13/12/2008

Só o trabalho produz

Mais uma crise mundial.


Não pensem os mais jovens e desavisados que a de 1929 foi a única antecessora desta. Ao longo da história, o capitalismo teve várias outras, menos abrangentes e mais fáceis de levar com a barriga. Quem não se lembra da quebra da Nasdac? E da última crise imobiliária japonesa? Pois foi justo o ramo imobiliário, mais propenso à especulação, que disparou o cão desse revólver. Fora outras pequenas crises locais, como pequenos tremores que anunciam o terremoto.


O que todas elas têm em comum? A mentira. Não foram blefes, pois blefa quem tem cacife, foram mentiras tão grandes, que as pessoas estavam comprando uma garagenzinha de minibuggy pelo preço de um sobrado de seis aposentos. Claro que logo alguém se deu conta que a garagenzinha não valia o mesmo que o sobrado. Esse alguém decidiu tirar o dinheiro dali e aconselhou um amigo a fazer o mesmo. Normal, corriqueiro. Mas certas pessoas têm muitos amigos, que têm muitos amigos, que têm muitos parentes. Quando estas pessoas decidiram que não adianta esperar cinqüenta anos (estaria vivo até lá?) para trocar sua garagenzinha por um sobrado, até porque o sobrado estaria custando o que vale um palácio, decidiram tirar o dinheiro e aconselhar os outros a fazerem o mesmo. Resultado: Os bancos imobiliários ficaram sem dinheiro até para pagar os salários internos. Por que? Porque eles apostaram que no futuro (que não existe) haveria dinheiro para pagar todo mundo, sem se preocupar de onde esse dinheiro sairia, típico de capitalistas hedonistas.


Ninguém estava trabalhando para cobrir os valores inflacionados pela especulação, pois quem trabalha com gosto desconfia do dinheiro mágico que eles prometem. Bem, se ninguém estava sustentando de verdade tudo aquilo, como aquilo tomou dimensões tamanhas que gerou tanto estrago? Resposta: Mentiras.


Assim como um publicitário, um vendedor deve convencer seu cliente de que está investindo o resultado de seu trabalho em algo que vale à pena. Fácil quando se trata de uma casa onde a família vai morar com conforto e segurança, ou um carro que dará liberdade e novas possibilidades ao comprador. Mas um especulador não vende producto ou serviços, ele vende dinheiro. É uma loteria mal disfarçada, onde não se vê o producto, mesmo os advogados mais tarimbados têm dificuldades em perceber os defeitos do que é oferecido.


Dinheiro é um documento que atesta que seu portador mereceu poder adquirir o equivalente ao valor representado. Não é a nota ou a moeda em si, mas a contribuição para terceiros que o trabalhador deu, que é convertida em valores materialmente tangíveis. Se fossem tentar converter materialmente tudo o que representa um dia de trabalho honesto, não haveria dinheiro para pagar a uma diarista, então escolheram o que seria o mais próximo possível do justo.


Acontece que a especulação não trabalha para gerar dinheiro, ela simplesmente promete dinheiro em troca de dinheiro; ela promete um moto perpétuo. O sujeito compra uma avestruz, fica em casa coçando as partes baixas e vai todo mês pegar uma parcela, após algum tempo todo o dinheiro investido estaria coberto pelas parcelas recebidas e o que viesse seria lucro. Pelo menos a avestruz bota ovos, troca de penas, et cétera. A especulação financeira nem isso dá.


Lembram daquela famigerada pirâmide financeira, que causou alvoroço nos anos 1980 e 1990? É basicamente o mesmo princípio. O incauto é levado a pensar que sempre haverá mais gente para pagar seus dividendos, sem levar em conta que a população mundial é limitada, e que a população mundial capaz de colaborar é ainda mais limitada, e que a população mundial que cai nessa bobagem é muitíssimo mais limitada, graças à Deus. Mas o entusiasmo do aplicador lhe turva a razão, ele faz planos e mais planos, sem imaginar que se isso realmente funcionasse, não haveria mais ninguém trabalhando, portanto ninguém para lhe prestar serviços nem produzir bens que pudesse comprar. A pirâmide foi, e infelizmente ainda é, uma versão mais primitiva da especulação financeira. Só dá realmente certo com os idealizadores e os poucos que se adiantam, e sempre por pouco tempo.


