18/03/2011

Dói no Japão, dói em Amanda, dói em Nanael

Assim era, assim tornará a ser.
Amanda (aqui) é como uma sobrinha postiça. O que lhe dói, me dói também. Pois hoje ela está muito condoída pelo ocorrido no Japão. Peço que cliquem nos links, pois foram selecionados e colocados aqui para que meus leitores conheçam o Japão, para assim deixarem os preconceitos sucumbirem à força do conhecimento. Conheçam a verdade e ela vos libertará.


Menina Amanda tem pelo nascedouro do sol o mesmo amor que tenho pela Alemanha (aqui e aqui). Não nos negamos a brasilidade que trazemos na genética, mas quem me acompanha sabe que meu ateísmo ficou lá atrás. Temos ligações fortes com estes países que, em comum, compensam o grande número de feriados com o amor descomunal pelo trabalho árduo e pela eficiência no ofício. Eu já tinha em mente algo sobre Nipon, mas lamento que precise antecipar o assunto por algo tão triste.


Aproveito para dizer aos abutres de plantão, não é a primeira e não será a última vez que os japoneses se erguem de uma terra arrasada. Não pensem que por terem se acostumado a aplicar tão intensivamente a tecnologia de ponta, eles amoleceram ou se esqueceram de quem realmente são, ao contrário de nós. Ninjas e Samurais ainda existem, ainda há escolas que ensinam com amor e rigor a arte dos agentes secretos e dos guerreiros de outrora. Hoje eles lutam contra um inimigo que vai matá-los. Estão todos empenhados em conter e reverter as mazelas dos vazamentos radioativos. Eles sabem que vão morrer por isso, que será tão menos doloroso quanto mais rápida for a morte, que certamente a maioria demorará muito a morrer. Mas morrerão felizes pelo dever cumprido, por terem defendido seu povo e sua terra, por terem redomado o monstro que deve ser servil e não senhor. O Japão é dramático por natureza, mas é um drama de bom gosto.


O Japão é um arquipélago de pouco mais de 377.000km², pouco mais que o tamanho de Goiás (aqui e aqui). Se não lhes parece ser tão pouco, leve em consideração que se trata de um arquipélago, que o território é extremamente recortado e motanhoso. Agrava o facto de que muitas ilhas são bastante distantes entre si. Em resumo, o território realmente aproveitável é muito pequeno para mais de cento e quarenta milhões de habitantes. É por isto que eles optaram pela energia nuclear. Eles sabem dos riscos, sabem da vulnerabilidade, mas não têm território para hidrelétricas, estações eólicas e muito menos as vastas áreas de que necessitam as células photovoltaicas.
O único país que, hoje, poderia fornecer energia abundante é a China, que é uma ditadura monopartidária, que ainda tem rancores históricos e de vez em quando ainda chantageia os japoneses com boicote de matéria-prima.
Todo japonês que se preze gostaria de ter electricidade fornecida por rios, mas nem termoeléctricas eles têm onde instalar, mesmo as mais eficientes. Optaram pelo risco da alta eficiência, até que surja o que substitua à altura as usinas nucleares, ou até que a Rússia acorde, tome seu lugar no primeiro mundo e possa vender as grandes quantidades de energia de que eles precisam.


Mas se engana quem pensa que os japoneses estão choramingando e pedindo esmolas, por causa da tragédia. Eles estão procurando e contando os mortos para sua última homenagem, para então arregaçarem as mangas e reconstruírem o país.
Os artistas (aqui) estão cancelando turnês, principalmente no exterior, para empenhar esforços na reconstrução e no apoio às vítimas.
Ajuda a presteza de Fräu Merkel em ajudar a desvalorizar o iene e facilitar as exportações japonesas, mesmo com a Europa também imersa em uma crise financeira grave. Mas não é o amparo mútuo o meio mais rápido de superar uma crise? Bem, minha gente, vamos comprar bonecas Momoko (aqui) e outros artigos japoneses de primeira qualidade. Simples, sim, mas de primeira qualidade, como os kei cars (here e aqui) os famosos microcarros japoneses, que contam com uma série de isenções para compensar suas dimensões minúsculas, e que seriam a alegria da garotada no Brasil, se fossem importados. Robôs, que ainda metem medo em muitos ocidentais, também são produzidos para uso doméstico no Japão, onde são como bichos de estimação (aqui e aqui) ou companhias de pessoas solitárias. O que os japoneses usam hoje, nós só vemos em filmes de ficção científica.


