27/12/2006

Miopia pura

Uma empresa deve seguir as leis, ter respeito pelos valores humanos e, no cumprimento destes, atentar para a própria sobrevivência. Discordâncias? Não? Continuemos então. Para sobreviver, deve estar atenta às necessidades do público, oferecer o que ele busca e incentivar novos talentos da área, formando a mais reluzente prata da casa, investir em publicidade e se aproximar da sociedade, dentro de suas possibilidades. Parece lógico? Mesmo? Para muita gente não.

Amigo de donos de bancas de revistas da cidade, vejo-os passando por um drama inusitado. O dono da banca, na verdade, só é dono do ponto, quem diz o que vai ou não expôr para vendas é a distribuidora. Acontece que a distribuidora em questão está fazendo a lição de casa ao contrário. Exemplos:

Revista de automóveis que mais tem demanda: Oficina Mecânica. O que mandam: Hot, que vende pouco; A Oficina chega com dois ou três meses de defasagem, muitas vezes eles pulam números para não "atrasar mais".

Revista de antigomobilismo com maior demanda: Classic Show. Já está com mais de um ano de defasagem e alguns números simplesmente não vieram. Terei que fazer algo que normalmente não faço em solidariedade com as bancas: assinatura.

O que eles mais mandam: revistinhas pornôs, das mais xumbregas, aquelas que o sujeito "usa" uma vez e depois transforma em papel higiênico, tamanha a qualidade do material; Revistinhas de fofoca tão ordinárias e mal feitas, que a maioria não chega a R$ 2,00, e são muitas falando exactamente a mesma coisa, na mesma banca e na mesma prateleira, competindo entre si.
De pouco ou nada adianta o público protestar e pedir as publicações que eles não entregam. Há coisas que preciso pedir do eixo Rio-São Paulo. Ou seja, terei que assinar alguns títulos.

Quem é o mercado que estão negligenciando? Mães e Pais de família (que são os verdadeiros detentores do dinheiro e não seus filhos), hobistas , colecionadores, gente que trabalha e tem poder aquisitivo. Isso não é resultado de pesquisas de alguma agência famosa lá longe e publicada nos programas matutinos, é constactação ao vivo e a cores em hi-fi. Há anos ouço a reclamação dos jornaleiros, de leitores frustrados e gente que viu meu acervo, não sabia que aquilo existia e não tem onde comprar. Notaram? "Não tem onde comprar". Pessoas com dinheiro na mão procuram publicações de seu agrado, tratar na banca mais próxima. Mas a publicação não aparece.

Parece fantasioso? Surreal? Se me contassem eu também custaria a acreditar. Mas a distribuidora em questão não só não atende às demandas de mercado, como jamais fez uma publicidade para incrementar as vendas. Ei, estou falando de propagando regional, não um intervalo inteiro da novela das 20h00 (que há anos não passa nesse horário). O público a que me refiro e que está órfão (não só de revistas) prefere aquelas emissoras menores, mais bem trabalhadas e com mais conteúdo...que cobram mais barato pelo espaço. Essas pessoas estão dispostas a pagar de R$ 10,00 até R$ 20,00 (quando não mais) por uma boa publicação que satisfaça suas necessidades culturais e de informação. Quando digo que existe ou existiu o que elas querem, mas não vem mais para Goiânia, dá até pena de ver suas expressões de descrença. Vejam o contraste: Vender seis ou sete revistas de R$ 10,00 em vez de vinte revistinhas que, muitas vezes, custam menos de R$ 1,00 e rendem menos de R$ 0,25 ao jornaleiro. Sim, é essa a magra margem de lucro de um profissional que vende muito menos do que tem capacidade, não por vontade própria, mas por um capricho de um monopólio. Eu gasto em média R$ 100,00 por mês em revistas, e não sou o maior cliente desse amigo. Imaginem o que ele venderia se tivesse o apoio de que precisa.
Mais: Muita coisa boa e actualizada chega à Brasília, mas não desce para cá.

Mais um contra senso: o tratamento aos profissionais supracitados. Eles têm um único horário fixo para buscar as publicações, todos ao mesmo tempo, não podem dar pitacos sobre o que querem vender, são tratados com descaso pelos funcionários e já ouvi relatos de gente que paga para ser atendida primeiro, mesmo chegando mais tarde. Parece até que estão fazendo um favor em deixá-los trabalhar... Mas já vi isso assegurado em algum lugar... Naquele livrinho cheio de leis que o congresso vota e o presidente sanciona... Ah, sim, a CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Blé! Vai ver eles não conhecem, se tratam a cultura desse jeito!

Recapitulando: Consumidor não tem o que quer comprar, jornaleiro não tem o que precisa vender, então só os dois saem no prejuízo, certo? ER-RA-DO. Se o público não compra, as editoras não vendem, gerando desemprego e reduzindo o padrão de vida de gente talentosa que se vê desestimulada a trabalhar. Ao contrário das revistas que já estamos cansados de ver na tevê, nos jornais e até em outras revistas, é muito difícil fazer uma publicação! Sai caro, principalmente pela carga tributária, já que há muitas etapas e profissionais independentes que emitem nota fiscal. Por isso a maioria das nossas revistas têm poucas páginas, poucos colaboradores e tiragens pequenas.
Em suma, os danos são maiores do que aparentam à primeira vista. A indústria cultural é um entroncamento importante para a economia, o país inteiro perde com esse descaso, pois com certeza não acontece só em Goiânia.
O que fazer? Bem, eu sozinho, berrando aos quatro ventos não vou comover o bolso desses sujeitos, ficarei aphônico e gastarei mais dinheiro com remédios. Em havendo uma onda maciça de reclamações e rejeição ao que querem empurrar, eles se verão obrigados a rever suas diretrizes, se é que têm alguma. Isso vale não só para a cultura, mas para todos os setores da economia. Quem não se sensibiliza com as dificuldades de seus próprios parceiros de trabalho, tem uma mórbida phobia de contrair câncer de bolso.

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