03/07/2009

Maiozinho Vermelho

Maiozinho vermelho mora com os pais, no Centro Velho, desde que nasceu. Mas costuma ir visitar a avó em Copacabana. A pedido de sua mãe, e aproveitando que está de férias do trabalho e da faculdade, colocou um de seus maiôs vermelhos, uma camisa branca aberta, uma bermuda florida e foi levar pão de queijo para a avó, que estaria muito deprimida após terminar com o namorado; aquele safado andou passando a mão na sirigaita da vizinha.

Em seu indefectível Fusquinha 1950 vinho, comprado pelo pai quando Fuscas ainda eram baratos e desdenhados, ela leva a cesta de pães-de-queijo pelas ruas da Cidade maravilhosa. Aproveita o sol e mantém o teto solar de lona totalmente aberto.

No sinal fechado, um tiozão num Vectra GTX com rodas de aro 22" a aborda...

- Aí, broto. Quer andar num carro de verdade?

- Não, prefiro o meu de brinquedo.

O sinal vira palmeirense e ela vira a esquina, aproveitando o exibicionismo do Chevrolet cantando pneus. Ele só percebe quando está lá na frente.

Como de hábito, Maiozinho Vermelho foi tirando a roupa aos poucos, dentro do carro mesmo, para já subir ao apartamento da avó no clima de praia. Filha de um Tenente fuzileiro naval e irmã de um Sargento da aeronáutica, está acostumada à disciplina de exercícios físicos e aos bons resultados que eles proporcionam de graça. Estaciona em frente ao condomínio, onde as pessoas já circulam de biquíni, e passa o cartão de acesso na leitora, que libera o portão. Logo se encontra com o porteiro, que encolhe imediatamente a barriga...

- Bom dia, Maiozinho Vermelho.

- Bom dia, seu Lupo. Minha avó já chegou?

- Tá te esssperando. Vai tomar uma corzinha hoje?

- Não, só vou tomar sol pra curtir, pele branca não gosssta de sol.

Encerra a conversa e sobe em seu Jantzen, que não mostra tanto, mas revela e atiça. Os olhos esbugalhados do homem avisavam que ele já começaria a babar. E baba enquanto admira a figura de maiô escarlate de costas, até o elevador chegar. Ela prefere não se virar para não ver.

Deprimida? Mas que nada! A avó brotinho já está de maiô. Manda a neta colocar os quitutes na estufa e desce com ela. Conversando e chiando, como boasss cariocasss, vão encontrando vizinhos pelo corredor. Maiozinho Vermelho é muito popular, principalmente entre os homens. Alguns decidem de sopetão descer para comprar um cigarro, no que são frustrados pelas esposas que decidem acompanhar para ir ao ssshopping.

Chegam à praia e tiram as cangas, que a hora precoce do dia oferece um sol tênue. Maiozinho vai ao primeiro mergulho, já é famosa tanto por seu visual retrô como pela boa forma. Alguns surfissstasss que pegavam um jacaré tentam se exibir e pagam mico. Uivam ao verem a beldade se afastando, para evitar contactos directos. Vai para a avó, que sempre disse e repete...

- Todos os homens são lobos. Uns poucos são confiáveis, mas todos são lobos.

- Tô sabendo, vó. No seu tempo também era assim?

- Mudam as embalagensss, mas o conteúdo é sempre a messsma porcaria.

Enquanto caminham pelo calçadão, um galã de novela as aborda. Rio de Janeiro é como Hollywood, se tropeça em artistas mesmo não se querendo vê-los. Um lobo famoso, mas um lobo que não consegue se disfarçar...

- Esshtou aproveitando este fim de semana, depois terei que viajar para gravar umas cenass na Noruega.

- Putz! Vai morrer de choque térmico!

- Pra isso vou fazer essscala em Blumenau. Mas, gossssstei do seu maiô. É Jantzen?

Este lobo, pelo menos, tem gostos refinados. Agrada mais. Mesmo assim toda a experiência cênica não disfarça os olhares de cobiça e a redução contínua da distância. Melhor dar tchau e continuarem seu passeio matinal. Se lembra dos desenhos de Tex Avery, que explicavam muito bem isto, de modo bem didático: "Chapeuzinho, veja direito, todos os homens são lobos". Sabe que seu pai é um lobo do mar e seu irmão um lobo alado. Só que são casados com lobas faixas-pretas em pau-de-macarrão-dô. Eles preferem voltar desarmados para o Haiti a enfrentar as esposas. Maiozinho sabe, no fundo, que acabará encontrando um lobo também. Mas ao contrário da avó, que se casou aos dezesseis anos, e da mãe que se casou aos dezoito, ela exibe sua maturidade juvenilesca aos vinte e um aninhos, dois dos quais passados como cadete da Marinha. Pois eis que surge um rapaz em um MP Lafer dourado, de capota baixa, que se encanta deveras com o que vê. Enquanto a avó tricota com amigas, ela acena para uma corveta, sabe que provavelmente alguém está observando a praia de binóculos e que pode ser um amigo da época de serviço militar. Ela bate continência e o Almirante finalmente a reconhece, bem como vê o sujeito se aproximando e liga para o pai da moça. Ela olha para trás, e o vê. Gosta do que vê, mas lobo bonito continua sendo lobo. O sotaque não desmente, é forasssteiro...

