04/03/2011

C.A-Cabos Anônimos

Este texto foi escrito com base  no direito inalienável do leitor, que pode sugerir, pedir, suspirar, dar indirectas ou mesmo avisar que um tema é importante e merece ser tratado aqui. Embora me dê o direito de apagar comentários de panacas que se acham engraçados, ou de revoltados sem causa, também me permito fazer este mimo aos leitores normais... Se é que tenho algum assim. Advirto que a ficção aqui descrita é fiél à realidade. Não existe um "Cabos Anônimos", mas relatos que ouço desde criança (faz teeeempo) coincidem com o texto abaixo. Que sirva de alerta aos leitores; Eleições são a lã com que os lobos políticos se vestem para chegar às suas presas.

Este tópico foi abordado a pedido da leitora Bagda, que não se esqueceu daqueles chatos de galocha que somem depois de Outubro, mas só da cena pública. Continuam sentindo fome e sono como todo mundo. Algumas passagens são reais e os nomes foram alterados para proteger as pessoas.

A sala estava cheia. Todos, à excessão da equipe de apoio, estavam chorosos, alguns salvos por um fio do suicídio, um deles por vias cruéis; overdose de reality show. A sessão do Cabos Anônimos começava com a chuva a tamborilar no telhado daquele casebre sem forro...

- Amigos, boa noite. É com grande alegria que trago notícias de que seis de nossos membros estão curados. Nas últimas eleições eles não acreditaram em ninguém, não deixaram seus empregos, não assumiram dívidas e não saíram de casa para trabalhar de graça para nenhum político. Hoje estão todos bem colocados em bons empregos, dois deles reabriram seus negócios e estão prosperando.
Entretanto, temos alguns companheiros que não conseguem se desvencilhar das promessas reincidentes e vazias dos salafrários, que se aproveitam da boa fé e do desespero alheio para se darem bem, e depois virarem as costas como se nunca os tivessem visto em suas vidas podres. Peço ao membro recém-chegado que preste bem atenção, para que nunca mais volte a depositar esperanças em falsos estadistas. Deposite-as em você e ninguém mais. Pode falar, Margareth.

- Eu tinha um bom negócio. Era uma lan house e locadora, na José Hermano, aqui mesmo em Campinas. Eu não pensava em ser cabo eleitoral de ninguém, já que ninguém nunca tinha aparecido pra me ajudar a começar e tocar meu negócio. O vereador Breno Padilha já foi meu vizinho, quando era pobre. Depois que se envolveu com política, virou outra pessoa, passou a só aparecer em época de eleições. Eu achava que, conhecendo a peça, estava imune e não precisava me preocupar.
Pra não delongar vou à parte que interessa. Ele descobriu que eu tinha carisma e algum prestígio no bairro, e que minha casa ficava em um lugar estratégico, de fácil acesso para Goiânia inteira. Como vantagens pessoais não me interessam, a lábia dele foi a de virar deputado pra poder pressionar a prefeitura e dar à Campinas o "tratamento que o berço da capital merece", nas palavras dele. Meus parentes gostam dele, então não podia simplesmente expulsar ele de casa, ele ajeitou para sempre aparecer quando eu estava em casa. com a insistência eu acabei cedendo.
Ele foi me envolvendo com aquela conversa bairrista, quando me dei conta tinha virado uma militante da causa campineira. Sonhava com a volta da vida tranqüila e segura que este bairro já teve, antes da invasão do comércio e dos congestionamentos.
Negligenciei meu negócio, vendi um carro, ele prometeu me ressarcir assim que fosse eleito e todo mundo ao meu redor incentivando... Meu negócio faliu. Tive que vender o outro carro e quase perco minha casa. O vagabundo foi eleito deputado estadual e me virou a cara. Quando fui cobrar, ele colocou os capangas pra cima de mim e ameaçou mandar me prender.
Hoje estou desempregada, vivendo de biscates. Desliguei a maior parte da instalação eléctrica da minha casa, isolei os banheiros das suítes e cancelei um monte de serviços que eu podia pagar antes, tirei meus filhos da escola particular e nunca mais comemos uma pizza sequer. E todo mundo põe a culpa em mim, fala que eu é que fui incompetente, que ele não me prometeu nada. Em parte eles têm razão, eu deveria ter comprado essa inimizade quando podia bancar a briga, ter dado uma surra em todo mundo em casa e proibido o cachorro... O desgraçado de chegar perto da minha família...

