comando do mesmo trono, podemos dizer que são parentes na marra, com similaridades que um não admite ter em comum com o outro, mas me permitem falar de ambos ao mesmo tempo.
Mesmo com essa fama toda, francos e bretões têm regras muito claras e rigidamente observadas de convivência. Elas permitem que inimigos mortais se sentem à mesma mesa, sem o risco de se engalfinharem no meio do jantar. Sabem aquelas cenas exageradas dos filmes de James Bond à mesa do vilão? É um exagero sim, mas tem um fundo muito forte de verdade.
São regras muito arraigadas, que eles seguem desde pequeninos, às vezes na marra, o que cria muitos episódios do brutal humor britânico. Por essas regras, o mais abrutalhado herói de guerra consegue conviver com jovens civis, que ajudou a impedir que precisassem virar alvos de artilharia. Muitos de vocês são ávidos pesquisadores e sabem o quanto esse choque de experiências pode ser combustível.
O que a finesse tem a ver com isso? Dear friends, a finesse é o conjunto dessas regras de convivência. O que ela fez pelos nossos amigos, foi ajudar a controlar sua índole. Embora muita gente faça uso superficial das regras de etiqueta, elas ajudaram os dois países a controlarem sua força e sua tendência destrutiva.
Explico, mon ami. Sabe aquela propaganda de pneu que diz "Potência sem controle não é nada"? Ela diz a pura verdade. As regrinhas chatas de finesse têm o mesmo efeito das artes marciais, condicionando o praticante a controlar sua força. Isso, aliás, está claro no tipo de utensílios utilizados no aprendizado; louças finas, porcelanas delicadas, vidraria cara, e similares.
Quando quebrar uma xícara significa ter um prejuízo grande, naturalmente dispensa-se mais cuidado no seu manuseio. É mais ou menos como acelerar as conseqüências da vida, fazendo o indivíduo ver de imediato no que dá o seu descontrole emocional, seu desajeito, sua arrogância ou seja lá o que se precisar trabalhar.
A hora do chá, herdada de chineses, indianos e japoneses, é uma das ferramentas comportamentais mais poderosas. A função desse ritual não é empanturrar, até porque as quantidades são pequenas, grandes refeições têm hora para acontecer, no máximo num piquenique.
O rito que envolve o serviço do chá ensina e condiciona o cidadão que tudo tem sua hora e sua ordem de acontecimento, em resumo, ensina disciplina social. Por isso, aliás, as casas de chá não costumam cobrar barato, mesmo as mais simples. Aquilo não é um restaurante, é uma academia. Seus freqüentadores têm necessariamente que deixar a ansiedade e o estresse do lado de fora, por isso muitas proíbem o uso do celular em seus recintos.
Por isso muitos jovens repudiam e tacham de hipocrisia, certos rituais sociais, porque não aprenderam a ter paciência e foco, não aprendendo a ler nas entrelinhas e reconhecer a utilidade do que lhes precedeu. E deixar o celular desligado, para a maioria deles, é um sacrilégio. Mas seria garantia de levar um pontapé dos freqüentadores de uma casa de chá.
Esses ritos são também um meio de se fugir do mundo, sem precisar virar zumbi toxicômano. É um modo de se ter algo sob algum controle. Pode parecer pouco, mas é um momento em que o cidadão se torna dono de uma parte de sua vida. Questão de saúde mental, entendem?
O hábito de se apreciar obras de arte, cuja imitação cega acabou gerando estereótipos de alto grau vexatório, tanto do público quanto dos "artistas", é um exercício de finesse. A apreciação de uma obra de arte, como nas regras de etiqueta, consiste em saber interpretar e ler as entrelinhas. Um artista de verdade sabe propiciar isso. Um apreciador bem educado sabe reconhecer um artista de verdade, por isso muitas vezes parece ser arrogante... Às vezes é mesmo.
