06/07/2011

Coréia e Japão na Vigilância Sanitária

Eles estão invadindo nossa praia!!!

Hoje, pouco mais de uma hora antes de findar meu expediente, apareceram um coreano e um japonês na recepção da minha divisão. O coreano, que se defende o bastante para não morrer de fome em português, serviu de intérprete e conversou com uma de nossas fiscais. Por causa do horário, só restava ela e o turno seguinte tardaria duas horas e meia.

Me espantou e agradou a conduta e a postura dos amigos. O comum é o sujeito fazer-se de machão para intimidar os funcionários e conseguir dar jeitinhos, o que conosco não dá certo. Quando chega alguém de outros Estados, especialmente se conhecerem alguém em Goiânia, é tristemente normal se recusar a seguir os trâmites normais como todo mundo, alegar que "de onde eu vim não tem dessas frescura não!", ameaçar com "Vou falar com o Secretário (ou vereador, ou deputado, ou o raio que o parta) e amanhã tá todo mundo no olho da rua! Eu sou amigo do prefeito, jogo futebol com a base aliada, tenho amigos em Brasília, ah, eu tô maluco!" e outras bravatas que nos tiram do sério.
Os estrangeiros, pelo contrário, ficaram atentos às explicações da nossa colega, perguntaram em detalhes o que precisavam saber, embora indústria e importação de medicamentos não seja a especialidade dela e tenha precisado encaminhá-los para o turno da tarde.

O tom de voz de ambos, e o japonês anotando (em inglês) tudo o que o amigo traduzia, demonstraram uma civilidade rara de se ver entre os empresários(?) brasileiros. Ao contrário do que me acostumei a ver, o tom da conversa entrou nas raias da cordialidade, mesmo as dúvidas não tendo sido totalmente sanadas, e mesmo assim as exigências legais citadas serem muitas. Mesmo sem entender patavinas, pude ouvir com clareza cada sílaba que o japonês dizia, tamanha a clareza de sua pronúncia.

Para constar, eles querem abrir em Goiânia uma importadora de medicamentos e uma fábrica de drogas contra o câncer de mama. Vocês não imaginam o vulto de investimentos que isso demanda!
Não só à colega, mas a boa educação e sorrisos aos contribuintes foi de envergonhar, pelo que nossas atendentes estão acostumadas a enfrentar. O corredor entre as cadeiras e o balcão de atendimento é muito estreito, mesmo assim as pessoas costumam se deitar naquelas e interditar a passagem com as pernas, especialmente os garotões. Nossos visitantes, pelo contrário, se ativeram ao espaço que cabia a cada um e estavam atentos ao ambiente, para dar passagem sem que precisássemos pedir, sempre sorrindo.

O episódio fez-me lembrar de um texto (este) que fiz há um ano, e do avanço rápido com que os orientais estão tomando o mercado nacional. Eles vieram sozinhos de São Paulo, aparentemente sem conhecer ninguém em terras áridas do planalto central. Nenhuma pompa, nenhuma comitiva, nem mesmo uma secretária à tira-colo, não deixando aparentar os recursos vultuosos que estão para trazer à cidade. Uma importadora e distribuidora de medicamentos é muito cara de se abrir e manter, uma fábrica de medicamentos - ainda mais contra um câncer - é mais cara ainda. São productos delicados, muito reativos, que se estragam com grande facilidade e podem dar grandes prejuízos por qualquer descuido
Por isso mesmo acredito que muita gente também será trazida de Coréia e Japão, porque entre nós falta capacitação, nossos cursos são majoritariamente meras palestras prolongadas com diploma de conclusão. Vocês já viram como nossos chapas carregam caixas de medicamentos? Digo "chapas" porque a avareza de nosso empresariado o faz empregar gente tirada directo da construção civil, sem nenhum treinamento, e os remédios acabam sendo tratados como tijolos ou sacos de cimento, levando pancada para encaixar na pilha mal feita. Aliás, esse xarope aí não está com um gosto estranho?

Será uma lição muito bem dada, quando patrões acordarem e se virem recebendo ordens de um extremo oriental, talvez muitos peões fiquem sem emprego até aprenderem a tratar tijolos com a delicadeza com que se deve tratar uma caixa de ampolas, sem com isso perderem tempo e productividade. Será uma transição dura e dolorosa, mas já disse e repito que é nessa gente que está invadindo nossas terras que deposito as esperanças ora órfãs. É um choque necessário à nossa civilização capenga.

Por que eu, tanto admirando as virtudes orientais, não me mudo para o Japão? Porque eu pago em impostos muito mais do que recebo do Estado, então tenho o direito de criticar com conteúdo o quanto eu quiser.

Eles estão invadindo nossa praia, entrando silentes pela porta da frente e a maioria de nós ainda não se deu conta. Quando o brasileiro acordar, as charges dos jornais incluirão rotineiramente os leitores de ideogramas, e os cursos de japonês, coreano e mandarim serão tão comuns quanto os de inglês. Só os estrangeiros estão sabendo aproveitar o bom momento macroeconômico do Brasil, em vez de simplesmente choramingar pela perversidade do governo.

O Ultraje a Rigor (esses doidos aqui) já dizia a um quarto de século, e hoje os novos imigrantes estão cumprindo a profecia roqueira:

2 comentários:

irene disse...

Cada vez admiro mais você, meu amigo.
Apoio sua firmeza e altivez ao criticar toda essa nossa estupidez, tão visível a quem tem olhos pra cer e se importa.
Grande abraço.

irene disse...

Cada vez admiro mais você, meu amigo.
Apoio a firmeza e altivez ao criticar toda nossa estupidez, tão visível a quem tem olhos pra ver e se importa.
Grande abraço.