14/11/2012

Os Dragões de Titânia - uma resenha

http://www.dragoesdetitania.com/

Pensei seriamente em deixar o Renato chupando dedo até o terceiro livro, escrever a resenha da obra toda, mas desisti de ser malvado com ele e vou tratar do primeiro livro agora. Até porque é uma resenha muito, mas muito longa, preparem vossos olhos. Se quiserem ler em partes, fiquem à vontade, eu entendo.


Os Dragões de Titânia; A batalha de Argos

A primeira vista, parece ser um livro de ficção fantástica, que veio na esteira tardia de O Senhor dos Anéis, mas só parece. Na realidade, meu debochado amigo já tinha a idéia há algum tempo, maturando até chegar o momento. Apesar do estilo semelhante, trata-se de uma trama muito mais complexa, com altas doses de violência, mas sempre em batalha.

A estória se passa em outra dimensão, em um mundo que lembra muito a nossa idade antiga, mas com particularidades que veremos pelo caminho. Começa na ilha de Argos, protetorado do império de Titânia, e começa logo com porrada. Os protagonistas, liderados pelo ex-agricultor Telus, um anão barbudo e grisalho, e pela feiticeira ciganesca Miranda. A luta é contra o barão Ricardus I, dentro de uma mina ilegal de platina, com nossos heróis levando a pior, porque o barão conta com as Armaduras-Fantasma, que são cascas vazias de aço enfeitiçado, que têm a persistência de uma avalanche, e são quase tão inteligentes quanto.

Logo no início há uma baixa muito cara. Quando a mina começa a desmoronar, por obra do mago anti social Khosta, o barão quebra o lindo pescocinho da elfa Lerandra, que mais tarde se descobre ser o equivalente a uma princesa, em Alfeimr, seu país. Desolado, o grupo se divide, de modo temporário, tendo uma comitiva a tarefa de levar o corpo de Lerandra para sua terra, devidamente preservado pela magia de Miranda. Telus, o anão que nunca deixou seus sentimentos transparecerem, gostava dela.

Eles descobrem ainda no acampamento, com os mineradores que libertaram, que o propósito de se extrair a platina é fazer colares para controlar os dragões. Como souberam? Foram atacados por um deles. Telus, feito um piolho de dragão, escalou o bicho em pleno vôo, e mandou a espada no colar que usava, então o ataque cessou. Ou seja, o objectivo não era financeiro, era bélico. É um pensamento primário, acreditar que metade das ações humanas visa fins econômicos, o que o livro mostra claramente.

Na viagem até um porto, tomando cuidado com as armaduras-fantasma que cobram pedágios mais caros do que os da Rio-São Paulo, em uma estrada toda esburacada, vão Telus, o elfo Cronus, a freira Galiléia, Kostha e o cocheiro, com a esquife de Lerandra à bordo. Durante a viagem, o dragão liberto volta a assediar o grupo, mas está atrás particularmente de Telus, pois soube que o lingua-de-trapo andou contando vantagens da luta. Ainda inexperiente, o anão até consegue se defender, mas o dragão logo lhe dá uma bordoada, após quebrar a espada. Ele só queria tirar satisfações mesmo, para depois ir embora.

Aqui entra uma das atrações do show do Renato. Ainda de cara com o dragão, telus vê um machado de guerra cair entre suas pernas, quase o transformando em uma anã. Trata-se de uma das doze armas mágicas, que chega em boa hora. Do rio, com um "avatar" de lama, surge um ancião que eles tinham conhecido antes de atacarem a mina, e quase os matou Telus e Peter Paul, este que saiu em busca de aperfeiçoamento militar, mandando-os para as garras de um dragão que cuspiu uma espessa borrifada ácida nos dois. Ah, não fosse a santa Galiléia! Pois o machado treme, prende as mãos do anão e investe contra o "Velho da Torre" e as criaturas que ele criou.

A perda do episódio fica para Kostha, que teve incendiado o único bem que sua mãe lhe deixou, o grimório com o selo da família.

Aos trancos e barrancos, chegam à cidade portuária, munidos de uma boa quantia de platina para as despesas. Pagam propina para um capitão que vai levá-los com um cadáver que NÃO SERÁ DECLARADO ÀS AUTORIDADES, e procuram duas cousas, uma hospedaria e um segurança.