Eu, por exemplo, aprendi a apreciar automóveis antigos. Embora goste do conjunto em geral, contrario um pouco o status quo, prefiro os carros familiares, quando o mais comum é se admirar os esportivos. Faz parte. Não se deve fingir que gosta do que a maioria gosta, isso sim é hipocrisia. Pessoas realmente finas sabem reconhecer um hipócrita e sempre o deixam pensando que é bem-vindo, quando na verdade o isolam educadamente.
O que não significa que não perdem a calma. Quando perdem, é de uma vez, mas isso nunca acontece sem muitos avisos de que se está ultrapassando limites. As dicas são claras, mas infelizmente a idiotice crônica que tomou o mundo, deixou a maioria insensível a elas. A lida habitual com a delicadeza treina o quando, quanto, onde e até quando usar a força.
Com o tempo, e a incorporação do hábito, a pessoa passa automaticamente a se limitar ao seu espaço, até estranhando quando vê duas pessoas sozinhas tomando toda a largura de uma calçada. Sabe que violar a regra do espaço alheio é estar às portas de uma agressão desnecessária. E quem diria que isso seria aprendido tomando chá? Pois foi.
Os latinos, mais despachados e sem o contacto com o extremo oriente que os ingleses tiveram, praticamente não aprenderam isso. Questão de oportunidade perdida... E de jamais terem corrido atrás do prejuízo. Deixo claro que regras de etiqueta não te tornam uma pessoa melhor, mas te ajudam a ser. Não preciso dizer que uma população mais refinada não vota em qualquer um, por isso brasileiro é tão estimulado a ser grosseiro.
A irritação de nossos amigos com quem fala alto demais, tem um fundo sólido de pragmatismo. Eles gostam de ouvir suas próprias vozes e a de seus interlocutores, sem que precisem contar para todos no ambiente o que estão conversando. Questão de privacidade, não gostam mesmo de saber que o fulano da mesa lá longe, pode ter escutado detalhes de uma conversa reservada. Nos negócios e na vida íntima, sigilo é ouro.
Não sei se preciso falar de bons modos á mesa... Talvez precise dar uma passada rápida. O facto de tu gostares do que comes, não significa que os outros sejam obrigados a saber o que estás comendo, seja vendo ou ouvindo a mastigação. Tem mais, quem come aos poucos, come menos, sente melhor o sabor do alimento e consegue manter a boca fechada. Falar com a boca cheia atrapalha a dicção, causa mal entendidos, enfim, teus pais não te repreendiam à toa.
À parte as conseqüências nefastas de interesses egoicos, como ambições e conspirações de família, a finesse não tolhe a espontaneidade de uma pessoa, só lhe dá o controle dela. É como mandar o cavalo para um bom adestrador, ele compreenderá muito melhor o que o cocheiro deseja, e reconhecerá melhor os perigos da estrada. Ele continua correndo e saltitando, quando em descanso, continua copulando, continua comendo, vivendo sua vida, só que leva a carruagem com muito mais eficiência.
Eu poderia escrever um livro a respeito, que ainda assim não abrangeria toda a utilidade pessoal e social da finesse, mas não da frescura. Mas creio que o que temos aqui já atiça suas cabecinhas bem intencionadas. Então, um ou dois torrões?
Vamos aos dois países ocidentais mais reconhecidos pela boa educação de seus respectivos cidadãos. Bem, na realidade essa boa educação tem muito de mito. França e Inglaterra são vistas como referências de finesse e sofisticação, especialmente por quem tem o hábito de fazer comparações entre o Brasil e outros países. Não é mentira, mas também não é de todo verdade.
O francês é visto pelos outros europeus como mau-humorado e intolerante com quem não domina seu idioma. É tido por alguns como anti higiênico, especialmente o parisiense, que tem o hábito de comprar pão e levá-lo debaixo do braço para casa, nem sempre embrulhado. A fama de pervertido é muito mitológica, mas tem algum fundamento.
