04/09/2020

A cromagem

 

Cadillac 1959, tem mais cromo na grade do que em um carro moderno inteiro

Um texto curtinho e bem antigo que esqueci em meus arquivos.


Revestir metais para preservá-los da corrosão atmosférica é tão importante, que muitos projectos reservam espaços exclusivos para o assunto.

No caso de peças automotivas há dois processos principais, além da pintura: Galvanostegia, que é o revestimento puramente funcional, como a zincagem, e a galvanoplastia, que envolve critérios estéticos. Em ambas os princípios são os mesmos, mergulha-se a peça já preparada em um tanque com um solvente contendo o material do revestimento, aplica-se uma corrente de baixa voltagem e alta amperagem, e em segundos ela estará revestida. É muito rápido. É um processo inverso ao das baterias, onde o ácido ou base (caso das alcalinas) gera corrosão para produzir energia. Uma eletrólise.

Mas a diferença não é só estética, a galvanoplastia é bem mais cara e, muitas vezes, mais durável.

A cromeação é a galvanoplastia mais utilizada nos automóveis ainda hoje. Além da beleza prateada, é um tratamento durável e resistente, desde que bem feito. O Cromo é um metal extremamente duro e bem resistente, capaz de cortar o vidro.

Como se processa, resumidamente:

 

  • A peça é limpa ou decapada, se já tiver algum revestimento;
  • Lavagem e retirada de todo e qualquer foco de gordura ou qualquer impureza;
  • Cobreação, primeiro com solução alcalina, seguida de lavagem, neutralização da base utilizada e então a cobreação ácida. Neste momento o operador aproveita para corrigir qualquer imperfeição que persista, deixando a peça lisa e uniforme;
  • Niquelagem. O processo é o mesmo da cobreação ácida, e em muitos casos é a última etapa, mas o Níquel tem a desvantagem de ser muito macio e se desgastar com facilidade, em relação ao Cromo, por isto nos automóveis vem a etapa seguinte;
  • Cromeação. Repetindo o processo, o operador tem o cálculo de quanto tempo a peça ficará imersa, sob corrente de alta amperagem, o que definirá quanto cromo será depositado e, assim, a espessura da camada;
  • Nova lavagem, com posterior polimento. Embora pareça o fim, a peça deve ser inspecionada meticulosamente, explicarei o porque...

 

Um calcanhar de Aquiles deste processo é a necessidade de um controle de qualidade muito severo. Enquanto uma camada de tinta adere como cola e quase sempre absorve resquícios de poeira e gordura, a galvanostegia não admite nada. Um dedo distraído pode deixar gordura suficiente para produzir um ponto de fragilidade, que com o tempo vai rachar, descascar e adeus grana aplicada na cromeação. Ainda lembrando a dureza do Cromo, um descascado pode causar ferimentos profundos, já fui vítima de um.

Como escolher a cromeadora?

Da mesma forma como se escolhe a maternidade que fará um parto de risco. Deve-se estar atento aos mínimos detalhes, desde a limpeza do ambiente, aos equipamentos disponíveis até a limpeza dos funcionários.

Seguir a regra de que a empresa terá com a sua encomenda o mesmo tratamento que dá às suas instalações. Há ganchos que mantém a peça suspensa na solução que lhe cederá o revestimento, eles precisam estar limpos para não haver contaminação. Não digo “brilhando”, mas sem crostas e sem borras. Em muitas cromeadoras os próprios tanques de eletrólise passam toda a vida útil sem ver água, pode-se fazer idéia do nível de contaminação das peças que saem de lá.

Funcionários sem E.P.Is (equipamento de proteção individual) mostram duas cousas: os mesmos não dão a mínima para a própria segurança e acham que “macheza” os torna à prova de intoxicação; ou o dono da empresa não dá a mínima para seus funcionários e economizaria até na iluminação, se eles não precisassem ver o que estão fazendo. Em ambos os casos, que costumam andar juntos, a empresa não se importa em fazer um serviço porco e acha que a clientela se cativa só pelo preço. Já pensou ter que refazer todos os cromados de um Cadillac 1959?

A fachada não absolve, mas ajuda na imagem da empresa. Ter gente disponível para atender, com um mínimo de conhecimento no ramo, denota a capacitação do pessoal que faz os revestimentos. Ter álbuns ou folhetos com imagens, de boa qualidade, de serviços já feitos avaliza e dá mostras de profissionalismo. Peça para dar uma olhada no andamento dos serviços, uma empresa séria e competente não negará a visita, lhe dará seu E.P.I e mostrará as instalações. Acreditem, a maioria dos trabalhadores da área não é profissionalizada, é gente que memorizou procedimentos básicos e não consegue sair um milímetro daquilo, se acontecer algum problema ele fica na peça. Por que contractam gente sem formação? Porque é muito mais barata e fácil de substituir.

Tente contactar quem já utilizou os serviços da empresa, preferencialmente em automóveis, especialmente antigos, onde a qualidade da cromeação geralmente é melhor. Mas se a empresa for nova, leve uma peça pequena, de pouca responsabilidade, para ver a qualidade, depois use sem dó por alguns meses, ou até aparecer o primeiro defeito, o que vier primeiro.

