21/11/2008

Drama; 2 de 3


Angus espera a mãe na sala de espera. Até imagina o que ela tanto conversa com o médico, mas fica agoniado com o passar de quase uma hora. A bengala já é sua companheira de todas as horas. Não tem mais tremores, mas a coordenação motora tornou-se pífia. Consegue se alimentar, tomar banho, arrumar a própria cama, mas a caligraphia bonita e bem desenhada é saudade. Mal consegue escrever.

Laura sai do consultório com o semblante duro, pesado, chama o filho e diz para não fazer perguntas. Na verdade está segurando o choro. Deixa-o com a fisioterapeuta e vai ao pátio interno, desabafar. Uma vizinha com a qual pouco fala a reconhece. Nota claramente a dor no rosto da viúva, que aos poucos chora, passando de lágrimas furtivas ao choro mudo e desesperado. Esther sabe que Angus tem problemas de saúde, mas nunca teve grandes intimidades com aquela mulher em especial, só soube pela amiga em comum Mirtes. Deixa as crianças com as outras voluntárias e vai ter, seu coração de mãe judia tem certeza de que foi algo que o médico disse. Médicos deveriam ter bônus e ônus duplos, para o céu ou para o inferno, pensa. A fortaleza aparente de Laura desmorona rapidamente, ela nem percebe que está sendo amparada, só repetindo quase aphônicamente "vou perder meu filho". Esther também começa a chorar.

Passado o aguaceiro, Esther traz o médico pelo colarinho, literalmente. Deu um sopapo na secretária e em um segurança, mas é cousa à qual está acostumada a fazer pelos próprios filhos. O faz ver o que sua frieza "profissional" causou. "Lamento, mas é quase certo que ele vai morrer logo" é trocado por palavras mais amenas, ainda que na marra, enquanto Leandro é avisado do erro crasso do colega, e quase põe o hospital abaixo. Concorda com a judia que filho é assunto a ser tratado com luvas de pelica, principalmente em casos tão graves. A própria trata de preparar a outra mãe zelosa como acha que deve ser...

- Ouça, talvez o seu anjo tenha que voltar para o céu mais cedo. Aquele paspalho irresponsável não deixou claro que isto é uma possibilidade, não uma certeza. (suspiro) Cuide dele, que nosso bom D'us não pede mais do que isso, mas evite ficar triste e desarrumada. Ele vai ficar tão ou mais triste do que você, vai achar que está atrapalhando e que é o culpado pela sua tristeza. Tô vendo que você é mãe de verdade, que coloca o seu filho à frente de tudo, então faça mais isto por ele. Eu já te vi em épocas em que se arrumava, perdoe a indiscrição, volte a fazê-lo. Ele vai ficar feliz. Ele não merece isso?

Laura confirma com a cabeça. Mas por agora continua precisando do amparo, após o quê é auxiliada na melhoria da aparência. Já que está cor de rosa de tanto chorar e soluçar, lhe empresta uma fita branca para colocar na cabeça, prendendo só os cabelos rentes ao couro, dá um laço muito discreto, um baton cereja-claro e ajeita-lhe a camisa. Agradece e vai buscar Angus, que já é hora. Esther estava certa, os olhos do garoto brilham ao ver a mãe mais leve e bem arrumada.

A lua mingua para balsâmica, neste início de noite, mas desta vez a televisão foi desligada. Laura acompanha o filho àquele treco esquisito com o qual nunca teve intimidades, o computador, manipulando aquela cousa estrambólica com a qual nunca simpatizou, a internet. Só os usa (ou usava até agora) para assuntos sérios, estritamente profissionais ou casos de urgência. Ele lhe mostra seu espaço pessoal na rede, dedicado aos Carpenters. Nunca soube que ele tinha esse gosto para música, sempre esteve ocupada demais tentando dar-lhe um futuro melhor. Na rádio virtual que montou, toca "Crescent Noon". Vê também que ele tem muitos amigos virtuais com espaços isotemáticos. Confessa-lhe...

- Pois o seu pai, no nosso aniversário de namoro, me levou pra ver eles, quando estiveram no Brasil. Conheci os dois. Não sabia que ainda havia gente que gosta deles, faz tanto tempo!

Vai ao seu quarto, pega uma caixa sobre o maleiro e leva ao filho. Lhe dá de presente. Ele abre e o coração dispara, o que poderia ser perigoso se estivesse só. Laura Smaradigma, sua mãe, em várias photografias com seus ídolos. Sabe que é sua mãe, mas não reconhece aquela Laura risonha e marota que mostra língua ao namorado photógrapho, ao lado de Karen Anne, que também faz a careta. Os golpes da vida e a falha dos que deveriam ajudá-la, a encrudeceram pouco a pouco, quase sem perceber. Escaneia imediatamente, publica várias das muitas poses e dá à mãe a senha e os macetes da página. As imagens fazem sucesso rapidamente e ela fica famosa entre os fãs dos irmãos. Muito bonita é o adjetivo mais brando que Laura recebe dos internautas.

Com a aparência restaurada, os galanteadores de cinqüenta centavos logo começam a receber sopapos da mulher, que passa a ajudar Esther e seus filhos no voluntariado, na creche do hospital. Não só pela mudança de atitude, mas a lida com aqueles rebentos a rejuvenesce. Angus ajuda com sua serenidade, pois fisicamente já está incapacitado para tanto.

Continua...

Um comentário:

Patricia Daltro disse...

Tô aqui de novo, acompanhando o drama. Fiquei curiosa com o final, meu lado Pollyanna sempre esperando um final feliz.