Sarah chega cansada em casa.
Cansada, mas feliz, com o boleto de comprovação do depósito de seu primeiro
salário. Não que seja necessário, mas entrega metade dele nas mãos de sua
orgulhosa mãe. O sorriso sereno de quem sabe que acertou a mão na educação dos
filhos. O olhar preocupado de quem sabe que isso não os poupa de tristezas...
- Itzhak – diz, sabendo que
não se pode mentir para Esther.
A matriarca manda o mastim
Israel ir brincar lá fora, obedecida de pronto, senta-se com a filha nas
cadeiras vista a vista da varanda e faz a cara de “sou toda ouvidos”. A moçoila
cruza as pernas com a classe e elegância que a mãe lhe ensinou desde a mais
tenra idade e começa...
- Ele está arredio, mamma.
Eu acreditei que conseguiríamos engrenar o namoro, mas ele demonstra ter medo
de se envolver.
- Como o demonstra?
- Quando a questão é
problema, ele entra de cabeça e vai comigo até o fim, mesmo se queimando com
muita gente, ele não tem medo de nada! Quando a questão é boa, ele vai até
certo ponto, começa a se fechar e se retira cabisbaixo.
- É medo, você tem razão.
Conhece a história dele?
- Um pouco.
- Conte o que sabe.
- Ele é depressivo, chegou a
tentar suicídio na adolescência. A família nunca levou isso a sério, ele foi reprimido,
era saco de pancadas de todo mundo e ainda levava a culpa pelos
desentendimentos. Ele é forte, parece agüentar tudo... Tá ficando claro, né?
- Meu D’Us!
- Pelo que conversei com a
psicóloga da firma, ele nunca conseguiu e até hoje tem muita dificuldade em se
expressar. Sabe, ele foi reprimido, parece que era nele que todo mundo se
aliviava, desde criança.
- Você tem praticado os
ensinamentos de enfermagem que te mostrei como transpor para a vida etérea?
- Sempre, mamma, inclusive
com ele.
- Então você vai entender o
que direi. As feridas na alma não são diferentes das carnais, Sarah. Você não
pode pedir que uma pessoa com dores e feridas abertas se comporte com
naturalidade, ela não vai conseguir. Você precisa antes acalmar os nervos,
antes de começar a tratar a doença.
- Tentei, mas ele se
retraiu.
- Tentou como? Pediu que ele
falasse do que o incomodava?
- Estou vendo que posso ter
errado, mas foi basicamente isso mesmo...
- E errou. Falar do que
incomoda, para uma pessoa que sempre foi ferida, é o mesmo que expor os
ferimentos a novas lâminas. Primeiro acalme, depois medique.
- E como eu vou medicar uma
pessoa tão arredia, mamma?
- Ele não precisa saber que
está sendo tratado, só precisa saber que será bem cuidado. Não tente elogiar;
ele vê elogios como subornos para tentar esquecer maus tratos reincidentes, ele com
certeza já recebeu muitos. Vocês já ficaram abraçados e em silêncio?
- Algumas vezes.
- Quietos, só aproveitando
um a companhia do outro? Ele não ficou muito mais cooperativo depois disso?
- “O silêncio é uma
prece”...
- Uma prece, uma poesia e um
remédio.
Sarah medita diante da mãe
vigilante. Ela nota o nítido interesse do rebento pelo colega de trabalho. Os
olhares se cruzam, o sorriso da genitora não esconde o que pensa, ela não
consegue segurar e também sorri...
- Preciso de privacidade
para ele se deixar envolver.
- Traga-o para um fim de
semana. Vocês terão toda a privacidade de que precisarem, mas não se esqueça de
deixar ele retribuir seu carinho, isso é muito importante.
Ela não consegue conter os
risos e o rubor. Esther complementa...
- Não relaxe sua postura,
minha jóia. Ele só confia em você porque o respeita. Aprenda com as lições de
seus pais; Pode faltar dinheiro, pode faltar ânimo, pode faltar até tesão, tudo
isso pode ser reposto; Mas se faltar respeito, terá faltado tudo.
- Faltou a vida inteira, mamma.
Mas eu vou cuidar dele.
- É o que faço com Joseph desde
que o conheci. Do que ele gosta?
- É um pouco saudosista,
gosta de carros dos anos 50.
- Um rabino tem um Bel Air
1952, vamos convidá-lo também.
Combinam. Sarah sobe para seu
banho e Esther começa a planejar a visita do pretenso genro.
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