07/07/2014

Eu só quero que você volte

   O rapaz chega ao albergue com a turma da faculdade. É a primeira vez que eles saem do país. De princípio imaginaram que teriam problemas, a turma é tão eterogênea e etnicamente diversificada, que temiam ser tratados como vira-latas. Alertas não faltaram, bem como exemplos de notícias de brasileiros maltratados e deportados ainda no aeroporto, sem maiores explicações, mas logo sua mãe os lembrou de que Espanha e Portugal não tratam o brasileiro muito diferente, mesmo alguns países vizinhos têm ranços contra eles. Foi uma grata surpresa serem recebidos pelos texanos como eles disseram que lhes receberiam, embora saibam que o viés conservador é um traço da cultura deles. Enfim, não são os monstros que o grêmio pintou.

   Ele desmonta sua tralha, dá umas revistas brasileiras de presente aos anfitriões e um deles lhe devolve uma carta...

- Maybe it's for you... By Amanda Potel...
- Is from my mom...
- Mamãe te mandou cartinha, maluco? Que fofis!
- Conhece as regras, vai ter que ler em voz alta – diz uma colega.

   Ele abre a carta, cercado por uma turma de gaiatos e alguns nativos não menos, abre o envelope com cuidado, o mesmo que ela teve com a caligraphia. Dentro encontra mil dólares, que sabe-se lá como seus pais conseguiram, e uma minuta repleta dos mangás que ela sabe bem desenhar...

   Meu filho, me desculpe novamente interferir na sua vida. Seu pai e eu sabemos o quanto você quer ser livre e dono do seu nariz, é mais do que justo, mas entenda que eu sou sua mãe, nenhum cuidado seria demais para meu filho. O dinheiro que acompanha a carta não é muito, mas foi o que seu pai conseguiu de sobra do financiamento do caminhão novo. É para você não depender da boa vontade alheia, nesses três meses. Há alguns doces de fazenda que a sua avó fez, estão embaixo da toalha, no fundo da mala. Pode distribuir que a gente manda mais, esses são permitidos pela alfândega.

   Meu amor, eu não vou pedir que não saia à noite, que não beba e que não se aventure, eu estaria sendo tão injusta quanto hipócrita. Você é jovem, lindo (não é por ser sua mãe, mas você é um deus grego) e cheio de energia, tem obrigação de aproveitar sua juventude. Só peço que fique sóbrio. Você sabe o quanto pode beber, antes de perder o pouco juízo que herdou do seu pai, então não insista em ultrapassar seus limites sem necessidade. De preferência, beba em um jantar bem substancial, para diluir o álcool, vai até dar uma impressão melhor às moças. Não, eu não quero definir o modo como você deve agir com seus amigos, longe de mim! Eu só quero que você volte.

   Eu sei que você não usa, mas eu preciso pedir que não se deixe levar pela liberação de entorpecentes que tem por aí. Isso tudo é matéria-prima pra medicamentos, meu filho. Você tomaria Diazepam só para ver no que dá? Não, né! Então evite turmas que não sabem diferenciar coragem de estupidez, você sabe, seu tio Nanael já lhe mostrou como elas são parecidas. Lembra do que ele disse “Sua mãe não vai chorar luto pelos moleques da sua escola, ela vai chorar por você”? Você ficou com raiva na hora, mas depois viu que ele não falou por mal. Você viu o que aconteceu com o Pezão, não viu? Tetraplégico e sem chances de cura... Desculpe, estou te assustando de novo. Mas é porque eu quero que você volte.

   Camisinha por aí é barata e mais fácil de encontrar. Use. Eu não sou ingênua de acreditar que você vai resistir aos encantos dessas moçonas lindas que tem por aí. Eu só peço que escolha direito, que não caia nos encantos da primeira que aparecer, mas pra isso você tem que ficar sóbrio, pra poder ter discernimento. Não é difícil, é só lembrar que você ainda não viveu nem um quinto de sua vida, e que tem mil sonhos pra realizar. Você quer fabricar buggies, pois seu tio já tem seis projectos prontos pra colocar em prática, é só você voltar pra gente. Aproveita pra aprender esse negócio de kit-car, que nos States tem muito.

   Meu amor, eu não vou te encher mais, sei que está ansioso pra começar sua nova experiência, por isso escrevi uma cartinha curta. Quando puder, me dá um toque no face, pra eu saber que você está bem.

   De sua mãe que te ama e já está morrendo de saudades.

   O professor que acompanha a turma fez o favor de traduzir para o casal texano. Eles acabaram de ter um mito desmentido, porque aquela não pode ser a única mãe no Brasil que cuida tão bem de um filho. Ligam para ela na hora pelo smartphone, com a ajuda do professor a tranqüilizam e declaram que enquanto o garoto estiver em solo americano, serão os pais dele.

Nenhum comentário: