10/10/2015

Jacob e o troll

Agora cai fora, antes que me irrite, troll safado!
  Jacob conversa com colegas sobre o festival de cosplay que estão organizando. Não conseguiram espaço no colégio, mas uma transportadora cedeu o pátio, com isso ficou menos difícil conseguir infraestrutura adequada. Vão estimular pelo bolso, com entrada menor e desconto no comércio interno de quem for caracterizado.

  Por redes sociais já confirmaram uma presença maciça. A fantasia de cada um é a parte mais fácil da empreitada, ele está dividido entre Doutor Estranho e Buck Rogers. Mostra os esboços que fez e um cálculo prévio de quanto custaria cada uma, para os outros também se balizarem. Antes que eles possam ajudar na escolha, aparece um aluno estranho ao grupo que vive trollando os outros na internet...

  - Marvel é merda! Marvel é pra criança! Não vem com mimimi, que DC é muito melhor, é mais sombrio, é pra adulto. É porque é!

  Jacob o fita do ápice à base, com o olhar de desprezo que herdou da mãe e o faz mandar alguém tomar naquele lugar sem precisar abrir a boca...

  - Ninguém te perguntou nada.
  - Mas eu falei, pronto! Todo mundo sabe que Marvel é lixo, é festinha alegrinha! Adulto gosta é de depressão e porrada! Batman é muito mais foda do que qualquer Marvel!
  - Jacob, porque não tenta Harry Potter? Você parece com ele!
  - Por isso mesmo! Não quero o óbvio! E me identifico mais com heróis menos festejados.
  - Ah, ra, ra, ra, ra, ra, ra! Só faltava essa! Vir de Harry Potter! Aí é que a criançada pira! Ah, ra, ra, ra! Vai logo de Banana de Pijama! Ui! Tenho medo do escuro! Não quero nada de triste, senão não durmo...

  O rapaz perde a paciência. Levanta rapidamente a mão direita e lhe acerta a orelha, agarra a nuca e o derruba. Forte, pelos rigores que a mãe sempre impôs aos irmãos, o segura facilmente contra o gramado. Ele protesta, evoca os direitos humanos, a liberdade de expressão e se esquece rapidamente que tolhe os dos outros. Estava tão acostumado a atacar opinião alheia e atrapalhar conversas em caixas de diálogo, que desta vez se esqueceu que não está ao seu computador, trollando os outros em redes sociais, onde faz o que quer e no máximo tem os comentários apagados.

  Agora tem que lidar com gente de verdade, não está em condições de bancar o machão e xingar mãe alheia, até porque sabe o que aquele judeu é capaz de fazer pela sua. Não pode simplesmente clicar em "cancelar respostas", não existe esse botão na vida real. Alguns minutos de luta inútil e ele se acalma. Todos ali têm queixas contra o sujeito e querem esfregar verdades na sua cara debochada, mas ele parece não se importar com os danos que lhe reportam, na verdade demonstra satisfação com isso...

  - E você ainda reclama que é discriminado, se faz de vítima quando apanha e volta a fazer merda...
  - Você é que deveria se fantasiar pra vir pro colégio, mas de homem invisível, pra ninguém ter que agüentar essa sua cara nojenta!
  - Fala aí! Vai querer ser tratado como escroto até a formatura, babaca?

  Ele não tem tempo para ofender os outros, não é como pela internet, onde simplesmente ignora o que já foi postado e escreve o que quer. Começa a se sentir sufocado por não conseguir responder a todos e do jeito a que está acostumado, tampa os ouvidos e sai correndo para a lanchonete. Já eram quinze pessoas que há muito estavam com ele até o pescoço.

  O rapaz volta para casa com o cenho franzido. Desce de banho tomado e é interceptado pela mãe. Não entra em detalhes sórdidos, Esther não precisa deles e não entra em caixas de comentários quando abre o navegador. Ela afaga a cabeça do adolescente...

  - Vocês já tinham tentado outras formas de abordagem, Jacob?
  - Muitas, mamma! Mas quanto mais a gente fala de constrangimento e respeito, mais ele faz troça! Eu não entendo, não existe motivo pra ele fazer isso!
  - Existe sim, Jacob. Ele é vazio, provavelmente a família dele o acostumou desde muito cedo a usar uma armadura para impor respeito, mas se descuidou do corpo que a veste. Ele deve tentar preencher esse vazio sugando a alegria de vocês.
  - Faz sentido, mas mesmo assim foi um episódio tão desagradável...
  - Ele teria entendido outra linguagem?
  - Acho que não.
  - Ele deixaria vocês em paz, se simplesmente o ignorassem?
  - Não, quando é ignorado ele passa a alisar e bater nas pessoas.
  - A direção do colégio já sabia desse comportamento?
  - Já, ele é reincidente, mas tratam tudo genericamente como "discussão de adolescentes".
  - Então, meu filho, você não tinha escolha. E se é tudo "discussão de adolescente" e ele se aproveitava disso, não poderá reclamar das conseqüências. Vocês tentaram todas as vias diplomáticas, esgotaram os argumentos pacíficos e ele só piorava.
  - Acho que consegui um inimigo.
  - Faz parte da vida, meu filho. Os inimigos aparecem, quer você os procure, quer não. Às vezes você não sabe que tem um até ser vítima dele. Não precisa de pretexto, eles inventam um e perseguem só de não ir com a sua cara. Se ele se tornou seu inimigo, não foi pela imobilização em público, ele já acalentava esse rancor de bem antes. Pense bem e tente se lembrar.

  Ele se esforça. Encontra na memória duas ou três ocasiões em que impediu o assédio dele a amigas de turma. Se recosta no sofá e começa a se lembrar de ofensas aparentemente gratuitas, desde então...

  - Não, ele não pode ser tão infantil!
  - Sim, Jacob, ele pode. Provavelmente o pai dele é tão quanto, para relevar esse tipo de comportamento. Meu amado, não se engane, são poucas as famílias que se ocupam em educar e formar seus filhos, em vez de simplesmente dar-lhes o que não tiveram em suas infâncias. É por isso, meu filho, que às vezes eu sou tão dura com vocês. Não generalize os portadores da condição de "pai", porque como o seu não se encontra fácil, são poucos os que ensinam seus filhos a controlar seus impulsos e ajudam a resolver seus problemas. Olha pra mim... Você foi mais paciente do que precisaria, desenrugue essa testa.
  - Tá, mamma. A senhora já tinha dito que as pessoas gostam do mal porque ele sempre te dá razão.
  - Sempre. O mal te faz acreditar que só a sua causa é justa e que só você é bom.
  - Gostam do Darth Vader por ele ser supostamente mau, mas se esquecem que ele se regenerou e se redimiu no último instante e que por isso a trilogia teve aquele final feliz.
  - As pessoas confundem o mal com poder, quando na verdade é apenas falta de escrúpulos.
  - Certo, vou de Darth Vader para esse festival. A senhora vai de?

  Esther ri. Não se imagina fantasiada no meio de um monte de garotos, mas quer prestigiar a primeira empreitada séria dos filhos. Promete que vai pensar em algo, só não esperem que apareça de maiô cavado em público.

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