28/02/2020

Agora é com os pequenos!





           Hoje o Impala sai de linha. A imbecilização da indústria ganhou mais um ponto dentro do mundo automotivo, abrindo mais espaço para a idiotice crônica dos SUVs. Por que eu digo isso? Porque eu já comentei aqui a respeito sobre o quanto esses trambolhos são tecnicamente inferiores e operacionalmente mais perigosos do que um carro de verdade. Deixo minha admiração de exceção à gigantesca Suburban, que nasceu numa época em que camionete precisava antes de tudo ser útil, e assim se mantém até os dias correntes, mantendo seu formato familiar e sua configuração casca grossa de chassi e carroceria. Via de regra, o que se faz com um SUV que não se pode fazer com um hatch ou uma perua, se devidamente preparado? Absolutamente nada. Se não for um fora de estrada autêntico, não há nada que um carro de gente não possa fazer igual, com mais espaço e menos peso para rebocar em caso de quebra.

            Eis o que perdemos:



           Mas infelizmente não é só a indústria automotiva que sofre com o emburrecimento de um mundo mais intelectualizado e menos raciocinante. Estou sofrendo para conseguir baterias extras para minha câmera, simplesmente porque ao contrário dos carros, ela não aceita uma com mesma tensão e corrente, mas de marca diferente; na verdade um carro aceita qualquer bateria com 12 volts, não importa se é a pequena original ou a de um caminhão. E aqui temos o motivo de a indústria automotiva ainda ser mais confiável do que a electrônica, bem como é esta a principal responsável pela imbecilização já dita. Se a tua bateria perder carga e não aceitar mais recarga, o que pode acontecer se ela for totalmente descarregada, uma fraqueza das tradicionais baterias de chumbo, podes ir a uma loja de baterias e comprar outra de qualquer marca e qualquer amperagem, desde que seja de 12 volts. Se for uma bateria menor, vai sofrer, mas vai trabalhar, se for maior vai ficar um pouco pesada, mas vai funcionar e ainda te dar mais segurança. E AI da indústria automobilística se essa liberdade for tirada do consumidor!



            Agora vamos a uma geringonça electrônica qualquer… se a bateria não for aquela própria, da mesma marca, mesma capacidade e mesma geração, o aparelho simplesmente avisa que não vai aceitar. Mesmo que forneça carga, o trambolho maldito, projectado por um cretino sob ordens de um filho de foca atolada, vai se recusar a obedecer seu dono, basta que seja de uma geração anterior ou posterior ao aparelho em questão… e nós achamos isso normal. Mas esses picaretas corporativos não fazem isso sem o amplo apoio passivo, mas apaixonado de uma maioria absoluta do público. E NÃO! Não é por causa do capitalismo! Nos anos 1950 e 1960 as pessoas compravam como loucas as novidades ano a ano, de productos que eram feitos para durar e duravam a vida inteira, além de serem fáceis de consertar! O índice de sobrevivência do que se fabricava na época, quando as condições de uso eram muito mais severas, é imenso, se comparado ao quase zero dos lixos que pifam assim que vence a garantia. É muito fácil encontrar carros do meio de século passado circulando em boas condições. Ainda hoje é possível encontrar peças para eles, é possível até encontrar válvulas para rádios e televisores antigos. A culpa não é “do sistema” É SUA! O saudosismo dos vintagistas não é gratuito e nem fruto de mentalidade rançosa, ele tem embasamento na vida real.



