Aproveite a infância e não crie caso! |
Esther (esta moça aqui e aqui) ajuda na arrumação da sinagoga para o próximo sábado. Receberão um rabino de Israel e querem que ele se sinta em casa. Claro, as crianças foram convocadas a ajudar também. Sarah e Jacob já estão acostumados, mas os outros de vez em quando reclamam. De vez em quando alguém brinca em tom sério, perguntando à "rabina Esther" o que ela acha dessa conversa toda. Ela fica quieta em seu macacão de brim, apenas atentando ao falatório dos garotos.
Ao contrário dos irmãos, os outros adolescentes estão mais contaminados com a indolência do mundo ocidental do que seus pais gostariam. O bordão "A felicidade é direito de todos" lhes soa como música, na verdade uma adulação a qual mal conseguem resistir. Gostariam que contratassem uma empresa para fazer os arranjos e limpar a sinagoga, como algumas igrejas de seus amigos fazem. Esther à espreita, com pais e mães, observa. É a mulher mais respeitada da comunidade, rivalizando com o rabino em autoridade. Após a arrumação ela chama os filhos, fazendo questão de que os outros também ouçam...
- Que conversa é essa que me doeram os ouvidos? Jacob, você estava reclamando de ter vindo ajudar?
Ele nega, diz que conversava com Sarah enquanto passava cola quente e ela grudava os adornos, quando um grupo se mostrava inconformado em perder o fim de semana. A conversa de mãe e filhos chama atenção, especialmente quando ela acaricia os rostos dos rebentos, agradecendo a Deus por eles não terem se deixado levar pelas promessas fáceis que o mundo impõe aos jovens...
- Meus filhos, eu lamento decepcioná-los, mas vocês não fizeram nada para merecerem a felicidade. Vocês ainda não tiveram tempo, na verdade nem está na hora de se preocuparem com isso, ainda são muito novos para tanto. E quando chegar a hora, não será uma balada que vai lhes trazer felicidade, nem sexo, nem o carro mais potente da cidade. Balada, no meu tempo era filme de cowboy, não são as luzes de letreiros que vão fazer vocês felizes; Se sexo trouxesse felicidade, suicídio de adolescentes não seria tão banal na Europa; Um carro impressiona enquanto não envelhece ou aparece outro melhor. Ser feliz não é algo que se ganhe, é algo que se vive por um dia só, todos os dias. Vocês têm que merecer e se sentirem merecedores. Por enquanto vocês têm a mim e seu pai para lhes garantir a satisfação de suas necessidades, por enquanto lhes basta, mas em breve vocês terão que sair no mundo e cuidar de seus assuntos sozinhos.
Não se deixem levar por discursos de quem nunca se empenhou em criar seus filhos, se é que já os tiveram. Não se é feliz fazendo tudo o que se quer e quando se quer, isto é futilidade, uma droga entorpecente que lhe tira os sentidos mais básicos de sobrevivência, e quando perde o efeito te deixa irritadiço, agressivo, depressivo e vítima fácil de um pensamento suicida.
O que esses intelectuais cheios de diplomas e vazios de coração fazem, é jogar nos jornais as suas próprias frustrações e suas fraquezas morais, apontam na sociedade os podres que carregam dentro de si mesmos e se colocam como solução dos problemas. Eles podem ser muito bons em analisar fenômenos, mas não pessoas. Pessoas não são tão previsíveis, ou não haveria crises mundiais. Eu ainda não me conformo em como mundo se convenceu de que facilitar a vida dos filhos os deixaria mais felizes, ou pior, mais preparados. Vocês dois fazem o que escolhem, têm suas obrigações e seu lazer, este ficando à sua vontade. Mas de vez em quando me pergunto se não estou falhando em algum ponto, porque o mundo lá fora não é uma escola. Nossa família é uma escola, o mundo lá fora é pra valer, ele vai lhes cobrar que estejam prontos e vocês terão que estar prontos, ou serão engolidos por ele. O mundo lá fora é o campo de batalha, é aqui que vocês aprendem a atirar e sobreviver.
Pensem na felicidade como uma respiração. Ninguém vai respirar por vocês, é algo que precisam fazer por conta própria e o tempo todo. Se páram de se esforçar, a respiração cessa. Ninguém respira direito precisando de um respirador mecânico.
- Eu sei, mama. Mas não é pra gente que está dizendo isso, é?
