30/01/2012

Goiânia e seus trolhabus

Sonha, goianiense, sonha! (Imagem de José Patrício)

São Paulo está renovando sua frota de trólebus. Até o fim do ano (como explico aqui) serão cento e vinte e oito novos veículos, com piso baixo, rampa, o silêncio e maciez dos veículos eléctricos e tudo mais. Por mais que a Himalástima falhe com  seus serviços de concessionária, os paulistas têm trólebus, têm metrô, têm trem e têm cobradores nos ônibus, que auxiliam os motoristas e ajudam a evitar que ele esmaguem velhinhas que demoram a descer.

Goiânia, que já foi modelo de transporte público para o país, pelo contrário, continua sob o monopólio dos financiadores de campanha, que nos mantém reféns dos trolhabus, nos negando até mesmo a dignidade que os bois têm no transporte ao abatedouro. Aliás, o seguro cobre imediatamente qualquer ferimento que o animal venha a sofrer, antes do abate, sem burocracia e sem o dono ter dores de cabeça. O que vocês comem, provavelmente teve uma viagem muito mais confortável do que seus familiares têm todos os dias.

Meus amigos paulistas reclamam muito, com razão, da precariedade do planejamento do transporte público da Cidade-Estado de São Paulo. Vez ou outra dizendo que não tem como piorar, no que sou obrigado a discordar, tem como piorar e muito! Nós pensávamos que não pudesse, mas piora a cada dia.

Imaginem (fácil) o ônibus lotado. Agora imaginem a ausência do cobrador. imaginem, finalmente, uma idosa tentando se desvincilhar dos demais passageiros, para não perder seu ponto. No meio da multidão, o motorista não a vê. Por força de sua idade, ela demora a descer os altíssimos degraus do ônibus, e depois a enorme altura ao solo. Cansado, estressado pelo maldito motor dianteiro, com dívidas de danos porque a empresa desconta no salário (ainda que o seguro tenha pago) se outro carro danificar o veículo, salário de miséria, espelhos retrovisores tremendo pelo motor trepidante e a falta de um auxiliar à bordo. Como ninguém mais parece estar descendo, ele aciona a porta e arranca. A idosa cai debaixo dos pneus e... Mesmo os nossos jornalecos de aluguel já se cansaram de publicar notícias assim. No último episódio, uma senhora teve a perna dilacerada e veio a óbito. A culpa recaiu sobre o motorista, só sobre ele. Aliás, as trolhas politiqueiras que se passam por empresas, fazem vistas grossas aos motoristas que maltratam deliberadamente o passageiro, usam isso como um escape para ele não se organizar e não se voltar contra seus feitores.

O cobrador ainda faz falta no caso de o motorista ser novato. Os paus-de-arara de Goiânia têm rastreamento por satélite, eles até dizem qual o próximo ponto de parada, mas é só isso. Não mostram onde estão e muito menos como chegar lá. Por pelo menos duas vezes eu precisei ensinar ao motorista o caminho, pelo menos até onde eu desço, dali em diante eu não sei o que os coitados sofreram. O tal 'gps' desses veículos só serve para denunciar o motorista que sair da rota ou pára fora dos pontos, não interessa se ele teve motivos de vida ou morte para isso.

Contrariando as normas vigentes do Contran (estas aqui) para o transporte público, ainda temos ônibus com portas estreitas, cordinha para solicitar parada e muita, mas muita rebarba de alumínio quebrado e muito parafuso de aço à mostra. Banco virado para trás, pelo menos, não tem... foram retirados. Aliás, o espaço que deveria ser do cobrador não tem um só assento. Fora que muitos dos ônibus foram comprados usados, semi-sucateados, e porcamente adaptados à cidade. Alguns ainda têm os adesivos de avisos das cidades de origem. E todos têm os selos de vistoria e aprovação para circulação... Não deveriam, mas têm.

Do dinheiro do metrô de superfície, que Santillo prometeu há vinte anos, não se tem notícia. O verdadeiro prefeito da cidade ainda soltou o desaforo, afirmando que "o metrô de Goiânia é o Transurb". Para quem não conhece a cidade, é uma linha de ônibus com corredor exclusivo e isolado, que corta a capital de leste a oeste, mas está sujeito aos semáforos, carros e caminhões (especialmente do interior) que aproveitam os cruzamentos para invadir o corredor, aos mongoristas que furam sinal para mostrar que são machos, enfim, cousas que um metrô não enfrenta. A cada acidente os jornais mostram tudo como 'mais um acidente', se esmerando nos detalhes descenessáriamente sórdidos para anestesiar o cidadão; infelizmente está funcionando. Ah, se tivéssemos uma imprensa! Uma mequetrefe que fosse!

Trólebus, então, nem pensar! Provavelmente o goianiense comum jamais ouviu falar disso. Nossa rede eléctrica é um amontoado de improvisos, mantida por mão-de-obra terceirizada que, se vocês virem, duvidam que seja profissional. Um ônibus silencioso, sem fumaça e sem trepidações é utopia para Goiânia. O eixo leste-oeste até que é ideal para receber trólebus, pois quase não tem curvas e são quase todas muito suaves. Como o restante das linhas, continua sub-dimensionado até para o goianiense, mas é utilizado directamente por Senador Canedo e Trindade, depois de a linha ter sido estendida sem se pensar em realmente redimensionar a frota.

Temos todos os problemas de São Paulo sem termos sequer uma sombra de sua infra estrutura, temos todos os problemas de trânsito que o paulista enfrenta, com apenas um décimo da população. E ainda tinha gente chorando porque não conseguimos ser sede da copa! Nem táxis em número decente nós temos! Eles não dão para nós, imagine para uma população inteira de turistas! Transporte público então... não temos. Piso baixo, em Goiânia, só dos funcionários públicos.

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