            Vamos deixar claro, antes de alguém vir com discursos, o que é a tal obsolescência programada. Quando um carro fica pronto para ser lançado e começa a ser vendido, seu substituto já começa a ser desenvolvido. Por que? Porque um modelo não pode ficar em desenvolvimento até se tornar perfeito, ou consumirá recursos sem jamais ser vendido. Quando o desenvolvimento dos protótipos alcança um nível satisfatório para o público e a época que se pretende atender, então é lançado, mas seu aprimoramento continua no substituto, ou na geração seguinte, que pode levar de dois a cinco anos para chegar; a versão de então é passível de ser aprimorada e retocada ao longo de sua vida industrial, e o próprio consumidor costuma ser o motivador dessas pequenas mudanças. Existe um ciclo para que um substituto seja lançado, não para que o modelo já lançado caia aos pedaços no meio da rua, e aproveitar componentes suficientemente bons do modelo anterior é prática corrente, para cortar custos. Baixa qualidade é outra conversa e foi banalizada pelos productos orientais baratinhos, de onde aliás vem essa prática de nada funcionar se a bateria for recarregada em uma rede de energia que penteie o cabelo para o outro lado. Entendidos? Continuemos.



            Depois que grupos japoneses de “turistas” invadiram as fábricas do Vale do Silício, ainda nos anos 1970 e levaram photos estratégicas para engenheiros de seu país, numa época em que o Iene não valia praticamente nada, começou a invasão de aparelhos baratinhos que, se não quebravam fácil, também podiam ser jogados fora se quebrassem. Do Japão migrou para a Coréia e de lá para a China, que foi quando tudo perdeu o controle. A política do desenvolvimento a absolutamente qualquer custo deu um século de desenvolvimento tecnológico à ditadura mais perigosa do mundo. Com a inundação de artigos com relação custo/benefício quase surreal, o padrão de exigência começou a cair muito e piorou quando discursos inflamados passaram a ser quase que um dialeto de uma geração que destruiu tudo o que as anteriores penaram para construir, rejeitando e rotulando de mau e pecaminoso tudo, material e imaterial, o que fosse anterior aos seus malfadados nascimentos. Não estudar E não trabalhar passou a ser aceitável, até desejável para alguns grupos que se rotulam como “desapegados”. Ao mesmo tempo em que são agressivos quando julgam que alguém ofendeu algum grupo com que simpatiza, fazem questão de ofender os com que antipatizam; não ouvem, mas exigem ser ouvidos. Em maior ou menor escala isso acabaria por contaminar, cedo ou tarde, o restante da massa.



            Essa praga migrou rapidamente para o consumo de bens e serviços. Em “serviços” incluem-se a grade de televisão e a indústria musical. Revistas que primavam por serem chiques e inteligentes se renderam em poucos anos também, passando a repetir citações alheias em vez de formar e dar voz a todo mundo; lembro-me que uma delas, a melhor então diga-se de passagem, fez um artigo extenso e bem explicativo sobre mulheres que eram apaixonadas pela vida de dona de casa; foi um escândalo em uma época em que dar para qualquer um em qualquer lugar era alardeado como direito e dever. O resto o desinteresse pela leitura fala por si. O lixo electrônico começou a preocupar as publicações especializadas precisamente na mesma época, mas o “novo” consumidor não deu a mínima, apesar de encher os recém-criados fóruns de internet com discursos ecológicos e anticonsumistas. Bem, eu estou careca de falar que quando um lado cresce, o outro também cresce, mesmo que à sombra dos que estão sob holofotes. Os que declaradamente não estão nem aí e querem que o mundo exploda depois da darem seu último suspiro, claro que com discursos analgésicos para evitar a rejeição dos de quem dependem seus prazeres, também emergiram da mesmíssima lama. São iguais, só estão em lados opostos.



