11/02/2011

Sabotagens à democracia

É de menino que se torce o pepino
Tudo começa em casa. Tudo mesmo.
Como já falei recentemente dos excessos das  mães-tigre, e fui suficientemente incisivo, me aterei ao outro extremo, o da negligência.
Começa com os pais amparando a criança a todo instante. O petiz não pode cair sentado que lá vão eles, enchê-lo de dengos por horas e horas. A criança não tem experiência nem discernimento da vida, mas não é burra. Com o tempo aprende que fazendo birra ou chantagem, consegue o que deseja. Raramente o que realmente quer, mas sempre o que deseja. Não que se deva deixar a criança se ferir sem dar importância, mas as atenções não devem ir muito além de quando o choro cessa, pois vicia.
Forma-se uma personalidade tirana, que pode tomar três caminhos básicos; o do coitadinho, que se faz de vítima o tempo todo; o do fútil, que pensa que o mundo só existe para lhe dar prazer e até agride para obtê-lo; o do revoltado, que não quer se misturar com os dois e adopta discursos nos quais realmente não acredita, são só para ocupar seu tempo ocioso e experimentar mais os limites frouxos. Os três são basicamente o mesmo conteúdo em embalagens diferentes.

Os dois primeiros não dão a mínima para política. Política não é divertida, não assopra o dodói, te obriga a ter as atenções divididas com outros temas, o que para os três é inadmissível. O terceiro gosta de política justo porque não é divertida e não assopra o dodói, assim se sente acima dos dois alienados mimados, se envolve com ela até o pescoço e rola na sua lama. O problema é que sua militância tem a mesma maturidade que a daqueles, está voltada para sua própria satisfação.

O coitadinho e o fútil podem se tornar agressivos, quando suas vontades não são satisfeitas, geralmente se tornam. Para linhas gerais e evitar delongas, uno-os em um primeiro tipo só. Este tipo sai de casa assim que toma o café e vai "curtir a vida". Escola? Talvez. Há os que compreendem um pouco mais e vão à escola, conseguem um aproveitamento razoável e esperam recompensas generosas em troca. Uma boa parte, porém, vai em busca de grupos que satisfaçam seu ego inchado e super protegido. Encontram-nos em shoppings centers, bares, boates, lugares onde seus cartões de crédito possam comprar atenção e a ilusão de que são importantes para o mundo, quando na verdade só ocupam o espaço de quem quer fazer algo.
Contrariá-los é um risco à própria integridade física, como no episódio em que uma menina recusou uma cantada e foi agredida com uma cadeira, em uma boate. Ele não aceita ser contrariado, vale para os dois tipos. Quando chega em casa, quer tudo arrumado, mas não dá a mínima quando está, só olha o que não estiver no seu devido lugar. Quer comer o que estiver pensando em comer e ai dos pais se não houver ao menos uma porção do que quer na casa. Mas é freqüente mal tocar no prato, desperdiçando a maior parte da comida. Para quê se preocupar, se quando voltar estará tudo arrumado de novo? Sai à noite para procurar diversão, é tudo o que sabe fazer. Essa diversão pode ser qualquer cousa. Tendo acreditado que é melhor do que algum grupo, por ver a mãe ralhando com a empregada que não adoçou direito seu suquinho, não custa tempo algum para se alinhar a grupos extremistas, passando a sentir prazer em agredir, especialmente porque se acostumou a sair impune. Bulling é arroz-com-feijão. A humilhação do outro passa a trazer um prazer indescritível, se houver suicídio simplesmente procura por outra vítima.

Mas um dia é pego e esquenta o banco de uma delegacia, e chora, chora, chora... Não de remorsos, pois não tem arrependimento do que tiver feito, não importa o que tenha sido, chora porque alguém mais forte (no caso policiais bem treinados) interrompeu sua diversão e fez-lhe uma reprimenda. Que absurdo! Coitadinho do meu filhinho! Tão inocentinho! Só estava se divertindo e a bichona o ofendeu moralmente, saindo de casa em plena luz do dia, se defendeu tacando gasolina e ateando fogo. O que é que tem de mais?

