Somewhere in USA 1940s |
Por problemas técnicos, hoje não
teremos a farta distribuição de links para notícias e vídeos bacanas. Choveu
minimamente, a internet caiu, o técnico veio, colou com cuspe, virou as costas
e foi embora, mal saiu e o cuspe descolou. Então a coleta de informações que a
mídia nacional não faz questão de repassar fica para amanhã, por hoje só o
lamento lúgubre de um quase idoso aborrecido e cheio de coisas para fazer, mas
todas elas dependentes de um ponto minimamente estável e eficiente de internet.
E não, estar impossibilitado de fazer meu trabalho não me poupa de
aborrecimentos, as pessoas sempre encontram um meio de nos fazer sonhar com uma
casa numa montanha em uma ilha particular, só para não ter vizinhos a menos de
dez milhas, preferencialmente contando com um sistema de alarme com um raio de,
pelo menos, cinco milhas, para eu ser alertado de qualquer aproximação, também
poria obstáculos nesse anel de alarme, para obrigar os visitantes a só se
aproximassem por onde eu determinasse, de modo que os pudesse vigiar até o fim
do percurso, mas sem garantias de poderem atracar, ,mas uma vez atracando sem
garantias de poder descer à terra.
Nossa! Mas o Nanael tá ficando
antissocial! Não pode! Precisa se socializar, sair por aí, beber no bar, caçar
briga com os amigos, ouvir música ruim e a repetir no caraoquê, arranjar uma
peguetes para a noite, sei lá…
Eu já ouvi essa conversa mole, só
quem não me conhece para falar uma pataquada
dessas. Se eu quisesse socializar, não teriam a mim faltado
oportunidades, mas o Hanz Grotz que há em mim faria o curitibano médio se sentir
um beijoqueiro de praça pública. Eu quero distância de aglomerações! Multidões
a mim dão gastura, tenho vontade de sair distribuindo socos para abrir caminho
na marra e dar o fora logo! Ir a uma pizzaria ou uma feira de antiguidades vá
lá, são duas coisas que adoro e eu poderia sair facilmente antes de ter
sintomas de asfixia; de uma delas após pagar a conta, é claro. Sim, eu comento
muito de festivais de música em Cabo Verde e dos festejos que hoje começam com
a Oktoberfest, em Blumenau, mas entre gostar de ver a alegria alheia e gostar de
estar na muvuca existe uma distância intergalática! Eu não sou afeito a não
conseguir andar sem me esfregar ou trombar nas pessoas, nisso sou meio japonês
em minhas manias, gosto de privacidade e de respeito para com meu espaço,
qualquer intromissão num raio inferior a um metro me incomoda muito. Em verdade
até toques não autorizados podem me irritar, não importa de quem tenham saído.
Não quero neste texto de
tapa-buracos convencer alguém a preferir um sóbrio e elegante sedã grande, ou
uma útil e civilizada perua familiar full size a um trambolho mal desenhado,
mais pesado do que o necessário e feito para agradar a quem tem medo de ficar
de fora da moda idiota que tomou conta do mundo, só que se não fabricam o que
eu gosto eu não compro, eu nem sabia que isto estava se embrenhando por esses
caminhos, mas vá lá… onde eu estava mesmo? Eu disse que estou ficando velho!
Ah, sim! Eu sei que uma ilha, por pequena e mal localizada que seja, custaria
uma fortuna só para comprar, iriam mais dois montantes iguais para deixá-la
apta ao usufruto, então eu me contentaria com uma boa choupana solitária em um
morro dentro de uma propriedade bem demarcada e bem vigiada, de onde eu poderia
antecipar aproximações, ver a paisagem enquanto trabalho e admirar as evoluções
do lábaro longe das luzes urbanas, vendo a alvorada mais cedo, o poente mais
tarde e as estrelas como aqui eu não consigo ver. Ainda me lembro de como era o
céu sem o bombardeio de luzes aspergidas por uma metrópole.
Calma lá, eu não moraria no meio do
mato bruto, bancando o Tarzan grisalho e desdenhando as tecnologias modernas,
muito pelo contrário! Claro que as visitas admitidas se veriam num túnel do
tempo, tudo o que não fosse ao menos no estilo do pós-guerra até início dos
anos sessenta estaria devidamente guardado, quando fora de uso, mas para por
aí. Eu disse que sairia caro e esse é um dos motivos, eu precisaria de um bom
gerador de pelo menos 25kWh, possivelmente mais de 30kWh, para suprir a
residência e a oficina onde poria meu cabedal para trabalhar. Coisas de todo
tipo sairiam de lá, ainda mais sem vizinhos para reclamar do barulho, como
móveis que se transformam em outras coisas ou se recolhem quando fora de uso,
brinquedos, dioramas, utensílios, até mesmo carros de verdade estariam na
lista. Para tanto eu precisaria desse fornecimento confiável de energia; o que
a rede pública não oferece. Claro, o sistema de comunicação também dependeria
desse gerador. Eu ficaria longe das pessoas, não alienado delas, por mais que
relutasse em aceitar visitas. Uma vez aceitando-as, porém, seriam recebidas com
toda a cortesia que se pode esperar. Preparar os acepipes seria outro capítulo.