Quem já leu sobre magia um pouco à sério, sabe que elementais do ar, como os elfos, são mais curiosos do que o gato morto. E Cronus se mete em confusão por causa dela. Uma caixa estranha, levada por gente esquisita, escoltada por armaduras-fantasma, é guardada em um celeiro e lá trancada. Com uma magia de invisibilidade, que depende de altas doses de calma e serenidade, faz nosso amigo orelhudo ser trancado lá dentro também. Ele tenta ver pela abertura do que perece um sarcófago, vê um livro com inscrições no seu idioma. Ele ENFIA A MÃO, meu Deus, porque ele fez isso??? Ele enfiou o mãozão na abertura, e ela ficou presa. Se desespera com a aproximação dos meliantes e a invisibilidade vai pro saco. O livro se abre sozinho, ele lê o que lhe é mostrado e... volta muitas horas depois, exausto, porque foi teleportado com o livro para quilômetros floresta adentro.

Conseguem um segurança, Silvester, ex-militar que conhece todas as manhas do império, e tem quase dois metros de altura, acredito que também uns 160kg de músculos bem condicionados. Embarcam e o perdedor da luta, o aparentemente jovem e mais misterioso do que bolsa de mulher, Shokozug, dá as caras, matando o cara que queria matá-los. É preso, dá trabalho, mas acaba se tornando um aliado, quando os ajuda a combater piratas. Aliás, ele descobre que os tal barão e Velho da Torre tentaram matá-lo, então passa a integrar o grupo, que também conta com o adolescente Ed Mãos-Leves, que deixou de ser ladrão para continuar vivo, após tentar furtar de Telus e seu enorme machado.

Miranda e Alambique, que justifica de sobra o nome, em outra parte e levando a platina para convencer o César, têm uma relação de tapas e beijos, até o momento em que o ex-centurião encontra outra arma mágica, uma espada que controla seu porre e o encoraja a avançar contra o Velho da Torre, que passa a chamar de Infiél. Os dois vão directo à Titânia, pedir ajuda contra o barão.

O outro grupo segue entre batalhas e momentos de descanso, quando chegam ao continente, aprimorando suas técnicas de luta e desbastando suas arestas, tornando o grupo mais coeso e determinado. Chegam à Alfeimr com um misto de alívio e pesar, especialmente Cronus, que dá uma bronca nos guardas que não queriam deixar o anão entrar, se valendo de sua posição social e da figura obituária de Lerandra.

Após a dor da cremação, eles têm a missão de investigar crimes bárbaros cometidos contra caravanas de elfos, como meio de compensar uma tentativa de homicídio a que três deles (Telus, Silvester e Shokozug) foram induzidos, pela magia do Infiél.  Lutam com um dragão negro, que reclama de traição e afirma que não foi responsável pelos ataques, é quando Cronus cogita a existência dos lendários elfos cinísios. Não demoram a encontrá-los.

Caem prisioneiros quando perseguem os cinísios através de uma passagem mágica, para o mundo subterrâneo deles. Aqui é um divisor de águas na estória, porque Cronus é submetido a um ritual que pretende ver se ele é o escolhido, enquanto os outros estão acorrentados e impotentes, prestes a serem executados, mas são salvos e teleportados pela rainha Arani, que tem ligação com tudo o que está acontecendo, de bom e de ruim. São recebidos com festa em Alfeimr e seguem para Titânia.

Pelo caminho, um ataque mata Galiléia, deixando mais uma ferida nos corações dos amigos que já tinham sido obrigados a deixar o elfo para trás. Especialmente Kostha, que via nela a única pessoa que poderia amar na vida.

Chegam à Titânia e vêem que Silvester não estava sendo fanfarrão. É mais ou menos como um paulista falar de São Paulo para quem nunca saiu de sua cidadezinha de mil e poucos habitantes. É tudo gigantesco. São-paulesco mesmo. Chegam à pensão da Adria, esposa miudinha e delicada do gigante Silvester, que realmente não se importa nem um pouco em fazer uma panela a mais de macarronada.

Vêem alambique liderando uma das muitas legiões que o César mandou para Argos, o reencontro é festivo, mas evitam falar de Galiléia, pelo menos por agora, quando ele sai para combate.

Passam dias em família, algo que entre eles, só Silvester conhecia, com todos os mimos que uma matriarca pode oferecer. Provavelmente foi a primeira vez que Shokozug foi bem tratado, sem que que esperar retribuir. Mas tem mais surpresas! Telus descobre que é pai! Foi levar o cajado de Galiléia ao templo de Odin, onde congregava, e voltou com uma linda noviça nórdica chamada Diane, e uma linda menininha chamada Allene, filha da rainha Arani... Que nunca sequer abraçou o anão...