Embora saiba idiomas, cite escritores famosos, tenha uma longa lista de viagens, et cétera, et cétera, este primeiro tipo unificado não sabe absolutamente nada da vida real. Ele pensa que a única realidade que importa é a do seu conforto. O mundo aqui fora só lhe fará falta se não puder mais sustentar sua vida artificial, mas o mundo gosta das pessoas ruins e acha que as boas podem se virar sozinhas. As ruins são mais atraentes, simpáticas, elas se esforçam realmente para parecerem muito mais do que são, é um investimento pelo qual exigirão retorno concreto.
Este, aliás, um talento muito desenvolvido pelo revoltado, o segundo tipo.
Visando vôos mais altos, este tipo seduz, às vezes literalmente, para obter seus intentos. Depois, se os seduzidos não lhe servirem mais, os descarta. Mas faz parecer que não, que só está ocupado, para poder se reaproveitar depois. É um político inato. Tudo o que ele quer é ser mimado, como faziam seus pais, só que agora com roupagem de adulto, de homem sério. Por sua natureza praticamente cristalizada, tem simpatias por ditaduras, sejam de esquerda ou direita, depende da orientação ideológica que escolheu, não importa, importa que a idéia de ser perpétuamente uma autoridade, praticamente com título nobiliarquico, faz seus olhos brilharem. Para tanto consegue se programar e acreditar naquilo que diz, obtendo assim discursos inflamados, coerentes e altamente carismáticos.
O cérebro, caros leitores, é altamente programável, até mesmo na sua morphologia interna. Ele muda de acordo com aquilo que realmente queremos. Se alguém realmente quer acreditar que Stálin era um guardião do povo, ou que os mentores do golpe de 64 realmente queriam preservar a democracia, assim o será. O cérebro buscará as sinapses necessárias à alimentação da mais ululante e encerada retórica para que o discurso seja convincente. O cérebro é burro, e burros arrastam toneladas, quando bem alimentados.
Ele conseguiu enganar os pais (e estes se deixaram enganar), ainda cheirando a cocô, por que não enganará uma população que raciocina com o ventre e não sabe de seus podres? Mesmo que soubesse, ele daria um jeito de distorcer a verdade e fazer parecer que é aceitável ser podre.
Este tipo geralmente consegue se eleger, no mínimo alçar cargos indicados por sua boa margem de votação. Seus métodos diferem dos do primeiro tipo pela extensão do estrago causado, tendo basicamente os mesmos princípios e objectivos: eliminar a qualquer custo o foco de descontentamento, mesmo que com métodos de máfia. Ele não aprendeu a reconhecer a dor do outro quando criança, por que se importaria agora? Ameaçar a família, especialmente as mulheres, do desafeto é o de menos. A turma é substituída por capangas que, assim sendo, não dão nota fiscal de seus serviços e deixam poucas pistas de sua passagem.

O padre Alcides disse uma vez e estava coberto de razão, não existe pecadinho ou pecadão, quem rouba uma figurinha, um dia mata para roubar teu cartão de crédito. Muda o tamanho do estrago material e psicológico, o estrago social e político é exactamente o mesmo. Assim como os dois tipos citados parecem ter periculosidades diferentes, mas não é verdade. Um ameaça pela quantidade, o outro pela intensidade de seus indivíduos. Ambos desabonam os ideais democráticos. Ambos querem um sistema que lhes perpetue a boa vida e privilégios. Esquerda ou direita, não importa, ou acham que não há privilegiados em países ditos de esquerda?