            Foi o apogeu. A propaganda terrorista de que “a China vai comprar tudo e ser sua dona” acompanhou o temor dos mesmos especuladores que mandavam dinheiro e tecnologia para lá. No meio dessa gororoba ideoapocaliptica o cidadão comum foi bombardeado com discursos tão inflamados quanto distantes de sua necessidade e realidade. Não foi por falta de aviso! As revistas, quando eram boas, se cansaram de avisar, mas foram vencidas pelo cansaço, pelos patrocinadores e pela nova geração de colaboradores repletos desses mesmos discursos pretensamente libertários, mas que só confundem mais e mais até hoje a cabeça pragmática do cidadão comum. Este passou a dar de ombros para tudo o que o tirasse de sua zona de conforto a passou a consumir mais passivamente do que seus antecessores; ainda que muitos digam consumir conscientemente, só fazem seguir as instruções de algum grupo ou de uma celebridade pseudointelectual, o que dá na mesma, apenas com um rótulo mais apresentável. Bem, daí a aceitar ordens das marcas mais badaladas foi um passo. Eles até podem escolher como o que vão comprar será apresentado, por customização, mas obedecem pianinho aos ditames, mesmo os mais ricos que se rendem à idiotice cavalar do apelo pela emoção e tradição de marcas arrogantes. Diga-se de passagem, customização era algo fácil e farto do meio de século até meados dos anos 1970, e não só para productos caros, dificilmente se encontrava um Passat exactamente igual ao seu, por exemplo; isso só no Brasil, nos Estados Unidos a festa era ainda mais colorida e detalhada.



            Agora vem o ingrediente final, o cianureto para glaciar o bolo! Políticos semi ou literalmente analphabetos, mas hábeis em argumentação prolixa, metendo o bedelho em assuntos que deveriam ser restritos a técnicos altamente capacitados. Eles não disseram aos engenheiros “encontrem uma solução para isso”, disseram “façam do jeito que eu mandar”, e a diversidade de soluções e estilos começou a decair. Do outro lado, forçando a vítima a comer o bolo envenenado, activistas tão rasos quanto, mas cheios de citações e boas intenções… e o diabo precisou alugar outros planetas para acomodar tanta gente boa. Não preciso dizer o quando o cidadão comum ficou mais informado e proporcionalmente mais alienado, a profusão de reality shows cada vez mais estúpidos é a medida. Mas quem foi mesmo que colocou aqueles políticos lá? E quem é mesmo que paga a mesada de toda essa juventude agressivamente bem-intencionada? Quem dá audiência para essas porcarias e assim informa aos fabricantes o nível cada vez mais baixo do consumidor? YEEEEEEEEEEEEESSSSSSSSSSSSS!!!!!!! NÓS! Não é culpa do sistema, da mídia, dos iluminati, dos reptilianos, do Zukerberg, dos globalistas, dos aliens, nem da Odete Hoitmann! A culpa é nossa!



            A morte lenta e humilhante dos carros de gente é só um aspecto, o mais visível e doloroso diga-se de passagem, da morte da própria indústria, que agora é apenas uma replicadora de tendências que nem mesmo quem pensa ditá-las sabe realmente de onde vêm. Quem não participa da troca de ofensas de ódio politizado, engajado e bem-intencionado, geralmente prefere se alienar mesmo, pelo bem da sanidade mental. Só que nisso o mundo fica á deriva. E não, novamente, não há nenhum grupo comandando o mundo, embora haja muitos tentando fazer isso, ou não estaríamos derivando. Estaríamos muito maus lençóis, mas não à deriva. A praga dos SUVs é só um sintoma disso, assim como a ausência de fabricantes de componentes de reposição para electrônicos modernos, a pobreza estilística insana e quase compulsória dos edifícios espelhados, as grades televisivas que copiam tudo em vez de apenas adoptar um estilo e trabalhar isso para seu público, programas que vivem de parodiar ou comentar outros programas, “músicas” hoje explícitas de apologia ao crime e à sexualidade infantil, criminosos sendo glamourizados pela mídia e lançando “biografias” para seus fãs… enfim, eu me cansaria e infartaria sem chegar ao fim da lista. Mas onde fica o consumidor nesse balaio de gato noiado? Fica escondido e com medo. Não se destacar, e o exibicionismo em redes sociais é um modo de se misturar e não de se distinguir, é uma forma de proteção. Deveria procurar um profissional de saúde mental, sim, mas esse também está tentando se defender e raramente tem ciência de toda a teia de acontecimentos daqueles sintomas; até porque não é obrigação dele, seria de jornalistas e historiadores que, bem, vocês já sabem.