Bem, deixando Allene sob os cuidados matriarcais de Adria, o grupo volta para Argos, acertar contas. São teleportados por Kostha, mas fazem votação e decidem que voltarão de navio. Descobrem que os elfos cinísios estão atacando e dizimando vilas, inclusive uma em que Kostha foi roubado, após ter limpado a mesa, em um carteado. Reencontram Cronus de uma maneira triste, após conhecerem seu jovem primo Kaliak, ele se tornou o herói que os cinísios esperavam e inimigo dos antigos aliados. Se reencontram nas minas, precariamente reabertas por mineiros cinísios, onde o barão encontra um Telus muito melhor preparado e querendo ver seu elmo rolar.

Uma cena triste, após os amigos, a legião titaniana que foi ajudá-los, e os próprios cinísios descobrirem que o Impuro queria matá-los com a lava quente do vulcão onde estão as minas. Cronus mata JJ, um dos amigos no primeiro confronto, pelas costas, decapitado, para então sumir com sua tropa nos túneis, e para uma passagem mágica. Silvester, típico titaniano com elevado senso de honra, se enfurece e passa a valer por três, contra as armaduras-fantasma.

Diane, que veio de um país frio, mas tem o coração caloroso, fica encantada com o capitão da legião, lorde Wataru, que chega a carregá-la nos braços, quando está ferida.

Ainda há outra batalha. Um lacaio do Impuro prende Telus e Khosta, este que finge trair os amigos pra conseguir libertar a ambos. Engana o lacaio, quando finge que vai ensiná-lo a ler o livro que era de Cronus, e agora é seu e tem o selo de sua família. Kaliak amputa sua mão com uma besta mágica, Kostha ainda fica com o seu anel, ganhando poderes, e vão para a próxima pancadaria. O Impuro descobre onde esconderam a platina que roubaram e manda armaduras buscá-la, dentro de um lago, mas Kostha faz nevar e o congela. É quando todo mundo cai em cima deles, inclusive do barão, que na realidade também é lacaio, quase sem livre arbítrio. Mas ambos fogem por um portal.

Em uma passagem, nesta fase do livro, Telus se encontra com a rainha Arani, que lhe explica um pouco do que está acontecendo, mas deixando mais dúvidas do que ele já tinha. Ele acorda com Diane fazendo invocações de cura. Tinha sido atingido por um dragão-escravizado, que ele teve que matar.

Voltam para Titânia, onde são convidados pelo príncipe herdeiro à tribuna de honra, no coliseu, onde Shokozug vê claramente a atmosphera de conspiração, que demonstra conhecer muito bem. Lá, muito dos amigos é revelado ao leitor, como paixões não correspondidas, frustrações e algumas surpresas. Kostha ainda se mete em uma encrenca, dias depois, enfrentando uma criatura reptiliana, tendo a ajuda dos amigos que pensava não saberem da empreitada. Fora contractado a peso de ouro por um senador, que teve suas terras atacadas bem á moda dos elfos cinísios, não imaginavam que fossem dar de cara com aquela criatura, estranha mesmo para quem se acostumou a ver centauros, elfos voando, dragões falantes, armas mágicas, enfim. Deram cabo do bicho e ganharam uma pequena fortuna.

O livro termina com Khosta indo cobrar o que lhe foi roubado, pelo dono do cassino, agora com o anel de raios eléctricos no dedo. Mas também com a ordenação de Diane, que se torna uma freira-guerreira de Odin. O finzinho tem os amigos aceitando a sugestão do príncipe, e fundando uma ordem militar-mercenária, que chamam de Os Dragões de Titânia. Além de serviços militares, também ministram cursos para candidatos a heróis, magos, tranbiqueiros a serviço do governo e outros, por uma quantia módica.

Vocês notaram que falei muito, resumi a estória, mas não disse tudo. Realmente, não disse sequer um décimo. O que fiz foi adoçar suas bocas para os quitutes que o livro oferece. Vamos a eles.

Não se trata apenas de uma ficção fantástica, que de ficção despropositada o mercado editorial está lotado. Renato Rodrigues, que escreveu assessorado por sua bela e jovem esposa, que é bruxa, coloca de forma lúdica e bem didática, algumas lições de vida que a escola não dá... e infelizmente a maioria das famílias também não. No livro, para o bom entendedor, fica clara a paródia do mundo real.

Bom carioca, Renato não usa do expediente de linguajar rebuscado e formal, que é muto recorrente em livros do gênero. Os personagens falam como cariocas, inclusive palavrões, como quando Cronus diz a Telus "Voando feito uma fadinha, né, filada#@**!!!". Isso por si só já ajuda a digerir uma estória densa e muito carregada das mazelas sócio-políticas, que temos desde o império romano, que serve de inspiração, dega-se de passagem.