Outra crítica típica de revoltadinhos leigos, que se enchem de informações rasas, é a ocupação de "áreas de risco" pelos japoneses. O motivo que os leva a optar pelas usinas nucleares é o mesmo que os leva a ocupar cada pedacinho de terra disponível. Qualquer pedaço de solo fértil é utilizado para plantar algo, não há desperdícios. Só que eles não fazem simplesmente chegar ao lugar e construir um barraco, contando com uma futura regularização. Os engenheiros sempre chegam antes, depois dos engenheiros a adequação (se aprovado) do terreno, depois a infraestrutura, depois os arquitetos e só então os prédios são construídos. Não é como aqui, onde o Estado faz vistas grossas para qualquer absurdo de olho nas próximas eleições, e em novos problemas graves sobre os quais possam fazer promessas e discursos retóricos absolutamente vazios de conteúdo. Por falar em infraestrutura...
Enquanto o nosso trem-bala se tornou uma novela ruim, um pastelão sem graça, cheio de furos e pleno de incompetentes (aqui, aqui, aqui e aqui) atrapalhando e ganhando com a demora, o trem-bala japonês (aqui, aqui e vídeos aquiaqui) está em sua terceira geração e não causa nenhum espanto, de tão comum que já é na paisagem. A passagem é um pouco mais cara, mas o japonês tem pressa e sabe dos benefícios de usufruir e financiar um avanço tecnológico desta monta. Lá o burocrata se limita a analisar e encaminhar documentos, não dar pitacos leigos em assuntos de alto grau técnico.
Não foi por culpa deles que a tragédia se deu, foi uma calamidade natural. Então os manoéis coloquiais tratem que ler além do que seus grupecos dogmáticos mandam, para não derramarem mais leviandades e torpezas na internet.


Mesmo com a crise, o padrão de vida do cidadão japonês é muito alto, bom para qualquer padrão mundial, impensável para os nossos. A alta carga tributária é paga sem maiores queixumes, pois os serviços prestados pelo estado estão à altura. As ferrovias são a base bem tratada do transporte nacional, as estradas são consertadas quando necessário e não se nota nenhum desnível ao volante, os aeroportos são modernos e não têm apagões aéreos, os metrôs são praticamente bicicletas sobre trilhos para os japoneses. Aliás, o de Tóquio, inaugurado em 1927, (aqui e aqui) é de babar! Deixa qualquer forasteiro abobalhado, e os nativos se esmeram em ser simpáticos e dar informações precisas. Principalmente se o forasteiro for um brasileiro. Para quem não sabe, Lisa Ono (esta) é a maior cantora de bossa nova viva do mundo, e a cultura brasileira é muito mais e melhor preservada por eles do que por nós.


Vocês, leitores mais habituais, devem estar se perguntando como um povo tão acostumado a tantos confortos, está se virando com a tragédia. É que eles estão simplesmente acostumados, não se apegaram a eles. Eles usufruem porque os deuses (sob ordens do Criador) lhes deram condições genéticas e ambientais para construir tudo isso, é para eles um gesto de agradecimento aceitar e usufruir de um presente. Por isso os empresários japoneses têm o hábito da troca de presentes, quando vão negociar. Isto não só humaniza a negociação (horror para os hedonistas que causaram a última crise) como transforma o trabalho em uma extensão da vida pessoal e do lazer. Eles têm o que ganhar convivendo conosco, mas o aprendizado de nossa parte também seria imenso.


