10/12/2011

Pixadores malditos!


Ele sai, ainda tonto pela 'balada' da noite anterior, rindo. Nota algo estranho na cor do muro e vai ver. Vê e fica possesso! Não sabe como aquilo foi feito tão rapidamente em uma só noite, nem como não chamou a atenção de ninguém, mas está lá. Seu muro está completamente tomado por tinta, traços, curvas e tudo mais.

O que mais o irrita, é saber que não adianta denunciar, que certamente o autor (ou autores) o conhece e fez aquilo em represália. Jura aos brados que se vinga, mas não sabe ao certo contra quem. A indignação de ter tido seu lar violado exalta seus ânimos, ainda mais que ainda está sob efeito etílico.

As pessoas começam a aparecer e confirmam que tinham ouvido falar. A notícia se espalhou rapidamente pelos bairros da região. Isso é óptimo! Além de ter tido seu muro enchido com cousas às quais odeia, contra sua vontade, agora terá também que agüentar ser alvo de olhares da comunidade. A pintura esquisita está lá, enorme, cobrindo todo o seu muro.

Por que não respeitam o território alheio? Por que se dão ao trabalho de sair de suas casas, que devem ser distantes, só para descaracterizar um muro sem a autorização do proprietário? Ah, mas isso não fica assim! Ele vai chamar sua turma para tomar as devidas providências. Enquanto ele sai, o povo photographa, nunca tinha visto um quadro como aquele, na verdade a maioria deles tem acesso à internet, mas só para ver besteira e falar besteira em fóruns virtuais.

A turma chega e vê o estrago. Adjetivos dos mais depreciativos são soltos em profusão,  enquanto fazem lá mesmo o planejamento para o revide. Listam uma relação de residências e comércios que podem ser os alvos, elegem os prioritários (embora não saibam o que signifique a palavra) e vão à desforra.

Chegam à região pretendida e se surpreendem. Estiveram lá há poucos dias, mas está tudo muito diferente. Quase todos os muros foram substituídos por grades, e os que ficaram estão quase totalmente cobertos por trepadeiras florais, guarnecidas por estreitos gramados. E agora? O que hão de fazer?
Um cidadão aponta o dedo. Eles ensaiam uma afronta, mas logo outros fazem o mesmo e começam a gritar "Chamem os meninos, são aqueles pixadores malditos", "Ah, voltaram, vagabundos?" e eles percebem que estão em nítida desvantagem.

Não foi só o paisagismo que mudou, a comunidade local também está diferente, está unida. Eles cercam o grupo, que começa a evocar os direitos humanos, alegar inocência, pedir um advogado e tudo a que estão acostumados a fazer para se livrarem das conseqüências de seus actos. Todos começam a sacar photographias de seus antigos muros completamente pixados, repintura após repintura, eles soltam pequenos risos que despertam a ira dos mais exaltados, então começam a chorar. Vêem que agora os intelectuais que tanto defendem sua liberdade de expressão onde e como bem entenderem, mesmo que à revelia e recusa dos moradores, não podem ajudar agora.

Os meninos chegam na viatura, com a imprensa, e eles começam a se fazer de coitados por causa dos tapas que levaram, por terem rido de seu mal-feito. Mas em vez de adulá-los, desta vez os repórteres, que também já foram vítimas de pixações, lhes mostram vídeos de câmeras de segurança mostrando-os em flagrante delito. Infelizmente um deles é menor e não poderá nem mesmo ser obrigado a repintar muros, falta um mês para completar dezoito anos, embora sua reincidência contumaz vá lhe valer uma pena. Mas os outros seis, que sempre se valeram do número para intimidar as vítimas, estes poderão ser processados. A quantidade de latinhas de tinta preta em uma sacola serve de prova de suas intenções.

Na delegacia, aos olhos do conselho tutelar, o menor dispara a tagarelar, reclamando da invasão de território, do estrago que fizeram no seu muro, que é a vítima da sociedade, que é rebelde porque o mundo quis assim, porque nunca lhe trataram com amor, que queria ser como uma criança, cheio de esperança e feliz. O conselheiro lamenta, mas diz que desta vez perderam o apoio da sociedade, que já sabe que para fazer filhos ele é adulto suficiente, para assumí-los nem tanto; já são seis na fila, à espera da maioridade do sujeito, para entrar com processo de reconhecimento de paternidade.

Ele se revolta. Não admite, não tolera a menor hipótese de ter que arcar com seus actos, suas palavras e sua má conduta. Xinga seus pais, por não estarem lá para livrar sua cara, xinga o mundo por não ter lhe dado o que queria, quando queria e do jeito que queria, jura vingança e é logo alertado pelo delegado que "Tudo o que disser está sendo gravado e será usado para os devidos fins", então ele se cala.

Acusação contra o grupo? Em princípio, formação de quadrilha e corrupção de menor, mas encontrarão outras no decorrer das investigações. Um deles tem um utilitário esportivo com poucos anos de uso, incompatível com a situação econômica que alega. Ao perguntarem quem vai tirar "aquele lixo" pintado no muro, ouvem a mesma resposta que o delegado costumava dar aos moradores do bairro, mas agora com a boca cheia de satisfação:

 - Vocês. Alguém aí tem provas? Suspeitos? Tem? Então a Guernica de Picasso é de sua responsbilidade.

Os detidos são encaminhados às celas que lhes cabe, exceto o ainda menor, que fica preso às vistas de todo mundo por não poder ser encarcerado com maiores de idade. Ele tenta esconder o rosto, enquanto a reportagem faz seu serviço e grava depoimentos. À pergunta de como aquele quadro foi pintado tão depressa, um cidadão diz que se valeram das facilidades da tecnologia moderna, encomendaram um decalque gigante e o aplicaram em minutos, com a ajuda de uma dúzia de vizinhos. Agora, unidos, são vizinhos.

3 comentários:

Vy disse...

Mago, você abriu outro blog?
Não entendi...
Obrigada pelo carinho viu? Você anda sumido!
Beijo grande! Vy

Nanael Soubaim disse...

Fadinha, abri o À Bateria para substituir o outro do Wordpress, que estava dando muito mais problemas do que tolero de uma máquina. Na verdade trabalho também no Demônios Internos e no Talicoisa, mas os quatro têm estilos e temas completamente diferentes.

maninhodesenhos disse...

Olá, parabéns por estas postagens tão criativas. Boa sorte.