23/02/2013

Maria Cristina 6

Seu olhar notívago, cansado, vislumbra as brumas que não lhe encobrem mais o futuro, que ora é passado. Seu olhar sereno, hispano, sobrepõe suas notas à voz ainda juvenil que ressona soprano.

Não quer ser celebrada em sua boda, não quer ser perturbada em seu labor, só quer dar conta do trabalho ao qual se entrega toda.

Suas mãos cansadas escrevem, cientes do peso de cada palavra posta em papel, ciente daquilo a que servem. Suas mãos finas ordenam, para não se perder pedaços de vida que de lá lhe acenam.

Não quer ser adulada por seu valor, não quer aturar pessoas mascaradas, só quer dedicar-se ao que faz por puro amor.

Suas palavras duras, inspiradas, dão conta daquilo que o regular não mais consegue, mas sempre puras. Suas palavras preciosas, adocicadas, dão bálsamo às feridas d'almas desesperançadas, lamuriosas.

Não veste a carapuça de santa, se mostra humana até em seus rompantes, só quer voltar à estrada onde sua vida canta.

Seu caminhar pesado, exaurido, refaz os caminhos de sempre, como se pudesse encontrar o ponto desviado. Seu caminhar seguro, consistente, insiste em se esperançar e construir seu futuro.

Seu coração morno, ferido, acolhe cada filho que lhe emprestam por alguns anos, melhorados no retorno. Seu coração espaçoso, confortável, leva gente sem medir pesos, carinhoso.

Não se arrepende do caminho escolhido, prefere a dor da saudade ao remorso de uma omissão, só pede que o Pai devolva seu sonho esquecido.

Seu rosto abatido, saudoso, tantas vezes alvejado pela injúria profana dos pusilânimes, ainda erguido. Seu rosto tão lindo, angélico, por si só abrandando a dor do seu próximo, sorrindo.

Não se compara o vulgo à sua compaixão, tantas vezes enfrentando o poder oficial pelo indefeso, quando quem deveria nem dá satisfação.

Essa pessoa existe, perfeita em todos os seus defeitos, carrega em seus braços quem não mais consegue andar, quando ela mesma precisa repousar.

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