Gladys Cooper |
- Não era isso que você queria,
Marcela?
- Era.
- Por que essa cara, então? Passou
a vontade?
- Depois que se morre, não adianta
muito receber medicamentos.
- Credo, que comparação! Você
queria era ter isso, não era?
- Não... Ter isto era um meio de
conseguir o que eu queria.
- E o que te impede de conseguir? Nunca
é tarde!
- Vai me servir de quê agora,
Emília?
- Então não era ter ao menos um
momento de regozijo que você queria?
- Não, não era. Essas coisas não
me importam.
- “Não importam” como? Não te dão
tesão na vida, é isso?
- Não é isso, Emília! Eu nunca
procurei gozo, nunca foi meu foco. Eu sou insensível a esses prazeres, entende?
- “Insensível”?
- Não é por desprezo ou ingratidão
que eu não dou risadas naquelas festas, aquela euforia não me contagia. Eu
volto a cair rapidamente nas minhas elucubrações.
- Você não é velha para ter seu
sonho. Nunca se é!
- Sou para o que eu queria. Eu
queria uma tradição. Não se consegue isso em menos de quarenta anos. O resto
simplesmente não me convém.
- Você está sendo exigente demais.
- Talvez, mas é só o que me serve.
Vocês me apresentaram de tudo até agora, às vezes na marra, só conseguiram
aumentar minha rejeição.
- O que porventura tiver perdido,
pode ser reposto.
- Tempo não pode ser reposto. O
que eu tenho pela frente não basta, não tenho mais o viço e a esperança
necessários.
- Você fala como se não gostasse
de viver.
- Não gosto. Tenho obrigação de
levar isto até o fim e levarei.
- Que triste, Marcela! A maioria
das pessoas brilharia de felicidade em ter essa oportunidade, mas você não
consegue nem enxergá-la!
- Oportunidade para quê, Emília?
Chegar ao portão do palácio e morrer assim que ele se abrir? Desculpe, mas
estão me dando migalhas após consumirem o banquete que preparei.
- Você perdeu o gosto pela vida,
Marcela! Nada mais te alegra!
- Tudo parece ter gosto de pão
velho e mal armazenado. É assim que eu sinto a vida, Emília. Eu não posso
simplesmente fechar os olhos e comer alimento estragado, fingindo que está bom.
Quando ele estava bom, vocês não me permitiram comê-lo.
- Acreditávamos que você gostaria
das outras ofertas.
- Não gostei e não me nutriram.
- O que podemos fazer por você,
então?
- Vocês podem fazer algo?
- Se soubermos, talvez possamos.
- Se souberem, façam. Eu não faço
a mínima idéia.
- Você não é velha.
- Nem jovem.
- Não viveu paixões, aventuras,
não viveu sua mocidade para atenuar essa sensação.
- Eu não fiz caca para os outros
limparem. Acha bonito se destruir a própria vida e a alheia por prazer em
transgredir?
- Não, não é isso! Você não
conseguiu se interessar, já entendemos... O que vai fazer de sua vida?
- Importa?
- Importa.
- Eu não sei. Vou tocar.
- Posso te acompanhar?
- Desde que não me atrapalhe.
- Talvez encontre algo ou alguém.
Um dia você terá sua redenção.
- “Um dia” não existe, “Um dia” é
promessa, promessa é véspera de traição.
- Você não gosta de alimentar
esperanças?
- Não às custas do alheio. As
minhas foram consumidas pela subsistências das suas.
- Eu sempre acreditei que a
esperança fosse a última a morrer.
- E foi.
- Você está viva, Marcela.
- Meu olhar é o de um ser vivo, Emília?
- Por que insiste em me chamar
assim, minha filha?
- Desculpe, mãe... Eu não sei
actuar fora do palco.
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