Para haver uma democracia plena, mas longe da perfeição que está além do alcance da humanidade, é necessário que o cidadão se sinta parte de uma nação. É necessário que ele esteja ciente de que o que acontecer à mesma, se refletirá cedo ou tarde na sua pele. Nos países desenvolvidos é assim. O japonês se sente parte do Japão, o alemão parte da Alemanha, o americano parte dos Estados Unidos da América, o norueguês parte da Noruega e assim por diante. Neles, discursos separatistas viram piada, no mínimo. Seus defensores são vistos como ridículos e qualquer atitude para seus intuitos é imediatamente reprimida, como na vez em que um grupo de idiotas tentou cobrar pedágio dos compatriotas que entrassem no Texas. Um deles foi eleito pelo grupo como presidente o Texas e realmente se sentia presidente de uma república. Tipo dois.

O que temos no Brasil? Um monte de partidos. Só isso. Cada um tentando lotear os cargos do governo, quem não consegue faz a política do "quanto pior melhor" e que se dane o país. Enquanto uns fazem invasões e actos de vandalismo, outros anestesiam a população para que o joguete fique só entre eles. Ambos distorcem a realidade, transformando causas em princípio nobres em pretexto para cometer excessos, desde o legalismo extremo até a pregação da anarquia à força. Um usa o outro como pretexto para instaurar um regime autoritário. Eles precisam um dos outro... Não, na verdade são só dois braços de um mesmo corpo.

O estatuto do menor, que foi eufemizado um monte de vezes até chegar ao (inútil) "Estatuto da Criança e do Adolescente", como se ambos não fossem menores, deveria ter sido uma ferramenta para coibir abusos. Na prática só os transferiu de mãos. Se antes abusava-se de adolescentes, por ser aceitável pagar-lhes menos, hoje não se pode ensinar uma profissão a uma garota de doze anos. Até uma empresa familiar pode ter problemas com o juizado se alguém ver uma criança ajudando a varrer o piso. Um professor que exija o estudo a um aluno pode ser processado por humilhação, ainda que ele tenha sido o inverso. Se antes as famílias relapsas tinham maiores chances de desenvolver tiranos em casa, hoje todas estão expostas ao risco. Quem abusa de adolescentes não deixará de fazê-lo por causa da lei, ele geralmente tem costas quentes para isso. Eles sabem que não, mas alimentam a histeria dos dois extremos, é o que os mantém no poder. Assim fomentam mais gerações de crianças mal acostumadas, podam a boa índole dos que gostam do trabalho e mantém a população presa a problemas que não fariam diferença se não fossem alimentados. Ai de quem pegar uma criança para criar, tem que deixar na rua, à espera do conselho tutelar.

Os dois tipos têm uma grande facilidade em disseminar suas mentalidades tortas, enchendo os noticiários de barbaridades terceiromundistas; como atrocidades de trânsito, depredações, pixações, "pequenas" corrupções, desacatos a funcionários públicos de baixo escalão, enfim, cousas que fazem parecer pequenas diante de tantos problemas que assolam o país. Fazem as pessoas acreditarem que estes "pequenos deslizes" nada têm a ver com as mazelas nacionais, encorajando sua repetição. Quem não tem tendências à barbárie não vai aderir, mas será assolado pelos que têm e passam a ver com normalidade virar sem dar seta, ultrapassar pela direita, parar em local proibido, ligar o som no último volume, furar o sinal com pedestres já atravessando e assim por diante. Afinal, o mundo está tão caótico, por que não vão consertá-lo em vez de encher o saco?

O caro leitor já deve ter se pego na situação de pensar que está no país errado. Deve ter pensado que está cercado e sem chances de escapar. Pois é assim mesmo que funciona. Os dois tipos mandam, agressivamente, prestar atenção um no que o outro está fazendo, como se o erro do outro fosse pior. Uma das estratégias é manter um escabro na surdina até ser útil, ou inevitável, como as tragédias anunciadas no Rio de Janeiro. Quer saber? Eles estão rindo. Distraíram nossas atenções para as vítimas, depois para a burocracia burra e inútil que está emperrando a entrega de doações, quando nos demos conta aprovaram vantagens para si mesmos em um processo vicioso de legislatura (sempre) em causa própria.
Então vem alguém dizer que na época da ditadura não era assim, como se na época a mídia pudesse noticiar o que quisesse. Mas fala de seu contexto pessoal, ou do que leu em algum jornal tendencioso, muitas vezes sem ter conhecido a época. Os meios de comunicação não ajudam, bastando ver o nível de imbecilidade dos programas, com especial caráter emburrecedor dos reality shows. Logo em seguida o telejornal apresenta um desfile de catástrofes, que te faz ter vontade de voltar para as amenidades e permissividades estúpidas daquele programa inútil.

