29/01/2007

Ave Bertha


O céu ainda estava escuro. Ela acordou os filhos, mandou que fizessem silêncio e levou-os ao carro. Empurraram-no por um bom caminho, a fim de não acordarem Karl, mesmo sob protestos dos petizes. Quando estavam a uma distância suficientemente grande para não acordá-lo, então sim começou a aventura...

-- Eugen, dê a partida e suba rápido.

Lá foi o adolescente (se bem que o termo não se usava na época) girar a imensa manivela, sorte que o motor era pequeno e leve, como o carro. O motor pegou e ele subiu ao banco com a mãe e o irmão.

Em momento algum foi uma viagem tranqüila e agradável, pelo contrário. Andando a quatorze quilômetros por hora (quando embalava) muito antes de inventarem a surdina e com aquele cheiro de fumaça mal queimada a entupir o nariz, só uma coisa motivava Bertha Benz: salvar o sonho do marido e ir à desforra. Lembrava-se bem do comentário de um jornal fancês: "Ridículas as invenções dos senhores Daimler e Benz (...) estão fadadas ao rápido esquecimento".

A primeira rampa provou que 3/4 de cavalo não empurrariam trezentos quilos mais passageiros morro acima, não sem uma caixa de câmbio que ainda não existia. Foram Bertha e Eugen empurrar, enquanto Richard acelerava tudo. No alto do morro os dois, cobertos de fuligem, embarcavam e conheciam outro drama: os freios eram tão potentes quanto o motor...

-- Rezem, meninos, rezem!

As rezas deram resultado e a viagem seguiu na mesma dificuldade. Os problemas variavam entre ter que comprar limpador facial (benzina), já que não havia postos de gasolina, nem gasolina havia, encontrar água para pôr no motor, já que era refrigerado por evaporação da mesma, consertar a correia de tração e repetir para si mesma "Eu amo aquele homem, eu amo aquele homem, eu amo aquele homem...". Usar o alfinete de cabelo para desentupir o duto de alimentação, que futuramente originaria o carburador, nem foi tão dramático...

-- Vocês dois, olhem para lá.

E lá se foi um elástico da cinta-liga, provavelmente para substituir uma mola perdida ou quebrada.

Chegou e foi escoltada pela polícia, que via naquela engenhoca maluca um evento sobrenatural, até a casa da mãe...

-- Bertha!!! Meu Deus!!! O que aconteceu com vocês?!!

-- Depois conto, mamãe. Posso tomar um banho?

-- Entrem... Que diabos é aquilo? É coisa do seu marido não é? O que o estafermo inventou desta vez?

-- Uma carruagem auto-móvel. Eugen, Richard, assim que mamãe sair do banho, vocês entram.

Em poucas horas Karl Benz descobriu o que acontecera com a esposa, os filhos e sua invenção tão difamada. Recebeu uma carta de Bertha, pedindo peças de reposição e avisando do sucesso da primeira viagem de carro da história. Claro que ela e a história só revelaram o teor bom da carta, o que ele deve ter ouvido ficou entre os dois.

Os diálogos são uma licença satiropoética, mas refletem o que aconteceu de verdade com aquela que se tornou a primeira motorista e mecânica para valer da história, a mulher sem a qual nossas lindas furrecas não existiriam ou, se existissem, seriam mimos de milionários ainda hoje. Um século e duas décadas depois, façamos um brinde com álcool e biodiesel àquela que deu um tebefe nas fuças dos conservadores com luva de pelica: Bertha Benz. Agora uma vaia aos "maxõis" que geram quase todos os acidentes e culpam as mulheres. Sem elas, nem eles, nem nós, nem ninguém poderia dizer "vou logo ali, a 200km e volto logo". Sem Berta, incontáveis vidas seriam perdidas pela ineficiência das carroças-ambulâncias, das carroças de bombeiros, et cétera. Ave Bertha.

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado pelos comentarios no meu blog, o seu tá maravilhoso!!!Muito legal!!