04/06/2011

De Cher com amor


Um casamento dá certo não necessáriamente pela sua durabilidade, pois sabe-se lá que amarras podem obrigar duas pessoas a se tolerarem, como regras hipócritas e coação social. Há casamentos, porém, que resistem ao divórcio. Casais que continuam se amando mesmo quando não dividem mais a cama e o sobrenome.

A amizade muitas vezes é o que sustenta um casamento, depois de alguns anos. A amizade entre Cher e Sonny sustentou seu matrimônio quando o casamento acabou.  Durou dez anos e as pessoas acreditavam que fosse piada de mau gosto, quando os jornais anunciaram o fim. O que acontece no íntimo de um casal, só o casal conhece. Eles começaram a carreira em dupla com "I got you babe", que chegou ao topo das paradas em 1965, gerando uma carreira profícua e sólida, com canções que fizeram a diferença na época, e fazem ainda hoje. Se separaram maritalmente em 1974. Aos que se perguntam porque um casal que se ama tanto se separa, digo que o casamento é uma instituição utilitária, nem todos precisam dele pelo resto da vida. Como com Elizabeth Montgomery, o casamento deles cumpriu bem seu papel e saiu de cena quando já era desnecessário. Mas o matrimônio continuava mais forte a cada dia. Cher continuou crescendo como diva, em sua carreira ainda vigorosa, com um repertório bem vasto.

Duas pessoas podem se amar sem que isto signifique compartilhar orgasmos. Na verdade contam-se nos dedos as pessoas que saem de uma relação sexual felizes, em vez de simplesmente aliviadas pela satisfação de um instinto, ou pressão de "amigos" para ser o garanhão da cidade. Sonny e Cher se amavam tanto que não precisavam trocar fluidos para comprovar isso. Se amavam tanto que não precisavam provar isso a ninguém. Se amavam tanto que, mesmo sem dar a menor pelota para a opinião alheia, seus fãs enxergavam claramente o amor entre os dois, sabiam que estavam felizes assim e, como fãs de verdade, também ficavam felizes com eles.

Cher, muito mais regateira do que Sonny, encampou a luta em defesa dos homossexuais e passou a se vestir em eventos como o show de mulher que ela é, pois "gay" em inglês significa "alegre". Embora escandalizasse grupos desnecessários, transmitia no tranco a alegria que seus pupilos queriam mostrar sem serem molestados por isso. Com o tempo o mote sexual caiu no lugar comum, ela continuou se vestindo como se fosse dormir, em eventos de estrelas, e quem sabe ler entrelinhas percebeu que ela não queria escandalizar cousa nenhuma. Seu comportamento acabou abrindo brechas para a tolerância.

A alegria explícita, porém, recebeu um trauma duro e pesado em 1998. Sonny morreu. Ele já se casara mais duas vezes e deixava uma viúva inconsolada... Uma? Não, duas viúvas inconsoladas. Mas uma delas não é uma mulher normal, uma reles adição às estatísticas populacionais. Cher chorou cantando "Believe" em 1999, falando do casal. Mesmo lançada no último ano, resumiu todo o pouco que valeu à pena nos anos noventa, tornando-se um marco e um advogado da década. O luto de duas famílias era grande o suficiente, queria que o restante do mundo se alegrasse.

Eu conheço casais que foram extremamente felizes e se enquadraram com perfeição no molde clássico. Conheço um casal que mesmo com a partida da mulher, continua casado e ele não tem a mínima vontade de outra relação. Sim eles existem, mas como o casamento gay, o casamento hetero clássico e sem hipocrisias tornou-se crime para a sociedade de extremistas que temos hoje. Cher soube ser amiga de casais clássicos também. Se há algo que aprendeu com Sonny, é que o matrimônio não precisa de um casamento, mas também não é antônimo dele. A tolerância sem hipocrisia tem um peso e uma medida. Cher tem a medida das deusas e o peso dos anjos.

Toda festeira é encrenqueira, eu sei disso muito bem. Mas pessoas de nível moral superior só encrencam por motivos justos, quase sempre em prol de outros. Então vamos deixar para blogueiros invejosos a listagem de defeitos e malfeitos que ela tenha nas costas, eles são mestres em esconder seus males detrás dos alheios. Me reservo o direito de falar e dizer o que há de bom nessa gente que a imprensa faz questão de detratar, apenas para vender notícia. Cher lembra muito minha amiga e sacerdotisa da verdade suprema do Corcel Azul-calcinha, a amiga Luna, que se difere da outra diva por meio metro e alguns milhões de dólares a menos na conta bancária. Não houvesse outro, este seria um motivo para simpatizar com a actriz e cantora.

Não sei dizer a lição que cada um tira daquilo que vive. Eu aprendi a aprender até mesmo lendo gibi do Zé Carioca. Com os cantores dos bons tempos, e eu posso dizer isto porque conheço a diferença abissal, aprendi tanto com seus acertos quanto com seus erros, mas também com o que queriam passar com suas obras. O casamento entre Sonny e Cher é um aprendizado para a vida inteira, porque dura até hoje, quando só um deles ainda suporta as dores e desgostos da vida terrena. Ela ainda tenta ensinar, enfiar nas cabeças duras das crianças enrugadas, que só o amor vale à pena. Não o amor animal, cujos hormônios sustentam e consigo levam embora quando acabam. Não o amor de maionese, onde muitos padres e pastores viajam legal para convencer os casais que "Deus manda pro inferno, há, há, há, há, há" para fazer laços duradouros, mas também sufocantes.

O amor entre Sonny e Cher, este sim vale à pena porque ainda dura e não deu a mínima para a morte de um corpo. Eles ainda se amam e ele quer que ela aproveite o máximo que puder, antes de se reencontrarem. Ela sabe disso e não quer decepcioná-lo. Não vai provocar uma besteira para antecipar e, ironicamente, inviabilizar o reencontro. Quer estar pronta para quanto puder subir aos orbes mais altos e reencontrar seu amor. Porque amor por si ela sabe que seus fãs de verdade também têm, não pode ser egoísta e dar cabo de uma missão que se tornou coletiva quando começou a cantar, em uma roupa que mais parecia um pijama, típico da loucura dos anos sessenta.

Para quem nunca viu, é cantando que os deuses choram.

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