- Bom dia. Desculpe a sinceridade, mas te achei uma prenda muito bonita.

Ela ri, pede desculpas e volta a rir. Não só pelo sotaque e pela cantada, mas porque ele foi directo ao ponto, tchê. Ele espera ela terminar...

- Cara, foi mal. Desculpa aí, mass nunca ninguém falou asssssim comigo.

- Como? O Rio de Janeiro não tem homem para se interessar por uma cabrocha linda como tu?

A avó de Maiozinho e suas amigas páram para ver. Também não acreditam no que ouvem. Ela manda um sinal de mãos como que dizendo "Segura o cara, broto". Manda dar corda para o gaúcho, que aquelas mãos robustas demonstram ser de trabalhador...

- Sou novo por aqui, mas sempre visitei Copacabana e nunca te vi por estas bandas.

- Acho que cê vinha a trabalho, né? É que eu trabalho e esstudo, agora tô de fériasss.

- Então é por isto, tchê! Vejo a praia cheia de gente se estirando ao sol, em pleno horário comercial, como se nada tivessem a fazer, não que seja da minha conta...

Deixa-o falar naquela dicção superssônica dos sulistas. Ele afirma estar ainda mais encantado por ela estudar e trabalhar, então ela dá o "Assume ou vá embora"...

- Sabe cumé, né! Filha de fuzileiro naval com professora linha dura, me colocaram e ao meu irmão pra trabalhar desde cedo, hoje ele é Sargento da aeronáutica.

O clima começa a mudar, ele arregala os olhos e vai mostrar se é ou não lobo que se preze. Todos os outros sumiram, a maioria sem sequer ter visto os dois militares que, aliás, estão quase chegando, mas este...

- Mas que maravilha! Te ensinaram a ser gente desde cedo! Sabe o que a minha mãe fala? Que moças com tu não são feitas em linha de montagem, que por isso mesmo devem ser desposadas assim que são encontradas, senão outro cata. Quer casar comigo?

Silêncio. Súbito e sepulcral silêncio. A praia toda pára para ter certeza de que não ouviu mal. Mas este silêncio é quebrado pelo Opala SS amarelo seis canecos 1977, de onde saem dois milicos enormes, tanto na vertical quanto na horizontal, com caras de caçadores famintos. Eles encontram a moça de olhos tão arregalados quanto costuma deixar os homens, empalidecida, só acordando quando o pai se anuncia...

- Sentido!

Aquela moça de estatura mediana, toda proporcional e bem esculpida, entra em posição de sentido e aguarda ordens.

- À vontade, cadete. Bom dia, rapaz. A quem me dirijo?

Apesar da saudação, o tom de voz é imperativo, mas quem nasceu no campo, pastoreando desde guri, acordando de madrugada para ordenhar, enfrentou enchentes e a luta para reconstruir tudo com a família mais de uma vez, não se assusta. Se tem sua empresa, não foi por presente do papai nem da mamãe, foi a custas de suor, acordar cedo e não ter hora para dormir. Encara...

- Bom dia, Tenente Morsa. Aperta-lhe a mão como homem. Sou Ludovico Schroeder e estou encantado com a maravilhosa educação que deste à tua bela filha. Quero me casar com ela.

- Comé que é?

- Meu bom senhor, uma mulher como tua filha não se encontra a qualquer momento. Pelo pouco que ela me disse e agora estou vendo que é verdade, é a mãe que quero para meus filhos.

Os dois o encaram, para testar a última fibra de resistência e pedem para Maiozinho Vermelho ir ter com a avó, que aquilo agora é com eles. No que chega a professora linha dura em sua motocicleta Amazonas e vai ver o que sua mãe lhe contou pelo celular. É pior do que os militares. Mas o rapaz não arreda pé, é lobo, não cachorrinho de madame. Já lhe diziam suas professoras que a adversidade forja o caráter. Chama o rebento para o ultimato...

- Regina, você tem cinco minutos para conversar com ele, aceitar ou não.

Maiozinho Vermelho fica tal qual o maiô, sua, mas nas actuais circunstâncias...

- Cara, tipo, eu aceito. Mas quem manda na casa sou eu.

Namoro? Noivado? Para quê, tchê? É o tempo de o juiz publicar, a igrejinha ser decorada e os parentes virem do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio Verde de Goiás e eles se casam. Lobo que só rosna e lobo que não sonda a presa, ficam com fome.

2 comentários:

Nanael Soubaim disse...

Sohan. Mas tua página não está pronta? Imagine quando estiver, será um estouro.

Newdelia disse...

Oiêee!
De fato mudam-se os tempos, mas os lobos, todos iguais... rsrsrs...
Belo post.
Beijocas