15/06/2016

Manifesto ideonulo



Vladimir Kazak

  Declaro minha mais profunda e sincera repulsa por rótulos, por dogmas, por ideologias, por quaisquer artimanhas classificatórias que não tenham plena e sólida raiz nas elucubrações matemáticas da ciência, bem como seu indelével e fiável respaldo.


  Declaro minha aversão a elogios gratuitos, a opiniões agressivas, a maquiagens eufêmicas à agressividade, a discursos que tomam a legítima vez de respostas simples e objectivas, a qualquer manifestação de imposição intelectualizada que não tenha o alicerce compacto e vasto da investigação criminológica.


  Declaro ainda minha inaderência a conceitos que não os meus próprios, aos quais nem sempre adiro. Minha total devoção ao nada e a Nada, na firme convicção de que não há outra fonte lícita e limpa de raciocínio e conclusões, posto que não suportam as pré-concepções e a invasão de idéias que não emirjam de meus próprios abismos e minha própria estrela.


  Posto o exposto, declaro enfim que rejeito cognomes, jargões, apelidos, denominações e comparações que não partam de meus cabedais, mas somente de mim e para mim, sob nenhuma hipótese a orbitar egos alheios.


  O capitalismo está morto. Como previsto e previsivelmente, algoz de si mesmo em seus ímpetos suicidas. Contra o previsto e previsivelmente, não levou consigo o ocidente e toda a sua bagagem civilizatória, que ora vaga a deriva no mar bravio da transição econômica, social e de paradigmas, em sua notável resistência ao assédio fomérico das piranhas anarquistas, que se consomem umas às outras ante cada investida frustrada.


  O socialismo está morto. Como previsto e previsivelmente, algoz de si mesmo em seus ímpetos messiânicos. Contra o previsto e previsivelmente, não logrou êxito à descendência de que lhe esperavam. Ainda visível, mumificado em canções e poemas plenos de boas intenções, que vêem o cadáver intacto como um homem apenas em repouso no onírico, reino do qual jamais realmente saiu.


  O comunismo é natimorto. Como previsto e previsivelmente, vítima de sua alardeada fúria niveladora. Contra o previsto e previsivelmente, embalsamado após seu aborto, por ter rompido com os dentes de sabre o cordão umbilical que mantinha-o vivo, ainda em gestação, por negar a necessidade da tutela materna e sua origem já contada. Ainda visível, imerso em formol, cercado por órfãos que jamais o foram, inconformados com o luto ao qual se renegam e contra o qual se revoltam.


  Não acredito em boas intenções, não da prévia e alegada à qual tanto recorrem os defensores desta ou daquela ideologia. Bons intentos são muitas vezes guarnecidos de gestos atrozes, pelo simples facto de o bem intencionado não se crer apto a atrocidades, posto que de si só emanariam o amor e a justiça, ambos cegos e altamente seletivos em suas mãos.


  Não acredito na inocência prévia, sempre susceptível aos adornos jocosos do cinismo típico dos mentirosos, que de tanto mentirem, acreditam nas próprias invenções. A inocência é sempre a alegação, mesmo perante a prova material, dos que manipulam, subtraem e traem sem pudores e nem remorsos, indiferentes quanto ao destino de suas vítimas agonizantes.


  Ainda que se me arguam pelos motivos de ter feito o que não fiz, não guardarei rancores no espaço que dedico a Nada e nada mais direi, além de que a pergunta está equivocada. Uma interrogação acerca de um factóide pressupõe a culpa e não permite que se responda o que não se lhe imponha veredicto condenatório. Não importa o que se responda ao erro, sempre redundará em erro. Deve-se, pois, corrigir de nascença a retórica de falsa confissão.


  Chamo à razão os que me ouvem, lêem ou mesmo captam os pensamentos. Não à sua razão, tampouco à minha rude, mas à razão da investigação que busca raízes, não os responsáveis pelo plantio. O estudo da raiz dirá por si a autoria do plantio, mas nunca o inverso nos permitiria, por cercar-se dos holofotes das emoções e comoções.


  Chamo à razão que questiona causas e correlações, nunca autoria, pois quem busca o responsável por precipitações meteorológicas, sempre encontra um ou mais, sejam reais ou não, mas sempre inocentes do que encerra em si a causa e a conseqüência. Autores, se houver, serão denunciados pela descoberta artificial da chuva em questão.


  Chamo, finalmente, à razão simples e órfã, à fonte de conclusões que coloca cada qual em seu devido papel, sem inversões e sem adaptações do toro ao círculo, cujas semelhanças precipitam conclusões não investigadas. Ao dar a cada um o seu papel no palco dos eventos, deixa-se ao cérebro livre o dever de revelar o afresco sob a tinta grosseira, sem danificar a paisagem frágil que se escondia sob a pintura de camuflagem. Ao dar a cada um o seu devido papel no roteiro dos acontecimentos, deixa-se ao coração livre a tarefa delicada de analisar a obra revelada, para dosar os rigores e os amparos de que cada ponto necessita ao restauro e exibição pública, permitindo a cada sephirah o livre e pleno exercício de suas atribuições, que só se executam a contento no nada e em Nada.

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