Deixe ela brincar, caramba! |
Meus parabéns à Anvisa, que de tamanha neurose pela completa assepsia e esterilidade nanométrica de tudo o que se come e bebe, contribui decisivamente para adoecer o brasileiro, povo que já sofre com a obesidade, sedentarismo, nutropatia, estresse, poluição e falta de serviços básicos de saúde. Graças a neuroses pseudocientíficas assim, qualquer ameba pé de chinelo, hoje, sente-se e faz estragos como se fosse uma super mutação bacteriana.
Não bastasse a tendência indolente há muito instalada, que faz as pessoas quererem poupar esforços até para mastigar, preferindo bobagens pré-fabricadas de marcas famosas e praticamente isentas de resistência mecânica, facilitando a deglutição e, concomitante com a gula por ansiedade, facilita a tendência moderna de se comer sem perceber o que e o quanto se está comendo.
Eu já comi muita besteira na juventude, algumas delas com prazo de validade vencido, mas por poucos dias e tudo bem condicionado. O pior que já tive por conta disso foi diarréia, mas porque fiz a besteira de comer pé-de-moleque quente, não por contaminação. Aliás, o medo de contaminação faz as pessoas abrirem mão até das bactérias necessárias.
Comé-qui-eééééééé? Bactéria necessária??? Pirô, Nanis?
Não, caros leitores que não conheceram a vida de riscos salutares, não estou brincando. Acontece que a imunologia não é pré-programada para combater tudo, ou ninguém teria morrido na Madeira-Mamoré, e a ferrovia teria transformado a região norte em um pedaço do primeiro mundo no Brasil. O sistema imunológico só reconhece as agressões às quais estiver efetivamente exposto. Se o cidadão jamais tiver contacto com um espirro, não terá anti-corpos para os vírus de um resfriado comum, e será forte candidato a cadáver na primeira gripe que pegar.
Parece exagero, mas é mais ou menos assim que as duas últimas gerações foram criadas, quase inteiras, como se andar descalço fosse transformar o piso de concreto em areia movediça. Eu ainda lembro que quando uma criança pegava caxumba, sarampo ou outra doença normal da infância, as mães se apressavam em levar seus pimpolhos para que pegassem a doença também. Cruél? Não, filhos, pegar essas doenças na infância é garantia de que elas nunca mais vão incomodar, pegá-las depois de adulto é que é perigoso. Em poucas semanas estavam todos totalmente curados, e a moléstia não voltaria a dar as caras até a próxima leva de crianças nascer, sem representar qualquer risco às já imunizadas, que inclusive podiam ajudar a cuidar dos irmãos mais novos.
Não que na época não houvesse muita ignorância, não se fizesse muita cousa errada, muitas bolas fossem trocadas, et cétera. Tudo isso aconteceu, e continua acontecendo. A ignorância só trocou de rótulo, mas continua a mesma, mesmo com as toneladas de informações disponíveis de graça a quem quiser obtê-las. Hoje há os que deixam os filhos largados no mundo, sem se importarem com o que lhes acontecer, até a polícia cobrar satisfações, e os que os protegem de tudo a todo custo, como se fossem finas esculturas ocas de gelo. O resultado é, em ambos os casos, haver uma multidão de jovens adultos fracos, ainda que musculosos, tanto física quanto psicologicamente. Ferem-se à toa, os ferimentos evoluem rapidamente para infecções e estas tornam-se graves ao menos descuido.
Lá vem ele de novo, falar que antigamente era assim e assado! E venho mesmo! Não é para tripudiar ou disfarçar os problemas de "antigamente", é para dar um pontapé em glúteos indolentes. Ontem tivemos um colega a menos no atendimento ao público, porque a esposa sem imunologia alguma pegou uma virose. Hoje em dia, tudo é virose, deve ser a primeira vez na história que vírus tem porte de arma e causa fratura exposta. Voltando à cidadã, a virose causou uma infecção gastro intestinal, que a fez ter refluxos e perder totalmente o apetite, o que gerou uma conseqüente hipoglicemia. E o que ela comeu para atenuar? Um saquinho de pipoquinha doce... É, daquelas açucaradas mesmo... Dá para entender um trem desses?