O inglês é taxado sem dó de hipócrita. Tem uma certa polidez que não esconde a agressividade de seus ancestrais. Piadas de mau gosto, humor negro, ironias ferinas, arrogância à flor da pele e outros mais, são aspectos que fazem muitos europeus reconhecerem os britânicos em uma descrição. Fora a conhecida belicosidade que os americanos herdaram deles.
Well, mes amis, vocês vão me perguntar que diabos então torna esses dois países tão admirados, se são tão escrotos? Eu respondo: Porque nós também somos, não menos e sem um décimo da maturidade civilizatória deles. França e Inglaterra deram os moldes da sociedade ocidental pós idade média. Tudo o que nossos países são, devem a eles, gostem ou não.
Acontece que essas duas nações não ganharam a admiração dos mais bem instruídos à toa. De quando ambos viviam sob o comando do mesmo trono, podemos dizer que são parentes na marra, com similaridades que um não admite ter em comum com o outro, mas me permitem falar de ambos ao mesmo tempo.
Mesmo com essa fama toda, francos e bretões têm regras muito claras e rigidamente observadas de convivência. Elas permitem que inimigos mortais se sentem à mesma mesa, sem o risco de se engalfinharem no meio do jantar. Sabem aquelas cenas exageradas dos filmes de James Bond à mesa do vilão? É um exagero sim, mas tem um fundo muito forte de verdade.
São regras muito arraigadas, que eles seguem desde pequeninos, às vezes na marra, o que cria muitos episódios do brutal humor britânico. Por essas regras, o mais abrutalhado herói de guerra consegue conviver com jovens civis, que ajudou a impedir que precisassem virar alvos de artilharia. Muitos de vocês são ávidos pesquisadores e sabem o quanto esse choque de experiências pode ser combustível.
O que a finesse tem a ver com isso? Dear friends, a finesse é o conjunto dessas regras de convivência. O que ela fez pelos nossos amigos, foi ajudar a controlar sua índole. Embora muita gente faça uso superficial das regras de etiqueta, elas ajudaram os dois países a controlarem sua força e sua tendência destrutiva.
Explico, mon ami. Sabe aquela propaganda de pneu que diz "Potência sem controle não é nada"? Ela diz a pura verdade. As regrinhas chatas de finesse têm o mesmo efeito das artes marciais, condicionando o praticante a controlar sua força. Isso, aliás, está claro no tipo de utensílios utilizados no aprendizado; louças finas, porcelanas delicadas, vidraria cara, e similares.
Quando quebrar uma xícara significa ter um prejuízo grande, naturalmente dispensa-se mais cuidado no seu manuseio. É mais ou menos como acelerar as conseqüências da vida, fazendo o indivíduo ver de imediato no que dá o seu descontrole emocional, seu desajeito, sua arrogância ou seja lá o que se precisar trabalhar.
A hora do chá, herdada de chineses, indianos e japoneses, é uma das ferramentas comportamentais mais poderosas. A função desse ritual não é empanturrar, até porque as quantidades são pequenas, grandes refeições têm hora para acontecer, no máximo num piquenique.
O rito que envolve o serviço do chá ensina e condiciona o cidadão que tudo tem sua hora e sua ordem de acontecimento, em resumo, ensina disciplina social. Por isso, aliás, as casas de chá não costumam cobrar barato, mesmo as mais simples. Aquilo não é um restaurante, é uma academia. Seus freqüentadores têm necessariamente que deixar a ansiedade e o estresse do lado de fora, por isso muitas proíbem o uso do celular em seus recintos.
Por isso muitos jovens repudiam e tacham de hipocrisia, certos rituais sociais, porque não aprenderam a ter paciência e foco, não aprendendo a ler nas entrelinhas e reconhecer a utilidade do que lhes precedeu. E deixar o celular desligado, para a maioria deles, é um sacrilégio. Mas seria garantia de levar um pontapé dos freqüentadores de uma casa de chá.
Esses ritos são também um meio de se fugir do mundo, sem precisar virar zumbi toxicômano. É um modo de se ter algo sob algum controle. Pode parecer pouco, mas é um momento em que o cidadão se torna dono de uma parte de sua vida. Questão de saúde mental, entendem?
