18/09/2013

Os trólebus, para quem não os conhece

Saudoso trólebus de Ribeirão Preto.

É difícil selecionar uma ou duas incoerências do poder público nacional, então temos que nos ater aos urgentes, que também são muitos. Então acabo optando pelo que me aparece pela frente. Agora é a vez dos trólebus.

Simplificadamente, são ônibus com motores eléctricos que usam a rede aérea de energia, por meio de uma haste tetrátil que funciona como fio da tomada. Os mais modernos têm baterias e se recarregam aos poucos, quando páram nos pontos, o que lhes garante uma mobilidade que os de haste não têm, alguns até contam com um pequeno motor diesel para estender a autonomia.

Aos compatriotas que moram longe do centro do país, pode parecer óbvio o que descrevi, mas a maior parte do território nacional não conheceu os trólebus. Muita gente sem sabe que eles existem. E se depender de prefeitos do naipe de Marta Suplicy, que demonstram saber mais de supercordas do que de transporte público, o interior do país nunca terá os benefícios desses ônibus singulares.

Felizmente não depende só deles. Infelizmente, mesmo assim, eles conseguem atrapalhar muito. Se eles desejam ou não um transporte público decente, não sei, nunca me coloquei à sua frente para ler seus pensamentos. O que sei é que eles não têm a mínima noção do que seria um transporte público decente; estou sendo gentil.

Quem já viu, como eu, o motorista descer do ônibus e entrar em uma drogaria, implorando por um analgésico, sabe do que vou falar agora. O nível de ruído dos ônibus de que dispomos é muito alto! Atenuaria muito se usassem motor traseiro, que continuaria a incomodar os passageiros, mas incomodaria muito menos os motoristas. O problema é que nossos ônibus não passam de caminhões encarroçados, e francamente eu não conheço um só caminhão brasileiro, com motor traseiro. Sai mais barato, a estrutura de motor à frente já existe e é feita aos milhares, para transporte de carga.

Sim, meus amigos, vocês leram certinho! Somos transportados por veículos de carga adaptados ao uso de passageiros! Sem cintos de segurança e quase sempre usando os duros e melindrosos feixes de mola na suspensão. Não raro, os amortecedores são simplesmente retirados, quando precisam ser trocados, deixando as molas sem controle algum. Tudo isso com a plena aquiescência das prefeituras. Se eles não se importam com suas vidas, vão se importar com sua sanidade mental?

Pesa contra os trólebus antigos, a completa dependência dos fios de alta tensão dos postes. Se a haste caía, eles paravam. Se a energia acabava, facto recorrente, eles paravam. Não por problema do trólebus, mas por falhas de infraestrutura, inclusive do asfalto de péssima qualidade, que faz qualquer veículo dar pulos. Lombadas e valas para redução de velocidade, são exclusividades de países onde a educação é artigo supérfulo.

Em muitos países, os trólebus modernos estão substituindo os bondes com grande vantagem, porque não ficam presos aos trilhos, eles têm baterias próprias, podem rodar muitos quilômetros sem precisar da fiação aérea. Quando têm um motor para estender a autonomia, ele pode ser pequeno, com uma fração da potência do motor de tração, podendo ser mais silencioso e só trabalhar por curtos períodos. Quando precisar, há casos em que eles têm que ser ligados por alguns minutos, para não travarem por falta de uso.

Mas, é claro, isso acontece em países que levam a mobilidade urbana à sério, que estimulam o uso do transporte público em vez de simplesmente penalizar o uso do automóvel. Resolver problemas não faz parte do repertório da política brasileira, torrar o erário em propaganda enganosa e acusar os críticos de golpistas, fazer-se de vítima, alegar intriga da oposição, quando se é situação, ajuda a enrolar o eleitorado e confundí-lo. Deixar pura e simplesmente de dar manutenção, é um modo de convencer a população que os ônibus a combustão são melhores. Nem Rolls Royce dispensa manutenção regular, eles sabem disso.

