19/09/2012

Cultura difícil, voto fácil


O Cine Belas Artes já era, como alertei aqui. Por ter entrado declaradamente de cabeça na campanha em seu favor, fui chamado de comunista por uns e de pelego imperialista, por outros. Desnecessário dizer que nenhum deles me conhece. Um deve ter lido "sociedade" e o outro "filmes clássicos" para terem destilado sua ira ideopata.
Não bastasse essa perda inestimável, agora estamos perdendo também um acervo antigomobilista inestimável.

Com o lema "cultura difícil, voto fácil", o Estado deixa entidades sem qualquer fim lucrativo abandonadas, por mais valiosos que sejam seus serviços culturais à comunidade, como o Gustav Ritter (aqui) e o Museu do Carro Antigo de Brasília, que há anos vive o drama de ter seu acervo jogado ao relento.

Não, meus amigos, antigomobilismo não é cousa de rico, conforme expliquei neste texto aqui, ou o museu não estaria nesta situação. Da mesma forma como muita gente torra fortunas em souvenires de times de futebol, mesmo que precise se endividar, a maioria dos antigomobilistas sua para manter seu acervo, quase sempre de um carro só.

Para quem gosta de história, sem "era uma vez", o antigomobilismo é um prato cheio e saboroso, porque um automóvel é o fiél retrato da sociedade que o comprou. Quem se dispuser a analisar os Cadillac dos anos cinqüenta, compreenderá totalmente a sociedade americana dos anos dourados. Apesar de tudo, queridos, eles foram dourados sim, inclusive com o início do fim da segregação racial... e o auge das pin-ups.

De outro lado, quem estudar com afinco o Aero Willys e o comparar com um Bel Air da mesma época, vai entender claramente a enooooorme distância, em todas as áreas, que separa o Brasil de um país realmente desenvolvido, bem como os motivos dessa distância. Aqui, então, o estudante atento compreende também geographia e sociologia, desfazendo mitos e mentiras... compreendem agora o medo do governo brasileiro, e seu afã para manter a cultura da cintura para baixo?

Ao contrário do senso comum, dá para se comprar um Ford A Phaeton 1929, em boas condições, por menos de cinqüenta mil reais, sem sofrer para mantê-lo e sem medo de utilizá-lo no cotidiano, porque ele acompanha o trânsito com desenvoltura. E ao contrário dos entretenimentos de baixo ventre, as estrelas do antigomobilismo, como o lendário e simpático Og Pozzoli, não dão péssimos exemplos aos seus fãs e seguidores, porque antigomobilismo, como toda a memorabilia, é uma actividade cultural eminentemente familiar, para se aproveitar com quem se gosta, não somente com quem é da turma.

Aliás, a briga entre opaleiros e veoiteiros só rende piada, jamais ofensas, brigas e muito menos agressões. Alguém aí ouviu falar de uma Torcida Organizada Fusqueiros do Capeta, ter ateado fogo a uma coleção de Fiat 147 com os donos dentro?

Vamos ser realistas, leitori, estamos vivendo o pior de dois mundos no Brasil contemporâneo. Temos que tirar de nossos bolsos, se quisermos ter cultura não manipulada, como o antigomobilismo e memorabilismo. Mesmo o memorabilista mais frugal, já precisa cogitar acumular fortuna, para que no futuro não precise temer que o acervo do clube seja despejado, por descaso governamental. Não preciso lembrar que oferecer cultura, pela constituição, é dever do Estado. infelizmente o relativismo compulsivo, permite que se debata eternamente o que é ou não cultura, em vez de simplesmente fomentar o que dá resultados benéficos.

Quem tem carro, sabe da quantidade de empregos que ele dá; frentista, borracheiro, mecânico, funileiro, pedágio, detran, flanelinha, estacionamento, drive-in, revistas, jornalistas, acessórios, et cétera. Afirmo, caros, que um carro antigo, mesmo sendo incomparávelmente mais robusto, oferece muito mais empregos, faz a economia girar na mesma proporção de sua durabilidade. Imaginem quanta gente fica feliz em ver um Fordeco andando pelas ruas. Imagine quanta gente fica feliz em saber que aquele Fordeco lhe ajuda no sustento da família. Imagine quanta gente fica feliz com as lições, conhecimento e sabedoria que aquele Fordeco oferece. Imaginem quantos politipatas querem ver aquele Fordeco virar latas de conserva.

Sim, amigos, é uma época horrível, principalmente porque tem tudo para ser maravilhosa; mas não é. Eu apelo ai leitori deste blog, sei que tenho pelo menos setenta, que cuidem pessoalmente de suas opções culturais, não esperem um centavo sequer de ajuda externa, para não correrem o risco de escândalos como o da Ulbra, lhe tirarem o chão. Em qualquer país sério, o episódio teria rendido farta cobertura da imprensa e punição exemplar, com ressarcimento à cultura regional.

Unam-se, façam suas agremiações, seus clubes, suas entidades de preservação cultural e histórica, mesmo que o tema seja sobre as clássicas e hoje raras figurinhas do chiclete Ploc. De minha parte, continuo divulgando pela preservação de nossa memória, por mais que tentem apagá-la, e por mais que tentem me intimidar com comentários torpes.

Antigomobismo e memorabilia são entretenimentos sadios,  geradores de progresso, de cultura, de empregos bem pagos, de coesão social e tudo mais que muita gente não quer para o Brasil.





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