15/08/2016

Esther e Sarah; fortaleza frágil




Sarah chega cansada em casa. Cansada, mas feliz, com o boleto de comprovação do depósito de seu primeiro salário. Não que seja necessário, mas entrega metade dele nas mãos de sua orgulhosa mãe. O sorriso sereno de quem sabe que acertou a mão na educação dos filhos. O olhar preocupado de quem sabe que isso não os poupa de tristezas...

         - Você não está feliz como deveria, Sarah.

- Itzhak – diz, sabendo que não se pode mentir para Esther.

A matriarca manda o mastim Israel ir brincar lá fora, obedecida de pronto, senta-se com a filha nas cadeiras vista a vista da varanda e faz a cara de “sou toda ouvidos”. A moçoila cruza as pernas com a classe e elegância que a mãe lhe ensinou desde a mais tenra idade e começa...

- Ele está arredio, mamma. Eu acreditei que conseguiríamos engrenar o namoro, mas ele demonstra ter medo de se envolver.

- Como o demonstra?

- Quando a questão é problema, ele entra de cabeça e vai comigo até o fim, mesmo se queimando com muita gente, ele não tem medo de nada! Quando a questão é boa, ele vai até certo ponto, começa a se fechar e se retira cabisbaixo.

- É medo, você tem razão. Conhece a história dele?

- Um pouco.

- Conte o que sabe.

- Ele é depressivo, chegou a tentar suicídio na adolescência. A família nunca levou isso a sério, ele foi reprimido, era saco de pancadas de todo mundo e ainda levava a culpa pelos desentendimentos. Ele é forte, parece agüentar tudo... Tá ficando claro, né?

- Meu D’Us!

- Pelo que conversei com a psicóloga da firma, ele nunca conseguiu e até hoje tem muita dificuldade em se expressar. Sabe, ele foi reprimido, parece que era nele que todo mundo se aliviava, desde criança.

- Você tem praticado os ensinamentos de enfermagem que te mostrei como transpor para a vida etérea?

- Sempre, mamma, inclusive com ele.

- Então você vai entender o que direi. As feridas na alma não são diferentes das carnais, Sarah. Você não pode pedir que uma pessoa com dores e feridas abertas se comporte com naturalidade, ela não vai conseguir. Você precisa antes acalmar os nervos, antes de começar a tratar a doença.

- Tentei, mas ele se retraiu.

- Tentou como? Pediu que ele falasse do que o incomodava?

- Estou vendo que posso ter errado, mas foi basicamente isso mesmo...

- E errou. Falar do que incomoda, para uma pessoa que sempre foi ferida, é o mesmo que expor os ferimentos a novas lâminas. Primeiro acalme, depois medique.

- E como eu vou medicar uma pessoa tão arredia, mamma?

- Ele não precisa saber que está sendo tratado, só precisa saber que será bem cuidado. Não tente elogiar; ele vê elogios como subornos para tentar esquecer maus tratos reincidentes, ele com certeza já recebeu muitos. Vocês já ficaram abraçados e em silêncio?

- Algumas vezes.

- Quietos, só aproveitando um a companhia do outro? Ele não ficou muito mais cooperativo depois disso?

- “O silêncio é uma prece”...

- Uma prece, uma poesia e um remédio.

Sarah medita diante da mãe vigilante. Ela nota o nítido interesse do rebento pelo colega de trabalho. Os olhares se cruzam, o sorriso da genitora não esconde o que pensa, ela não consegue segurar e também sorri...

- Preciso de privacidade para ele se deixar envolver.

- Traga-o para um fim de semana. Vocês terão toda a privacidade de que precisarem, mas não se esqueça de deixar ele retribuir seu carinho, isso é muito importante.

Ela não consegue conter os risos e o rubor. Esther complementa...

- Não relaxe sua postura, minha jóia. Ele só confia em você porque o respeita. Aprenda com as lições de seus pais; Pode faltar dinheiro, pode faltar ânimo, pode faltar até tesão, tudo isso pode ser reposto; Mas se faltar respeito, terá faltado tudo.

- Faltou a vida inteira, mamma. Mas eu vou cuidar dele.

- É o que faço com Joseph desde que o conheci. Do que ele gosta?

- É um pouco saudosista, gosta de carros dos anos 50.

- Um rabino tem um Bel Air 1952, vamos convidá-lo também.

Combinam. Sarah sobe para seu banho e Esther começa a planejar a visita do pretenso genro.

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