O autor mostra claramente como as pessoas são manipuladas, levadas a crêr em um inimigo imaginário, enquanto o verdadeiro danoso à sociedade arquiteta e dirige tudo, só mostrando sua real periculosidade quando está realmente acuado, ou prestes a colocar seus planos em prática. O Casteliano, como o Impuro gosta de ser chamado, pode ser comparado a um político já totalmente corrompido, que não tem mais qualquer escrúpulo e não mede conseqüências para ter o que deseja.

Na transformação de Cronus em cinísio, fica evidente, especialmente quando ele volta de Argos com toneladas de platina, ouro e pedras preciosas, mas sem centenas dos mineiros e soldados que levou, como a mídia consegue mentir falando a verdade, até o ponto em que e do modo como convém aos seus pagadores.

Em várias passagens, também mostra ao leitor o modo como conspirações nascem, e a necessidade de se desprezar até laços familiares de primeiro grau, para levá-las adiante. Tudo sem disfarces. Com a boa maquiagem das parábolas, é claro, mas sem dó de chocar e te levar para o divã. Por que? Porque o mundo é assim. Renato teve o dom de mostrar ao leitor, o caminho do raciocínio lógico, sem traumas desnecessários, mas também sem poupá-lo dos necessários, algo como substituir as aulas de philosophia, que há décadas não temos mais nas grades escolares.

O autor mostra que, e como, é possível rir nas mais duras adversidades. Mostra que o mundo não é uma batalha cercada de um mar de prazeres, é o oposto: A vida tem uma ilhota de prazer cercada pelo oceano das adversidades. Aquela ilhota não vai te sustentar, terás que sair em busca de outras, de tempos em, tempos, para isso será necessário atravessar o mar. Como? Isso é função tua, tens que descobrir.

O livro é também uma iniciação bem suave à magia. Lembrem do que eu disse, Eddie Van Feu é uma bruxa, e como tal não comete as falhas crassas e mercadológicas de Harry Potter. Advertências sérias são feitas o tempo todo, mostrando que fazer uma pedra virar um bolo de chocolate, não sai de graça. Aliás, transformar pedra em chocolate, seja por magia, seja na metáfora da vida, custa muito mais do que quem não entrou na batalha pode imaginar. E muitos ladrões estão à espreita, esperando o bolo terminar de assar para roubá-lo, sem se importar se é só o que tens para comer.

Não é um livro longo, são pouco mais de duzentos e setenta páginas, com dezenas de personagens que, ao contrários do que muito acontece, têm todos a sua importância na saga, nenhum está lá só porque o Renato achou legal e decidiu colocar. Não. Todos fazem diferença e todos acabam mostrando alguma faceta obscura da personalidade humana. Por isso mesmo, é como um chocolate puro, que consegue saciar mesmo em pequenas quantidades.

O livro ainda traz dois belos brindes. Um é o marcador de página, uma fita colorida atada a uma medalha de duas faces, em uma a esfinge da moeda de Titânia, na outra um dos personagens. Muito bem feito e digno de se guardar. O outro é a parte central em papel envernizado, ilustrada com alguns dos personagens. Eles foram pintados pelas mãos de fada da gaúcha Carolina Mylius, que empresta sua enorme beleza aos rostos que criou. A moça segue a escola do lendário Eugênio Colonese, com rostos expressivos, bem proporcionados, com o tipo de beleza que independe dos modismos.

Agora, por que eu recomendo Os Dragões de Titânia, que já está no segundo livro, "A Queda do César"? Porque ele vai te ensinar a pensar por si mesmo, a não ser enganado com tanta facilidade, a não levar seus heróis tão à sério, porque eles também são humanos e podem te enganar, como qualquer outro bocó de quarenta e seis cromossomos. Além do mais, é uma estória gostosa de ler, com um linguajar coloquial, longe da vulgaridade é claro, que te faz não ver as páginas passando, mas te faz lembrar muito bem das lições que meu amigo Renato tem a oferecer.

3 comentários:

Renato Rodrigues disse...

As Palavras de Nanael como sempre me surpreendem e nso ajudam a encontrar coisas escondidas nas entrelinhas da vida! Grato pela resenha, meu velho! Nos vemos em Titânia!

Lilly Rose disse...

Bom dia querido Nanael!!

Renato chegou a mesma conclusão que eu sobre tua resenha !!
Tuas entrelinhas são sempre oportunas e nos abrem novos leques de perspectiva, para a leitura.

Já li ambos os livros da Saga de Titânia e espero em breve poder ler o terceiro volume.

Amigo um fds abençoado a ti e aos teus !!

Aromas de Rosas...
Lilly Rose

Nanael Soubaim disse...

Soram, vlodai, aduhirê 8-)

Escrevi sabendo que vocês compreenderiam e tirariam o devido proveito, somos todos guardiões deste pergaminho sagrado.