Antes que alguém venha protestar contra tudo isso que aí está, eu não estou sugerindo que vocês coloquem duas colheres de esgoto no molho de tomate. Estou alertando para os excessos de zelo, que não dão ao burrogildo corpo humano, motivos para se fortalecer e aprender a se defender. O corpo é programado para poupar e acumular energia, ele não vai gastar uma molécula de proteína, uma caloria que seja, para se proteger de um invasor que não deu as caras, ele precisa ser agredido para saber do que se defender. Uma vez aprendido, o resto está tranqüilo.
Há em muitos países, até hoje, o hábito de se preparar alimentos em feiras livres, ao ar livre, tomando apenas os cuidados básicos de higiene que se deve ter em casa. Isso não acontece só em países pobres, na Europa e no Japão isso é comum. Decerto que o consumidor de lugares assim está anos-luz à frente do nosso típico cidadão, o que o leva a abrir o bico a qualquer desleixo. São países onde se lê e estuda incomparávelmente mais, onde as pessoas têm consciência de seus direitos e deveres, e mesmo assim não sobem nas tamancas ao verem um risoto ser preparado em um panelão à vista de todo mundo. Aliás, sabiam que os parisienses geralmente carregam seus baguetes nas mãos? Sim, sem saquinhos, sem embalagens, ás vezes sem sequer uma tira de papel. Eles compram o pão e vão para casa com ele, não raro debaixo do braço, enquanto lêem o jornal pelo caminho.
Uma notícia de alerta de saúde pública nunca foi dado na frança, não por causa dos hábitos alimentares dos franceses. Aqui, gera-se lixo por causa de aventais descartáveis, lenços descartáveis, máscaras descartáveis, luvas descartáveis, leis estúpidas descartáveis que logo dão lugar a outras piores, só não se descarta a mentalidade provinciana que ainda domina o contexto nacional.
E quando o cidadão vai ao médico, o que ele encontra? Um balconista de drogaria com carteirinha do conselho federal de medicina. Qualquer sintoma de desconforto interno prolongado, é imediatamente tratado com doses maciças de antibióticos fortes, quase sempre caros e que dão boas comissões por prescrição. Claro que, para compensar os efeitos colaterais do antibiótico, vai uma penca de drogas sintéticas cientificamente comprovadas e amplamente testadas para justificar a patente que dá direitos exclusivos de fabricação. Em suma, o coitado paga para ter sua saúde já debilitada, detonada pelo charlatão. Não foi uma ou duas, foram muitas vezes em que, no meio da saúde pública, tive conhecimento de médicos honestos que curaram em definitivo, pessoas que há anos estavam sendo enganadas e intoxicadas pelos pilantras de jaleco. Às vezes, sem receitar um analgésico sequer.
Quando o cidadão cai enfermo, ele tem dois caminhos, o plano de saúde e o inferno dantesco do sus. Neste, se ele não estava realmente doente, passa a ficar por conta do ambiente realmente contaminado e profícuo em super bactérias, além do clima de desolação que deprimiria até Polyanna. No outro, se ele entrar com uma unha encravada, é internado em uma U.T.I caríssima e lá mantido enquanto conseguirem convencê-lo de que está doente, ou até o plano de saúde disser que não vai mais pagar. Parece piada dos Trapalhões, quem dera fosse. A realidade é esta mesminha, apenas tirando o toque de acidez de minha parte.
Agora imaginem o quanto é fácil convencer pais inexperientes e desesperados, de que só o tratamento mais caro vai salvar seu filho aflito. Tudo isso não gera somente oneração e aborrecimentos, isso destrói a capacidade do organismo de se defender, em alguns casos a deficiência imunológica é perene, ou seja, a pessoa contrai aids sem pegar o H.I.V! Sem vírus para combater, o coquetel contra o mesmo é inútil. Pessimista, eu? Não, estou relatando só o que eu posso assegurar, já ouvi coisas muito mais cabeludas.