- Para vocês também, Sarah. Para vocês também, porque nunca é demais repetir um alerta sério. Mas é em especial para essa garotada aqui ao redor, que está ouvindo o que não gosta e continuará a ouvir. Esses amigos de vocês não são responsabilidade minha, vocês são. Enquanto a má educação deles não bater à minha porta, são problema exclusivo de seus pais. Por isso mesmo, aliás, vocês não são obrigados a achar bonito tudo o que eles fazem, só porque os tornou populares. Se eles forem realmente amigos, vão entender e respeitar a escolha de vocês, mas pelo que ouvi eles não são amigos nem de si mesmos, quanto mais dos outros.
Vocês não imaginam o que eu já vi de gente na sarjeta, gente que saiu de casa porque achava que seus pais não queriam que fossem felizes. Não, não estou falando de uma parábola. Nos trabalhos assistenciais que fazemos com outras comunidades e outras religiões, vemos jovens que fugiram de casa para poderem usar drogas sem serem incomodados, ou porque acharam que o interesse da família por sua vida era invasão de privacidade, ou ainda que não eram os filhos preferidos e por isso não tinham lugar na família. Há muitos assim nas ruas, pedindo esmolas. Não notaram como tem aparecido pedintes bem apessoados, com boa fluência e vocábulo estranhamente refinado? Nossa sinagoga já encontrou dezenas de famílias em outras cidades, algumas de São Paulo, que não sabiam onde seus filhos estavam. Disseram que tinham discutido e eles saíram em busca da "felicidade a que têm direito". Um fugiu com a namoradinha aos treze anos, porque os pais dela não deixaram que transassem na casa dela, faz cinco anos que ela morreu de overdose. E estava grávida.
Eu não tenho o direito de sonhar por vocês, mas tenho o dever de saber o que vocês realmente querem e deixá-los no caminho para conseguirem por sua própria conta. Vocês já disseram o que querem ser e suas vontades serão respeitadas, a ponto de termos uma reserva para ajudar a custear suas faculdades. Mas isso, meus filhos, porque vocês sabem o que querem, não confundem sonho com desejo. Desejo passa, e quase sempre é coisa supérfula. Ao contrário do que vemos nas ruas, durante as assistências, vocês e as outras crianças da sinagoga têm uma idéia clara do que realmente querem. Quem sabe o que quer não se deixa irritar por algumas contrariedades, nem por vontades insatisfeitas, porque é tudo passageiro. Vocês todos estão sendo criados com mais rigor do que o habitual nesta sociedade, porque queremos que sejam felizes, mas isto só se dará com esforço próprio. Como eu já disse, é esforço a ser feito diáriamente, que não dará frutos todos os dias de suas vidas, haverá momentos em que terão que passar (metaforicamente) a pão e água. Não tentem se privar disso, faz parte de ser adulto, lhes fortalecerá. A vida adulta não é chata como muita gente diz, mas é repleta de deveres proporcionais ao poder de cada um, e esses deveres tomam nossas atenções. Essa parte de obrigação não tolhe o sonho de ninguém. Não queremos que vocês vivam nossos sonhos, já aprendemos esta lição e percebemos há muito tempo, que buscar sua realização, isto sim é direito inato de todos vocês. Não quero que viva o meu sonho, Sarah, eu o vivo todos os dias e sou realizada nele. Sou dona de casa porque amo ser dona de casa, o seu caso é outro, seu sonho e sua realização são outros.
Se dá uma pausa sepulcral na sinagoga. Esther sabe que não adiantaria falar tudo isso se eles não estivessem receptivos, o que demandou um trabalho de educação desde que se entenderam por gente. Às vezes, fazê-los chorar por um "Não" firme e convicto foi necessário...
- David, vem cá. Onde você estaria agora, não fosse esta preparação?
- Ah, sei lá... Acho que no shopping, pra pegar o cinema...
- Você tem certeza?
- ... Não.
- Esta negativa foi mais convincente do que sua resposta anterior. Não é estar aqui, trabalhando com sua comunidade, que te aborrece, é estar perdendo um momento de lazer que outras pessoas estão aproveitando. Você está pensando em encontrar esses colegas ou em se encontrar?
- Tem certeza de que não quer ser rabina daqui?
A pergunta feita pela enésima vez, agora pelo garoto, arranca risos dos judeus. Ela lhe afaga a cabeça e responde de pronto...
