09/10/2024

Operação tapa-buraco - Velho, ranzinza e antissocial

Somewhere in USA 1940s


 

Por problemas técnicos, hoje não teremos a farta distribuição de links para notícias e vídeos bacanas. Choveu minimamente, a internet caiu, o técnico veio, colou com cuspe, virou as costas e foi embora, mal saiu e o cuspe descolou. Então a coleta de informações que a mídia nacional não faz questão de repassar fica para amanhã, por hoje só o lamento lúgubre de um quase idoso aborrecido e cheio de coisas para fazer, mas todas elas dependentes de um ponto minimamente estável e eficiente de internet. E não, estar impossibilitado de fazer meu trabalho não me poupa de aborrecimentos, as pessoas sempre encontram um meio de nos fazer sonhar com uma casa numa montanha em uma ilha particular, só para não ter vizinhos a menos de dez milhas, preferencialmente contando com um sistema de alarme com um raio de, pelo menos, cinco milhas, para eu ser alertado de qualquer aproximação, também poria obstáculos nesse anel de alarme, para obrigar os visitantes a só se aproximassem por onde eu determinasse, de modo que os pudesse vigiar até o fim do percurso, mas sem garantias de poderem atracar, ,mas uma vez atracando sem garantias de poder descer à terra.

 

Nossa! Mas o Nanael tá ficando antissocial! Não pode! Precisa se socializar, sair por aí, beber no bar, caçar briga com os amigos, ouvir música ruim e a repetir no caraoquê, arranjar uma peguetes para a noite, sei lá…

 

Eu já ouvi essa conversa mole, só quem não me conhece para falar uma pataquada  dessas. Se eu quisesse socializar, não teriam a mim faltado oportunidades, mas o Hanz Grotz que há em mim faria o curitibano médio se sentir um beijoqueiro de praça pública. Eu quero distância de aglomerações! Multidões a mim dão gastura, tenho vontade de sair distribuindo socos para abrir caminho na marra e dar o fora logo! Ir a uma pizzaria ou uma feira de antiguidades vá lá, são duas coisas que adoro e eu poderia sair facilmente antes de ter sintomas de asfixia; de uma delas após pagar a conta, é claro. Sim, eu comento muito de festivais de música em Cabo Verde e dos festejos que hoje começam com a Oktoberfest, em Blumenau, mas entre gostar de ver a alegria alheia e gostar de estar na muvuca existe uma distância intergalática! Eu não sou afeito a não conseguir andar sem me esfregar ou trombar nas pessoas, nisso sou meio japonês em minhas manias, gosto de privacidade e de respeito para com meu espaço, qualquer intromissão num raio inferior a um metro me incomoda muito. Em verdade até toques não autorizados podem me irritar, não importa de quem tenham saído.

 

Não quero neste texto de tapa-buracos convencer alguém a preferir um sóbrio e elegante sedã grande, ou uma útil e civilizada perua familiar full size a um trambolho mal desenhado, mais pesado do que o necessário e feito para agradar a quem tem medo de ficar de fora da moda idiota que tomou conta do mundo, só que se não fabricam o que eu gosto eu não compro, eu nem sabia que isto estava se embrenhando por esses caminhos, mas vá lá… onde eu estava mesmo? Eu disse que estou ficando velho! Ah, sim! Eu sei que uma ilha, por pequena e mal localizada que seja, custaria uma fortuna só para comprar, iriam mais dois montantes iguais para deixá-la apta ao usufruto, então eu me contentaria com uma boa choupana solitária em um morro dentro de uma propriedade bem demarcada e bem vigiada, de onde eu poderia antecipar aproximações, ver a paisagem enquanto trabalho e admirar as evoluções do lábaro longe das luzes urbanas, vendo a alvorada mais cedo, o poente mais tarde e as estrelas como aqui eu não consigo ver. Ainda me lembro de como era o céu sem o bombardeio de luzes aspergidas por uma metrópole.

 

Calma lá, eu não moraria no meio do mato bruto, bancando o Tarzan grisalho e desdenhando as tecnologias modernas, muito pelo contrário! Claro que as visitas admitidas se veriam num túnel do tempo, tudo o que não fosse ao menos no estilo do pós-guerra até início dos anos sessenta estaria devidamente guardado, quando fora de uso, mas para por aí. Eu disse que sairia caro e esse é um dos motivos, eu precisaria de um bom gerador de pelo menos 25kWh, possivelmente mais de 30kWh, para suprir a residência e a oficina onde poria meu cabedal para trabalhar. Coisas de todo tipo sairiam de lá, ainda mais sem vizinhos para reclamar do barulho, como móveis que se transformam em outras coisas ou se recolhem quando fora de uso, brinquedos, dioramas, utensílios, até mesmo carros de verdade estariam na lista. Para tanto eu precisaria desse fornecimento confiável de energia; o que a rede pública não oferece. Claro, o sistema de comunicação também dependeria desse gerador. Eu ficaria longe das pessoas, não alienado delas, por mais que relutasse em aceitar visitas. Uma vez aceitando-as, porém, seriam recebidas com toda a cortesia que se pode esperar. Preparar os acepipes seria outro capítulo.