A capacitação se deve, principalmente, aos cálculos envolvidos, que levam em conta o peso atômico, o número atômico, o equivalente molar, et cetera. Não é para qualquer cabeça, é necessário estar habituado aos cálculos. Um volt a mais é desperdício de energia, porque a voltagem necessária para tirar um átomo de um composto é própria do mesmo, muita tensão só aumenta o risco de curto. Um volt a menos é desperdício de energia, porque ele não sai por menos do que merece, se vai gastar electricidade para não se obter resultado algum. Pode mandar amperagem à vontade, abaixo da voltagem certa, o íon não se torna metal.

Não menos importante: EXIJA O ALVARÁ SANITÁRIO ACTUALIZADO E A AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO EMITIDA PELA ANVISA. O material utilizado é altamente tóxico e precisa ser neutralizado antes do descarte. Ainda não se criou uma cromeação legítima que dispense totalmente as técnicas antigas. Ainda.

O que pode ser cromado?

Se conduzir electricidade, praticamente tudo. Desde um ilhós de roupa até um monobloco inteiro.

Devo lembrar, porém, que a galvanoplastia é uma técnica relativamente cara, inclusive a cromeação, que usa comodidities muito valorizados no mercado financeiro, como o Cobre, Níquel e o próprio Cromo, estes dois muito empregados em aços inoxidáveis, cuja demanda cresce a cada dia. O que justifica a cromeação é a grande resistência ao tempo e às intempéries, o que se comprova em carros nos quais a pintura já era e os cromados permanecem intactos. A não ser que o teu dinheiro esteja sobrando, é salutar analisar se vale à pena comprar o serviço. Na restauração de carros antigos é batata, vale à pena, pois além da originalidade, os componentes antigos foram dimensionados para a cromeação, não dispõe de tratamento sofisticado contra a corrosão. Aliás, é por isto que as fábricas se dão ao luxo de fazer carros com folhas finas de aço, confiam no processo anti-corrosão pelo qual a carroceria passa durante a fabricação. Se vão resistir aos anos de trabalho árduo é outra história, corrosão eles enfrentam bem, desde que não sofram acidentes feios.

Plásticos também se cromeiam, mais freqüentemente o ABS, por ter boa dureza superficial e estabilidade térmica; os plásticos são notórios por dilatarem e encolherem muito com a variação de temperatura, que o digam donos de Volks com painel imitando jacarandá. O ABS tem boa estabilidade e preço razoável, mas não é muito resistente, eu incluiria o PVC (sim, aquele dos tubos) por também ter boa estabilidade dimensional, e ser muito resistente, permitindo até usos estruturais, além de não ser tão liso quanto o ABS, facilitando a adesão de uma película condutora que permitirá a cromeação. Além do mais, o PVC é 57% feito de cloro da água do mar, é melhor até no contexto ecológico. Cito o exemplo porque a grande maioria afirma que somente o ABS poderia ser cromado com um mínimo de qualidade, mas a prática me mostrou o contrário, basta uma camada de grafite de lápis, daquelas manchas chatas que só saem com água e sabão, para o Cobre aderir e por aí vai.

Cuidados;

Quase todos os cuidados necessários à conservação da pintura do carro devem ser aplicados aos cromados. Não usar esponja de aço, não usar ácidos nem bases que muitos vedem sem registro na ANVISA, não usar qualquer abrasivo. Mas pode ser deixado ao sol e à chuva sem problema, ele é insensível ao tempo. Uma curiosidade, é que o ácido sulfúrico corrói rapidamente um cromado, ao passo que o clorídrico, popular ácido muriático, muito mais reativo, o corrói lentamente. Lave o cromado com água e sabão neutro, usando uma esponja macia. Cromados são electrodeposições de um metal de alta dureza, não pinturas brilhantes, se riscar é muito difícil consertar só a área atingida. Pode-se usar cera automotiva com silicone, cera de carnaúba, mas fique longe de productos que são vendidos por aí sem rótulos claros e bem escritos em português.

O que há de novo?

Existem no mercado algumas tintas que prometem imitar com perfeição o cromo, algumas são mais honestas e prometem a partir de 70% do brilho do cromado. Sabe aqueles brinquedos com aspecto de cromado? Eles usam a tinta mais barata, sem muitos cuidados e, claro, rapidamente perdem o brilho.

As tintas boas são caras, bem menos que a cromeação por Cromo hexavalente (a cromeação clássica), mas ainda assim são caras em relação às tintas metálicas comuns. Têm boa durabilidade, brilho muito próximo ao do Cromo e dispensam a parafernália necessária ao controle de toda a química perigosa de uma cromeação eletrolítica. Prometem uma pintura dura e resistente, de onde imagino que há cromo na composição das melhores. A Bugatti usa uma assim.

Há técnicas de metalização que permitem colorir o revestimento, dando um efeito que as tintas metálicas não conseguem e permitindo uma composição sem par com vernizes metacromáticos (efeito camaleão) e flocados. Mas é conversa para customizadores e afins.

Não seria mais fácil derreter o cromo sobre a peça?

Levando em conta que os melhores aços-carbono se fundem antes de 1400 °C e o Cromo não antes de 1900 °C, não, não seria uma boa idéia. Ainda que se usasse um metal com ponto de fusão mais alto como Molibdênio, Vanádio ou Tungstênio, que são altamente resistentes à corrosão e não precisariam ser cromados, o revestimento ficaria com espessuras bastante desiguais. Dependendo do formato e das dimensões da peça, ficaria uma caca sem tamanho. Revestimento por fusão é muito bom para chocolates, não para metais... Talvez em uma ourivesaria.

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