É amparada enquanto chora convulsivamente, se lembrando dos planos que tinha e dos sonhos que viraram santinhos. Os depoimentos se sucedem e os participantes notam um padrão em quase todos eles, como a sedução pelo carisma ou pela proximidade pessoal...

- Agora vamos ouvir o caso da Francisca. Ele teve mais sorte, está de mudança para Ribeirão Preto, em São Paulo, onde conseguimos para ela uma oportunidade de recomeçar sua vida. Mas como tudo o que falamos aqui, este é um semi-segredo que não deve chegar a ouvidos de não-membros...

- Eu caí pela enésima - e última, se Deus quiser - vez na conversa de um primo. Saí de um emprego de técnica em informática porque a agenda da campanha não comportava duas actividades. Trabalhei feito uma escrava, fiscalizando os outros cabos, providenciando refeição, servindo de relações públicas, ouvindo piadinha machista de cafajeste durante a campanha. Tinha vez que eu nem ia dormir, de tão tarde que tudo terminava, porque no dia seguinte tinha que voltar pro batente. Transformei a casa da minha família em quase um comitê, pra apoiar a candidatura. O nosso candidato ganhou, mas pra minha desgraça teve segundo turno pro executivo. Aí não teve jeito, eu tive que deixar de vez o emprego, com a promessa de uma colocação.
Perdi mais de dez quilos, me matando, fazendo de tudo pra eleger o candidato dele. Tudo mesmo. Teve até gante do outro candidato vigiando a casa da minha mãe, e ela com medo de algum irmão meu ser agredido.
Ele ganhou. Eu perdi.
Acabando as eleições, esse primo pediu pra dar um tempo, mas falou que eu podia me matricular numa faculdade particular, garantiu que eu ia ter ajuda pra isso. O tempo passou e nada, nem um merréis nem pro ônibus. Aliás, ônibus não, pau-de-arara que é o que Goiânia tem. Quando era campanha todo mundo me bajulava, depois que acabou ninguém me conhece. Dei tudo de mim e ninguém acha que me deve nada.
Como não tenho telephone fixo em casa, a referência que dou é o da minha família. Hoje todo dia alguém liga pra lá, pra fazer cobrança. É o colégio que nunca mais pude pagar, prestação atrasada, é a faculdade cobrando mensalidade, o meu irmão já perdeu a paciência e começou a ser grosso pra ver se eles param de ligar. Eu não tenho como pagar, e a dívida está no meu nome, não no nome dos candidatos que eu ajudei a eleger. Só quem tá na minha pele sabe o que eu tô passando.
Mas tudo isso vai ficar pra trás. Minha mãe pensa que eu vou pra casa duma amiga, passar férias. Quando eu estiver lá, estabelecida e com o primeiro salário na mão, é que vou ligar e avisar que só volto de férias pra Goiânia. Minha vida aqui acabou. Mas eu deixei de ser otária e agora vou pra uma cidade onde ninguém me conhece, onde ninguém vai me pedir ajuda, onde vou poder jogar tomate podre em quem vier me pedir apoio político. Só quem me conhece lá é o presidente do C.A da cidade, onde vou dar meu testemunho e avisar pra quem quiser ouvir: Só trabalhe de cabo eleitoral com carteira assinada, senão você se fode todo e todo mundo põe a culpa em você.

- Boa colocação, Chica. Trabalhar em eleições, só com direitos trabalhistas assegurados. Nós te desejamos boa sorte. Sentiremos sua falta, mas tenho certeza de que você vai colaborar muito com o Cabos Anônimos de Ribeirão Preto. Você com certeza vai ajudar mais pessoas a nunca mais caírem na conversa eleitoral de quem só pensa no próprio umbigo.

Os depoimentos terminam e a presidente local da ong passa para a agenda, os convênios com psicólogos que conseguiram e eventos de confraternização. O novato enxergou alguns de seus erros, que a sensação de culpa não lhe permitia ver. Decide também mudar de endereço, mas se mantendo na cidade. Trocará o número de celular, e-mail, perfil no facebook, enfim, vai sumir das vistas de quem não quer mais ver, nem que o veja.

2 comentários:

Vy disse...

Deixei pra passar só a noitinha porque tinha certeza que meu querido amigo Nanael deixaria seu parecer pelo GRANDE DIA de hoje.
Cadê??? Beijinhos chateados... Vy

Anônimo disse...

nanael vc e muito bonzinho cada um desses cabos estão desenpregados e lascados por isso que mora o senador e seu asessor.

Bagda