No tocante à alimentação fora de casa, aquilo que não faria mal à tua família, não fará mal aos seus clientes, via de regra. Com alguns cuidados extras, todos os procedimentos de uma casa limpa e bem organizada, podem ser aplicados a uma lanchonete ou um restaurante. Mais do que isso, pode ser considerado luxo, ou mesmo neurose. Acontece que os infratores que realmente atentam contra saúde pública, não vão preencher um procedimento operacional padrão entregando as nojeiras que fazem, por desleixo ou ganância. São estes que preparam e vendem alimentos impróprios, e eles não fazem propaganda de sua ilegalidade na hora de atrair clientes. Não raro, contam com pistolões para os quais as portas sempre estiveram abertas, nunca foi negado um número de telephone, e assim por diante. Estabelecimentos que sempre andaram na linha, mesmo antes de procedimentos de indústria de micro chips serem exigidos, não vão arriscar sua reputação. Já os sacripantas, estão se lixando.
Acontece que o Estado, desde que eu me entendo por gente, sempre colocou nas costas do cidadão a responsabilidade e o ônus de se prevenir do que ele é pago para evitar. Em vez de punir um biltre com amigos influentes, enche-se o bom comerciante de obrigações novas a cada dia, deixando o infrator protegido em paz.
Há ainda o hábito de se ter nojo de qualquer pedaço de pão, que não saia directo da embalagem para a boca. Ok, há agentes contaminantes em todo lugar. Ok, fungos microscópicos podem causar doenças terríveis. Ok, você está ficando neurótico e esqueceu as lições básicas das aulinhas de ciências naturais. Fungos não são instantâneos, seus esporos precisam viajar, se instalar e só então brotar. Engolir um pedaço de pão com sabor estranho não é uma sentença de morte, precisa haver uma quantidade mínima de fungos com a devida maturação da colônia. Não vais comer um biscoito mole e esverdeado, quando a cor deveria ser rosa-morango, vais? então! A não ser que o gato defeque no chão e ninguém limpe, não há problema real em comer um biscoito que acabou de cair. Os microorganismos e sujidades que estiverem lá, só vão ajudar a reforçar a imunidade.
Só ganha com essa neurose, quem vende antibióticos cada vez mais agressivos, e productos esdrúxulos para limpeza pesada, com nomes ridículos e mais longos do que a semana santa. Para limpar a casa, use a velha receita de água e sabão, nada além e nada aquém disso, o resto é marketing supérfulo, de porcarias que vão causar alergias e mal estar de verdade. Viver com mais simplicidade, sem regras e procedimentos supérfulos, sem medo de viver, é esta a receita mais simples e segura para uma vida saudável. O resto é só comércio.
2 comentários:
Felizmente eu não estou mais tão cercado de neuróticos como a alguns anos atrás. Minha mãe é dessas neuróticas, e vivia reclamando que eu às vezes comia coisas que eu não sabia a procedência, mas eu nunca fiquei doente por comer uma mísera pamonha comprada numa carrocinha nem por causa de um pastel frito em óleo preto de tão velho.
As brincadeiras na rua, ou mesmo no quintal, são outras coisas que se mostram de grande valor para fortalecer a imunidade durante a infância. Como dizia a propaganda do sabão Omo, não há aprendizado sem manchas, e eu já cheguei a deixar algumas roupas manchadas de lama e óleo (que a fresca da minha mãe ao invés de deixar guardadas para eu fazer bagunça no quintal jogava fora quase como se fosse lixo tóxico).
Pelo menos do que eu tenho visto nos parques mais próximos da minha residência, ainda tem muitas mães sem neurose que levam até bebês com poucos meses para brincar em pracinhas com areia de verdade no piso, levando no máximo uns band-aids e um spray anti-séptico na bolsa.
Com relação a animais de estimação, sempre tem uns pais e mães meio neuróticos com relação a alergias, e outros tantos que usam essa desculpa esfarrapada para não dizerem na lata que não gostam de bicho, mas normalmente quando eu levo a Vanessa, minha cadelinha vira-lata, para passear sempre aparecem algumas crianças que ficam paparicando ela, pegando no colo, até colocando perto demais da cara e levando umas lambidas que talvez fossem mais rejeitadas se soubessem onde ela põe a língua...
Neuroses são pandêmicas e contagiosas. A neurose esterilista é só uma das piores.
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