O mundo acabou. Novembro matou toda a civilização que teve início na Revolução Industrial. O capitalismo, se quer subsistir, deve se basear no trabalho e não no valor corroível do dinheiro fácil. Os valores cobrados deverão ser baseados nos custos e não na paixão despertada, esta uma das estratégias mais usadas para atrair investidores. Mas cedo ou tarde as pessoas perceberiam que o que foi oferecido não valia realmente o que era cobrado, ou os descontos e as liquidações jamais existiriam. Tanto melhor que tenha vindo tão rápido, os danos são menores. Aliás, para quem não sabe, a Inflação é uma das filhas prediletas da especulação financeira, com sua irmã Recessão.


O mundo que temos desde este Dezembro, embora ainda tenha os adereços de outrora, não é o mesmo. É novinho em folha, mas está cercado pela sujeira que o mundo velho deixou. Levaremos décadas para limpar tudo, mas nada de jogar o lixo lá fora, agora sabemos que o "lá fora" de nossa casa é o "aqui dentro" de outras pessoas. "Lá fora" não existe.


Quer investir seu dinheirinho para garantir uma velhice segura? Sem problemas. Mas não invista em dinheiro, invista em resultados. Gráphicos e planilhas não são resultados, mesmo o teu estrato bancário pode não ser um resultado. Quem garante que o banco tem liquidez para te pagar o que demonstra? Quer investir onde? Coca Cola? Chevrolet? Agrale? Sony? a barraquinha de cachorro quente da Marlene? Tanto faz, desde que os resultados exigidos não se limitem ao volume de vendas ou ao faturamento, muito menos à bajulação da imprensa em páginas centrais de revistas e espaços de televisão. Tudo isso pode ser facilmente maquiado. Escolha um grupo ou mesmo uma marca só, e trabalhe por ela. Seja um vendedor de sua imagem, ouça as reclamações e sugestões do consumidor, informe-se e repasse a informação, contribua e exija resultados, vá às sedes administrativas e productivas, faça de teu investimento um compromisso e não uma muleta. Ei, a empresa agora é sua também. Trabalhe por ela.


Da mesma forma as firmas terão que mudar muito. Talvez a noção de concorrência que temos deva ser sepultada, pois a causa mortis já foi descoberta. Deixar a concorrência para o comércio, longe da criação e dos testes pode ser o mais racional. Hoje em dia é normal gastar setenta milhões de dólares para lançar um automóvel totalmente novo. Se o valor for parcialmente rateado por seis grande empresas, digamos, desenvolverem uma estrutura básica flexível o bastante para dar origem a vários modelos diferentes, cada uma investe quinze ou desesseis milhões e te oferece um carro bem melhor e mais barato. O resto, então sim, é com as concessionárias. Cada uma oferece o estilo e as configurações típicas da marca, o consumidor fica com a garantia de que terá peças importantes de reposição a preços mais baixos e muito mais fáceis de encontrar. Isto, em muito menor proporção, já é feito. Fiat e GM do Brasil usam o mesmo motor 1.8, que ficou famoso pelo baixo custo de manutenção, baixo a ponto de compensar o consumo. Por que não rodas, pneus, bancos, suspensão, retrovisores, limpadores, trancas?


Cobrar o justo enriquece, não rápido demais, mas enriquece. Enriquecer rápido demais é o que move os ladrões profissionais. Aliás, dinheiro sujo é facilmente lavado na especulação.


Não devemos confiar no mercado, o mercado não existe. O que existe é o grupo de consumidores, que entram e saem do bando a todo momento, e os bandos são irracionais, agem pelo simples instinto de auto preservação, que muitas vezes lhes precipita a morte. Por isso mesmo o "mercado" não é capaz de se auto regular, por isso mesmo vive pedindo ajuda dos Estados (ou seja, o povo, o que trabalha) para se livrar das enrascadas em que se meteu. Mercado auto regulador é um cavalo comandando o coche.


Deve haver alguém do outro lado do monitor, se perguntando porque eu ilustrei o texto com um Fusca. Eu gosto do Fusca, há uma penca de motivos dos quais cito dois: é um carro honesto e representa melhor do que um trator o trabalho. As propagandas dele jamais mostraram absolutamente nada além dele, e foram mais de vinte milhões de unidades sem nenhuma evolução significativa.

3 comentários:

Kristal disse...

Feliz Natal, Nanael !

Newdelia disse...

Oiêee!
Vim desejar a vc e a toda sua família um belíssimo Natal com muita harmonia e fartura e que 2009 seja repleto de coisas boas, muito amor, saúde, grandes realizações e $uce$$o.
Adorei sua companhia este ano e espero tê-la por outros mais.
Beijocas doces no coração.

Nanael Soubaim disse...

(O\_!_/O) Plenitude em vossas vidas, minhas caras.