Páginas dedicadas ao Japão, em potuguês, há muitas. J-Station (aqui) e Festival do Japão (aqui) são os de competência cultural mais acessíveis que encontrei, são muito completos e rotineiramente actualizados. O J-Station cuida  mais de novidades musicais e afins. Existe inclusive um blog (entre e desfrute aqui) cujo titular tem dez anos de vídeos feitos no Japão, quando morou lá.
Sites oficiais, também acessíveis, são os da Embaixada e do Japan on Line (aqui e aqui), que dão notícias sérias e consistentes, sem o dramalhão feito para vender notícias a que nos acostumamos.


O Japão precisa de ajuda. Não precisa ser carregado, precisa de um ombro onde se apóie até conseguir andar sozinho de novo. Apesar das diferenças, especialmente ambientais que merecem reprimendas, os japoneses fazem juz ao meu respeito. Eles tiveram a humildade de reconhecer a derrota e transformá-la em vitória, utilizando a força de seu oponente de então, os Estados Unidos, para alavancarem sua economia e passarem de terra devastada para oásis tecnológico. Como no judô, a força que o derrubou serviu para devolver-lhe a dignidade.
Não são um povo rancoroso, tanto que se tornaram os maiores aliados dos americanos. Mais do que tudo, são gente. São pessoas. Seu gentílico, uma identidade para saberem quem são, não altera os quarenta e seis cromossomos que os torna tão gente quanto nós. São tão bons e maus quanto nós. Interesses, como os empresários bem sabem, podem muito bem ser compatibilizados com uma boa negociação e um bom senso do razoável. Assim feito, todos ganham. E a recuperação japonesa é boa para todo o planeta; à excessão de uma ditadura, claro.


Enquanto as bugigangas bonitas deles ficam quase tão baratas quando as bugigangas bonitas, mas mal feitas e descartáveis que invadiram nossas lojas, e as importadoras se encarregam de nos trazer algo bem feito por gente bem paga sem artifícios cambiais unilaterais, vamos poupando nosso dinheirinho para ajudar quem certamente não se furtará o dever de retribuir o amparo.


Para terminar, uma artista bem recomendada pelo J-Station, a jovem Mai Kuraki (vídeo aqui, site aqui e blog aqui), que também cancelou turnês para arregaçar as mangas e ajudar seu povo. Menina linda, não?

5 comentários:

Ursula disse...

Oi Nanael, ainda não havia lido nada à respeito da tragédia do Japão. Gostei muito do que tu escreveu. É tudo muito verdadeiro. Beijo.

H.M disse...

:)... obrigada por ter escrito tudo isso, apesar da tristeza, gostei demais, na verdade, eu nem procuro saber detalhes do que anda acontecendo pelo Japão, já percebi o quanto me faz mal saber...
Obrigada mesmo assim,
Abraços, Amanda

Nanael Soubaim disse...

Trabalhei por horas para concluir este artigo. Busquei as fontes mais confiáveis e os meios de divulgação mais eficientes para vocês não ficarem reféns de notícias deturpadas.

Denise disse...

Se puder, ajude você também, please:

http://rosanadevolta.blogspot.com/

Rosana é mãe como eu, mas de 5, a mais nova da prole tem um mês. Está no Japão e quer voltar ao Brasil. Agora, porque a situação financeira não vai bem e a perspectiva é de que piore. Isso sem contar a falta de comida e a possibilidade de contaminação, pela água inclusive.

Não a conheço pessoalmente, apenas da militância pró-parto. E ela é tão militante até a veia que a sua bebê mais nova nasceu em casa com ajuda apenas da natureza e do pai. E o parto foi transmitido ao vivo pela Internet.

Ah, diga à Grace Simpson para entrar em contato, se ela quiser! Tô filiz demais com a notícia!

Nanael Soubaim disse...

Ahá! Finalmente conheci a senhora fiofolete! No momento estou durango kid, ajudo assim que puder. Já disseminei as campanhas.