A grande vantagem econômica dos trólebus, é que se tratam de veículos com concepção naturalmente muito cara. Um ônibus urbano simples, só com o que a lei manda, passa fácil de duzentos e cinqüenta mil reais. Ver exemplos aqui. Fica mais fácil diluir os custos de uma conversão para tração eléctrica ou híbrida. Embora a compra seja bem mais cara, não muito mais, a manutenção é mais simples, há muito menos peças para quebrar e nenhum movimento alternante para fragilizar o motor. Mas veículo que não dá manutenção, não gera licitação.

Para a população e para o motorista, a primeira vantagem é o silêncio. Quase nenhum ruído sai do trólebus, pode-se conversar em voz baixa, ouvir o MP4 em volume mínimo ou mesmo ler algo sem o ronco constante a encher a cabeça. O motorista, pela ausência de ruídos, não estressa tanto, o que resulta em um padrão de segurança muito mais alto. Ele ouve melhor o que se passa dentro e fora do veículo, se antecipando mais a qualquer emergência. Ele chega ao fim do expediente com a audição intacta.

A ausência de descarga, quando o gerador não está ligado, permite que ele circule em ruas onde um veículo a combustão de grande porte não pode, como ruas onde há escolas e hospitais, o que pode significar um itinerário bem mais curto.

O motor eléctrico tem uma vantagem imensa, ele produz força instantânea. O motor a combustão precisa ganhar rotação, velocidade, para conseguir tirar o ônibus do lugar, para isso serve a embrenhagem. Como conseqüência, muitas vezes ele acaba produzindo mais potência do que seria necessária. Resultando em mais desgaste, mais emissões e muito mais ruído, para o desespero de todos o que estiverem a menos de vinte metros do motor. Fora a mania de motoristas idiotas, de jogar fumaça nos pedestres e carros pequenos.

O limite de velocidade em perímetro urbano, é de 60km/h, mas eles têm que arrancar, acelerar, reduzir, frear, retomar; tudo isso exige uma troca freqüente de marchas. Uma operação que exigiria, em média, 40cv em velocidade normal, acaba exigindo quase que potência máxima na maior parte do tempo, o que às vezes significa usar mais de 240cv. Por suas características, o trólebus pode arrancar usando muito menos potência, na maioria das vezes dispensado troca de marchas, não raro dispensando até a caixa de marchas, trabalhando bem próximo à potência mínima na maior parte do tempo. Não admira que as pesadas e arcaicas baterias de chumbo dos nossos trólebus, dêem conta do recado.

Há ainda o menor custo energético. Um trólebus ruim, custa menos de um quarto do que se paga pelo quilômetro de um ônibus. Um trólebus bom, não chega a um quinto. Um de última geração nem se fala! Nem temos no Brasil! Se levar em conta que dificilmente o kWh passa de R$ 0,50, e que ele pode bastar para rodar vários quilômetros, vocês podem imaginar o impacto positivo que um trólebus bem conservado tem nas contas públicas.

Actualmente, que me conste, só temos uma montadora que fabrica trólebus, e converte ônibus para trólebus no Brasil. A Eletra, ver clicando aqui, é a última sobrevivente nacional de uma tecnologia que só prospera do resto do mundo. Felizmente a empresa teve a visão de considerar o mercado externo, que também atende, ou já teria virado página da história. Porque se dependesse do poder público, já teria fechado. O resultado do esforço, é uma qualidade construtiva e tecnológica de padrão internacional, que por aqui nós simplesmente ignoramos.



Um trólebus antigo, em Santos.

4 comentários:

Anônimo disse...

Você escreveu antigo. Pode ficar muito mais antigo que é bom e melhor que os feitos com chassis de caminhão ou chassis, suspensão, motor de combustão e colocação específicas para ônibus. Boa

Nanael Soubaim disse...

Sem dúvida, amigo. Sem a menor sombra de dúvida.

Ana Carol disse...

belo vídeo!

Nanael Soubaim disse...

Também achei. Ver de dentro é mais didático.