Sim, caro leitor, teu raciocínio está correcto. Os dois tipos também têm influência na mídia, e muita. Tu, que se sentes parte do país e responsável por ele, és uma ameaça à boa vida dos mimados que estão no poder. Eles usam a democracia como simples instrumento para acalentar o sonho de instaurar uma ditadura. Para tanto precisam desmoralizar as instituições, como correios e polícia, para que o povo se convença de que não sabe e jamais saberá votar. Tua vontade de ver a cidade limpa e segura se choca com a vontade que eles têm de se divertirem sem medir conseqüências. Teu hábito de se abaixar para colocar um papel na lixeira é um ofensa aos que jogaram o papel na calçada. Teu sonho de ver este país no primeiro mundo te torna um inimigo potencial desta gente. Tua naturalidade em ajudar nas prendas domésticas insulta a mentalidade misógina dessa gente. Não ser igual a eles é ser seu oponente. Não, não estou exagerando nem um pouco, estou sim poupando-vos de detalhes sórdidos desnecessários.

Para terminar, tudo isto começou em casa, quando a criança ainda podia ser corrigida. Não que se possa transformar um sujeito turrão em um Chico Xavier da vida, mas pode-se ensiná-lo a controlar suas tendências. Recebendo limites em casa, ninguém vai testar os do mundo.
Criança que aprende desde cedo a trabalhar em casa, e eu ajudo desde os cinco anos, aprende também a se portar civilizadamente no mundo.

4 comentários:

Vy disse...

Plenamente correto, em gênero, número e grau.

Newdelia disse...

Sem comentários, meu querido amigo. Obrigada por ter conseguido expor o assunto tão claramente. Tudo o que foi dito é a mais pura verdade e sem sombra de dúvidas, os pais da minha geração, não souberam ou não sabem educar. Uma lástima.
Hoje, aqui em Ribeirão, um menino de 14 anos morreu num acidente de carro. Segundo as notícias, após sua festa de aniversário, furtou a chave do carro do pai e foi dar um rolê. Alguém acredita nisso? Eu não. É mais do que comum os pais machões acharem que seus bodinhos já estão prontos para assumirem responsabilidades. Aliás, não vêem nada de sério em dirigir uma automóvel. Isso é coisa pouca.
Pois bem, o rebento acabou caindo dentro de um rio e o carro bateu num cano d'água justamente do seu lado, fraturando-lhe o crânio com morte instantânea.
Só resta aos pais carregarem essa culpa, esse peso. Mas,agora, não adianta mais...
Amar, antes de mais nada, é saber dizer não.

Beijos e boa semana.

Nanael Soubaim disse...

Pois sim, caríssimas, uma boa dura de vez em quando não cura todas as más tendfências, só noventa por cento. Este pai, New, é certamente daqueles que não levaram no traseiro quando precisaram, pois nem sua culpa assume, já que sabe que poderia ser preso...
Aliás, o sujeito que não se assume pode ser chamado de homem?

Vy disse...

Você pergunta por causa do blog sem janela de comentários? Isso mesmo, tô sendo perseguida por uma doida por causa do meu trabalho artesanal (lembra do post do invejoso?), então resolvi dar um tempo lá. É só uma pessoa doente espiritualmente, e contra isso não existe argumento, como não tô afim de brigar, achei melhor dar um chá de repouso. Não sei como ainda não chegou ao Flickr... Qdo acontecer, talvez eu tire tudo do ar de vez.