- Tenho, David. O meu papel eu já cumpro a contento sem precisar celebrar uma cerimônia. Escuta, o serviço aqui está quase no fim, amanhã cedo só precisaremos tirar o pó e lustrar o chão. Você terá o seu lazer com a vantagem de ter tempo para decidir o que quer fazer dele, sem precisar quicar de um lado pro outro como se pudesse aproveitar tudo de uma só vez, afinal estão de férias escolares. Pense bem, porque às vezes tudo o que queremos é ficar sozinhos um pouco, faz parte da vida. Correr atrás de diversões alheias vai te privar disso. Dá sim para ter tudo, só não dá para ter tudo de uma vez, muito menos o tempo todo. Na verdade às vezes acho que você sim, seria um bom rabino. Tem gente que vai alegar que ser padre é programa de índio, parodiando o judaísmo, mas você sabe que não é bem assim. Já comentou isso com seus pais? Não? Esse mundo de facilidades desnecessárias, meu filho, na verdade impõe dificuldades imensas aos que se deixam seduzir por elas. Ele te priva do encontro com seus defeitos e suas virtudes, não te deixa reconhecer suas falhas e assim te impede de crescer e ser um adulto pleno, te obrigando a recorrer a distrações e muletas químicas para não cair. Mesmo com essas muletas a maioria cai. Existe uma diferença muito grande entre fazer uma concessão e fazer um sacrifício, diferença que depende do grau de capacidade de cada um. Joshua fez uma concessão imensa, mas tenha certeza de que para Ele não foi um sacrifício, como não foi para Moisés reunir e guiar nosso povo. Jeovah não nos exige sacrifícios, Ele não é sádico, exige as concessões que cada um é capaz de oferecer, no momento em que se fizerem necessárias e só. Em breve você estará entrando na vida adulta, será o momento de fazer as suas concessões, porque terá que fazer escolhas graves pelo resto da vida. Faz parte de ser adulto não só no judaísmo, mas em qualquer parte e religião (ou falta dela) no mundo. É abrindo mão da casca vazia que Ele nos dá a fruta nova.
Pensem bem, crianças. Facilidade é um luxo para quem está em plenas condições de enfrentar o mundo, ela pode atrofiar sua força de vontade e te deixar à mercê de qualquer sedutor.
Pensem bem, todos vocês. Daqui até o dia em que terão que arcar com a vida adulta, vocês têm bastante tempo, podem pensar com calma, contar com a ajuda de seus pais e sua comunidade. Aproveitem enquanto podem se dar esse luxo, não desperdicem sua juventude tentando seguir a alegria alheia. O do alheio não serve para vocês.
2 comentários:
Boa tarde Amigo querido,
Mas que post Nanael!!!
Tu não avalias o tesouro que escrevestes para quem é pai e mãe nos dias actuais !!
Meu miúdo precisa ler isso. Eu copiei o texto amigo, p/imprimí-lo. É óbvio que o fiz apenas p/ leitura junto a nosso filho.
Espero que não te importes !
Dois pontos que mais impactaram-me à reflexão foram estes:
1- "É abrindo mão da casca vazia que Ele nos dá a fruta nova".
E também esta outra mensagem maravilhosa:
2- "Pensem na felicidade como uma respiração. Ninguém vai respirar por vocês, é algo que precisam fazer por conta própria e o tempo todo. Se páram de se esforçar, a respiração cessa".
Nanael, como sempre tu vais certeiro ao ponto de teus temas.
Eu vou ler e reler com Carlos este texto, para podermos explicar a nosso miúdo tudo isto.
"Tudo"..., não é um texto longo por certo, mas para miúdos é.
Contudo, tu sabiamente sintetizastes as reflexões e angústias que nós pais, temos hoje em dia.
Sobre as "facilidades fúteis, rápidas e prazeirosas do mundo moderno.
E só aprenderão a separar o joio do trigo, aqueles jovens como os filhos de Esther.
Que esta juventude aprenda com nossa orientação e a Dele: o mundo não é escola, ele é cobrança e luta. A escola começa antes de tudo em casa !!
Parabéns amigo querido !!
Um abençoado FDS para Ti !!
Com todo o Carinho e Aromas de Rosas...
Lilly Rose
Pode copiar à vontade. Escrevo aqui para disseminar minhas idéias.
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