            A alternativa é entrar no círculo vicioso que alimenta a moda de débil mental dos SUVs, que matou um dos melhores carros do mundo, após matar o irmão maior Caprice e suas peruas, todos, segundo proprietários, tão fáceis de manter que o consumo de combustível nem pesa. Agora temos trambolhos volumosos, com pouco espaço interno, beberrões, comparativamente instáveis, de difícil acesso para pessoas com problemas motores, estilisticamente pobres, fácies de estragar, difíceis de consertar, mas que dão sensação psicológica de segurança a seus condutores. Dá para ver tudo ao redor, inconscientemente as ameaças não o pegarão desprevenido. Está tudo sob controle. E para compensar a falta de interesse crescente por carros, resultante disso, a solução é o quê? Dar estilo? Ampliar as opções de customização de fábrica? NÃO! É encher o apinel de porcarias cibernéticas para fazer o cidadão se sentir moderno, antenado, um cidadão do século XXI, e abrir as portas para hackers matarem pessoas utilizando O SEU CARRO seguro e altinho. Então vocês poderiam se perguntar, e o farão se tiverem senso, se dá para colocar toda essa tralha em um carro antigo. Sim, dá. Fazendo um circuito totalmente à parte, dá sim. Assim como dá para reforçar a carroceria de modo que se torne segura em colisões. Também dá para fazer um televisor, rádio ou vitrola antigo se comunicar com a internet das coisas… e gravar analogicamente o que seria impossível com os scripts digitais.



            Vocês podem procurar referências sobre comunidades vintage na internet, verão até mesmo pessoas que fazem questão de viver como se vivia em épocas passadas, alguns até como na era vitoriana. Não é atraso, é escolha. Eu mesmo, quando as condições me permitirem, chutarei todas as redes sociais para longe, não vou querer saber de televisão na minha casa nem de graça! Usarei a internet e o e-mail para aquilo que foram criados para fazer, e depois me debruçarei na minha vida quarentista!



            Serei honesto, a GMC tentou com bravura salvar seus sedãs. Foi uma luta árdua que chegou às raias do romantismo. Mas por tudo o que eu já escrevi, a demanda já era insuficiente para justificar a produção, e ter prejuízo em uma época tão dura é inaceitável. Resta então aos pequenos fabricantes, aos quais a baixa demanda inicial dos vintagistas fez florescer uma indústria vigorosa, atender à demanda reprimida de um grupo ainda sensato e saudoso dos carrões. Eles (nós) estão dispostos a pagar o preço que, francamente, a maioria já paga por um SUV feio e sem personalidade. Dar de ombros à gritaria de grupos bem-intencionados é algo impensável para grandes corporações, mas perfeitamente aceitável para pequenos fabricantes, que podem se servir de peças já existentes para construir coisas totalmente novas, ainda que com aparências de velhas. Os grandes estão de mãos atadas em um terreno onde os pequenos se movem com desenvoltura, e a quem os grandes deveriam ter recorrido para assumir productos de baixa demanda, como o Impala, a Pontiac, Oldsmobile, Mercury, Plymouth, enfim... Isso manteria os ícones vivos e os proprietários das marcas bem conceituados. Mas vai dizer isso a um especulador paranóico! Vai dizer isso a um gritador bem-intencionado e seus manipuladores! Vai dizer isso a um político cheio de vazios mentais! Vai dizer isso ao cidadão comum amedrontado!



            Meus amigos, a salvação dos gigantes está nos nanicos, cuja estrutura permite uma flexibilidade muito grande de produção. Assim como a moda retrô se tornou uma cultura que hoje se mantém sozinha, com suas estrelas e legiões de fãs próprios e custos paulatinamente menores, é nos pequenos que nossa indústria de bens duráveis terá sua salvação e, também aos poucos, a volta da viabilidade da produção em larga escala.