Uma vez sozinho, eu teria que munir
a despensa de ingredientes que deveria processar lá mesmo, fosse para preparar
um molho de tomate ou para fazer uma torta espelhada de frutas vermelhas para
os visitantes previamente agendados. Lógico que a torta e talvez biscoitos
sozinhos não bastariam. Café, chá e sucos de frutas cariam parte do festim, mas
para tanto eu precisaria manter temperatura umidade sob controle, para
prolongar a vida útil dos alimentos, ou seja, mais consumo de energia, por
pouco que fosse. Não haveria a granja do Seu Hélio logo na esquina para is
abastecer para o dia, então eu teria que pôr a mão na massa e ela deveria estar
fresca. Sair à cidade quase que só para abastecer a despensa. Claro que
provavelmente eu teria alguns carros antigos, e anos noventa não… é… antigo…
Então precisaria de minha oficina bem suprida, e isso também seria interessante
para as visitas. Peças de tapeçaria e pequenas quantidades de productos
químicos para eventuais reparos seriam necessários, ferramentas sozinhas não
fazem milagres. Mesmo quase nunca saindo da propriedade, eles rodariam e
estariam aptos a pegar a estrada.
Também um jardim. Gosto de jardins.
De preferência um jardim com pomar, para atrair pássaros e borboletas, além de
fornecer mai insumos para a cozinha. Seria uma praça ajardinada ao redor da
casa, talvez com coreto, certamente com vários bancos, munido de flores de
diferentes espécies para que sempre houvesse ao menos um tipo florindo ao longo
do ano, incluindo ipês de todas as cores. Um orquidário seria imperativo, com
as plantas penduradinhas nas árvores, fazendo um mosaico maravilhoso para
alegrar e elevar meus dias, talvez os últimos. As frutíferas garantiriam a
visita e até residência das aves, e elas têm proliferado nos últimos anos. No
meio de toda essa fauna e flora haveria canteiros de hortaliças e ervas, destas
sairiam a maior parte dos chás que eu tomaria todos os dias, como aliás já
faço. Ter o direito adquirido por minha conta de meditar todos os dias em um
jardim grande, repleto de boas energias e com a briza acariciando-me a face,
está no topo de minhas prioridades, infelizmente é quase impossível ter essa
tranqüilidade em uma metrópole. E não, eu não me dou com a falsa prosperidade
de condomínios fechados, não gosto de dar satisfações da minha vida a
absolutamente ninguém. Bob Esponja, cale essa boca!!!!!
Com tamanha liberdade e bons
recursos, algo que eu faria seria uma bela decoração sazonal na entrada da
propriedade, algo que fizesse as pessoas parem por uns instantes e talvez
tirarem photos para suas redes sociais. Em especial o natal, quando eu capricharia
no cenário para fornecer alguns minutos ou horas de sonhos, com a iluminação
pensada para proporcionar a atmosfera mística que a efeméride demanda, e talvez
reacender a brasinha quase apagada daqueles que ainda não tiverem encontrado o
caminho para seus sonhos. Com o fornecimento de energia garantido, a boa
oficina e uma dose de inspiração, figuras móveis dariam o tom em pé de
igualdade com a sinfonia surda das luzes. Talvez, quem sabe, o trenó do Papai
Noel surgindo por entre as árvores, descendo, deixando aos espectadores
presentes simples que eu mesmo teria feito, então sendo erguido e sumindo de
novo por entre as mesmas árvores; não é complicado como parece, tecnicamente só
precisa que o básico seja bem-feito. Sim, eu faria questão de um espetáculo para
alegrar as pessoas. Não, eu recusaria sumariamente e sem maiores explicações
convites para declarações ou entrevistas à imprensa.
Muito provavelmente eu viveria
sozinho esses últimos anos de vida. Não teria medo, não sou materialista,
acredito que ninguém se vai antes da hora, então estaria tranqüilo. Precauções
seriam tomadas para alertar um sistema de saúde, decerto que sim, mas nenhum
receio quanto ao óbito solitário. Além do mais, que diferença faz a quem morre
se há só Deus ou uma multidão ao redor? Isso é apego, eu não tenho mais.
Ficaria bem na minha solidão voluntária, como fico sempre que a consigo, com
visitas esporádicas e nenhuma porcaria de televisor ligado para me aborrecer.
Eu estaria bem.
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