É descobrir que do vigésimo andar, se tem uma bela vista, uma bela alvorada, um belo por do sol. É perceber com o tempo, que só um completo desocupado pode usufruir de tudo isso a contento, quem tem mais o que fazer só olha de vez em quando e volta ao serviço.
É descobrir que sem uma sacada, a apreciação da paisagem fica muito comprometida, mas mesmo sem ela o vento lá em cima pode arremessar sua documentação para longe, mas longe mesmo, espalhando por várias quadras o que deveria ficar sobre a mesa, para organizar sua vida.
É sacar imediatamente a câmera, ao ver uma cena interessante na rua, e ver o vizinho da torre da frente se afastar devagar, com cara de "Meu Deus, um psicopata", sem a mínima possibilidade de simplesmente mostrar o evento que está do lado oposto ao que ele pode ver.
É estar cercado por quatro vizinhos, todos eles cientes de cada risada solta por uma boa anedota, cada palavrão de desabafo, cada desafinação que os vizinhos de uma casa nunca ouviriam, enfim, é pegar o elevador e todo mundo te olhar com cara de sarcasmo.
É não adiantar chamar os caça-fantasmas, porque aqueles ruídos de coisas se arrastando, passos nas paredes e no teto, coisas batendo "dentro da parede", cantarolas desafinadas que vêm do nada, não são espíritos zombeteiros e nem elementais, são só os quatro vizinhos que te cercam.
É sentir-se vivendo ao lado de um gigantesco intestino, com as tubulações de água e esgoto funcionando praticamente sem tréguas, fora aquele assobio e aquele estrondo do vento no vigésimo andar, que fazem parecer que uma gigantesca flatulência está prestes a preceder algo igualmente grande e mal cheiroso.
É esperar cinco ou mais minutos para sair pelo portão, o que eu estava acostumado a fazer em segundos sem elevador, portaria e protocolos de condomínio; isso quando algum sacana não prende o elevador!
É dar satisfações de sua vida pessoal a gente que eu pago, porque suas visitas não podem subir sem permissão prévia, os carros das visitas não podem ficar na minha vaga, os prestadores de serviço só podem entrar até certo horário, então danou-se se algo quebrar depois das dezoito horas.
É ouvir aquela ladainha de que é mais seguro, quando os noticiários estão repletos de casos em que quadrilhas especializadas infiltram membros na empresa terceirizada para fazer o condomínio inteiro de refém, isso quando a própria empresa não é aberta com esse propósito.
É ter uma área de lazer que, na planta, é a coisa mais linda do mundo, mas ao vivo é bem menor e menos bem acabada, fora que se todo mundo decidir aproveitar aquilo no mesmo dia, meu Deus, onde eu amarrei meu burro?
É não poder contractar o servidor de internet fixa em que menos desconfio, porque o condomínio já escolheu os seus e os outros não têm e nem podem ter cabeamento lá dentro, me obrigando a comprar uma linha móvel.
É ver a diarista ter que usar o elevador de serviço, o mesmo que leva carga, porque não fica bem uma empregada usar o mesmo veículo dos condôminos, para não ofender o status quo e me vender a ilusão de que eu sou rico.
É um condômino ter que usar o elevador de serviço, o mesmo que leva carga, porque quer usufruir do que paga e vai levar seu cãozinho de companhia para passear, mesmo que esteja com toda a parte veterinária em dias, que tenha acabado de escovar a pelagem e use fraldas.
É descobrir que aquelas "duas vagas" só são reais se teu carro for um subcompacto, pois até um Ônix ficaria apertado nelas, imagine se eu conseguisse trazer minha sonhada e gigantesca Pontiac Parisienne Wagon 1969 de nove lugares!
É descobrir que, realmente, eu sou bicho de chão mesmo!
2 comentários:
Fantástico post !
Descreveste bem as agruras da vida em condomínio !
Muito bom essas divagações suas !
[ ]´s
Não vejo a hora de sair daquele pardieiro!
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