O hábito de se apreciar obras de arte, cuja imitação cega acabou gerando estereótipos de alto grau vexatório, tanto do público quanto dos "artistas", é um exercício de finesse. A apreciação de uma obra de arte, como nas regras de etiqueta, consiste em saber interpretar e ler as entrelinhas. Um artista de verdade sabe propiciar isso. Um apreciador bem educado sabe reconhecer um artista de verdade, por isso muitas vezes parece ser arrogante... Às vezes é mesmo.
Eu, por exemplo, aprendi a apreciar automóveis antigos. Embora goste do conjunto em geral, contrario um pouco o status quo, prefiro os carros familiares, quando o mais comum é se admirar os esportivos. Faz parte. Não se deve fingir que gosta do que a maioria gosta, isso sim é hipocrisia. Pessoas realmente finas sabem reconhecer um hipócrita e sempre o deixam pensando que é bem-vindo, quando na verdade o isolam educadamente.
O que não significa que não perdem a calma. Quando perdem, é de uma vez, mas isso nunca acontece sem muitos avisos de que se está ultrapassando limites. As dicas são claras, mas infelizmente a idiotice crônica que tomou o mundo, deixou a maioria insensível a elas. A lida habitual com a delicadeza treina o quando, quanto, onde e até quando usar a força.
Com o tempo, e a incorporação do hábito, a pessoa passa automaticamente a se limitar ao seu espaço, até estranhando quando vê duas pessoas sozinhas tomando toda a largura de uma calçada. Sabe que violar a regra do espaço alheio é estar às portas de uma agressão desnecessária. E quem diria que isso seria aprendido tomando chá? Pois foi.
Os latinos, mais despachados e sem o contacto com o extremo oriente que os ingleses tiveram, praticamente não aprenderam isso. Questão de oportunidade perdida... E de jamais terem corrido atrás do prejuízo. Deixo claro que regras de etiqueta não te tornam uma pessoa melhor, mas te ajudam a ser. Não preciso dizer que uma população mais refinada não vota em qualquer um, por isso brasileiro é tão estimulado a ser grosseiro.
A irritação de nossos amigos com quem fala alto demais, tem um fundo sólido de pragmatismo. Eles gostam de ouvir suas próprias vozes e a de seus interlocutores, sem que precisem contar para todos no ambiente o que estão conversando. Questão de privacidade, não gostam mesmo de saber que o fulano da mesa lá longe, pode ter escutado detalhes de uma conversa reservada. Nos negócios e na vida íntima, sigilo é ouro.
Não sei se preciso falar de bons modos á mesa... Talvez precise dar uma passada rápida. O facto de tu gostares do que comes, não significa que os outros sejam obrigados a saber o que estás comendo, seja vendo ou ouvindo a mastigação. Tem mais, quem come aos poucos, come menos, sente melhor o sabor do alimento e consegue manter a boca fechada. Falar com a boca cheia atrapalha a dicção, causa mal entendidos, enfim, teus pais não te repreendiam à toa.
À parte as conseqüências nefastas de interesses egoicos, como ambições e conspirações de família, a finesse não tolhe a espontaneidade de uma pessoa, só lhe dá o controle dela. É como mandar o cavalo para um bom adestrador, ele compreenderá muito melhor o que o cocheiro deseja, e reconhecerá melhor os perigos da estrada. Ele continua correndo e saltitando, quando em descanso, continua copulando, continua comendo, vivendo sua vida, só que leva a carruagem com muito mais eficiência.
Eu poderia escrever um livro a respeito, que ainda assim não abrangeria toda a utilidade pessoal e social da finesse, mas não da frescura. Mas creio que o que temos aqui já atiça suas cabecinhas bem intencionadas. Então, um ou dois torrões?
Um comentário:
Precisei ler todo texto com paciência para entender. Não faço o "tipo finesse" mas entendi o recado. Belo texto!
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