 

Uma vez sozinho, eu teria que munir a despensa de ingredientes que deveria processar lá mesmo, fosse para preparar um molho de tomate ou para fazer uma torta espelhada de frutas vermelhas para os visitantes previamente agendados. Lógico que a torta e talvez biscoitos sozinhos não bastariam. Café, chá e sucos de frutas cariam parte do festim, mas para tanto eu precisaria manter temperatura umidade sob controle, para prolongar a vida útil dos alimentos, ou seja, mais consumo de energia, por pouco que fosse. Não haveria a granja do Seu Hélio logo na esquina para is abastecer para o dia, então eu teria que pôr a mão na massa e ela deveria estar fresca. Sair à cidade quase que só para abastecer a despensa. Claro que provavelmente eu teria alguns carros antigos, e anos noventa não… é… antigo… Então precisaria de minha oficina bem suprida, e isso também seria interessante para as visitas. Peças de tapeçaria e pequenas quantidades de productos químicos para eventuais reparos seriam necessários, ferramentas sozinhas não fazem milagres. Mesmo quase nunca saindo da propriedade, eles rodariam e estariam aptos a pegar a estrada.

 

Também um jardim. Gosto de jardins. De preferência um jardim com pomar, para atrair pássaros e borboletas, além de fornecer mai insumos para a cozinha. Seria uma praça ajardinada ao redor da casa, talvez com coreto, certamente com vários bancos, munido de flores de diferentes espécies para que sempre houvesse ao menos um tipo florindo ao longo do ano, incluindo ipês de todas as cores. Um orquidário seria imperativo, com as plantas penduradinhas nas árvores, fazendo um mosaico maravilhoso para alegrar e elevar meus dias, talvez os últimos. As frutíferas garantiriam a visita e até residência das aves, e elas têm proliferado nos últimos anos. No meio de toda essa fauna e flora haveria canteiros de hortaliças e ervas, destas sairiam a maior parte dos chás que eu tomaria todos os dias, como aliás já faço. Ter o direito adquirido por minha conta de meditar todos os dias em um jardim grande, repleto de boas energias e com a briza acariciando-me a face, está no topo de minhas prioridades, infelizmente é quase impossível ter essa tranqüilidade em uma metrópole. E não, eu não me dou com a falsa prosperidade de condomínios fechados, não gosto de dar satisfações da minha vida a absolutamente ninguém. Bob Esponja, cale essa boca!!!!!

 

Com tamanha liberdade e bons recursos, algo que eu faria seria uma bela decoração sazonal na entrada da propriedade, algo que fizesse as pessoas parem por uns instantes e talvez tirarem photos para suas redes sociais. Em especial o natal, quando eu capricharia no cenário para fornecer alguns minutos ou horas de sonhos, com a iluminação pensada para proporcionar a atmosfera mística que a efeméride demanda, e talvez reacender a brasinha quase apagada daqueles que ainda não tiverem encontrado o caminho para seus sonhos. Com o fornecimento de energia garantido, a boa oficina e uma dose de inspiração, figuras móveis dariam o tom em pé de igualdade com a sinfonia surda das luzes. Talvez, quem sabe, o trenó do Papai Noel surgindo por entre as árvores, descendo, deixando aos espectadores presentes simples que eu mesmo teria feito, então sendo erguido e sumindo de novo por entre as mesmas árvores; não é complicado como parece, tecnicamente só precisa que o básico seja bem-feito. Sim, eu faria questão de um espetáculo para alegrar as pessoas. Não, eu recusaria sumariamente e sem maiores explicações convites para declarações ou entrevistas à imprensa.

 

Muito provavelmente eu viveria sozinho esses últimos anos de vida. Não teria medo, não sou materialista, acredito que ninguém se vai antes da hora, então estaria tranqüilo. Precauções seriam tomadas para alertar um sistema de saúde, decerto que sim, mas nenhum receio quanto ao óbito solitário. Além do mais, que diferença faz a quem morre se há só Deus ou uma multidão ao redor? Isso é apego, eu não tenho mais. Ficaria bem na minha solidão voluntária, como fico sempre que a consigo, com visitas esporádicas e nenhuma porcaria de televisor ligado para me aborrecer. Eu estaria bem.

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