02/11/2013

Gerente Lobo


Havia uma rede de hotéis muito requisitada. Não era exactamente a oitava maravilha do mundo, mas era o melhor que um certo país tinha disponível, por isso mesmo vivia com seus estabelecimentos lotados. Fora fundada por um cidadão a quem chamavam de Gerente Lobo, por sempre ter tido cargos de comando, ainda mais depois das novas regras para hotéis, às quais sua rede, que levava seu cognome, se adequou rapidamente.

As outras redes, algumas até melhores e mais tradicionais, não conseguiam acompanhar, pois havia uma crise e a capacidade de investimentos era reduzida. Não só isso, quase todos os grandes profissionais estavam no Gerente Lobo. Por seu faturamento astronômico, podia se dar o luxo de ter sempre frutas frescas, carne abatida ou pescada no dia, roupas de cama feitas sob medida e com estampas e texturas exclusivas, as melhores atrações artísticas enfim... Ninguém competia com ele. Se dava o alto luxo de desconsiderar a concorrência.

Com tamanha fartura de qualidade, ninguém se importava muito com os métodos, nem sempre dignos de que Lobo se valia. Ninguém mesmo. Todos os profissionais do ramo sonhavam em integrar seu quadro de funcionários, raramente alguém não pensava duas vezes, antes de largar o posto de administração da concorrência, para ser faxineiro no Gerente Lobo. Claro que entrando lá,. via que as coisas não eram tão cor de rosa quanto as propagandas alardeavam.

Ah, as propagandas! Lobo as fazia dentro de seus próprios estabelecimentos! Mandava publicar suas próprias revistas, seus próprios jornais, que sequer citavam a existência dos concorrentes, a não ser que fosse para apontar uma tragédia, sempre contrapondo a excelência dos serviços de sua rede de hotéis. Quando a tragédia era na sua rede, abafava, mandava colocar besteiróis de todo tipo, planejava entrevistas consigo mesmo, com seus funcionários, gincanas, sorteios de brindes, festivais e todo tipo de distração. O povo ficava tão encantado, que quando se dava o trabalho de ler as notícias contra, não acreditava.

Mas se Roma caiu, por que o Lobo não cairia? A ganância começou a ficar menor do que os brios de seus funcionários de colaboradores, novos concorrentes, menores e mais ágeis, começaram a oferecer serviços e atrações de qualidade similar, às vezes até melhores. Com isso as demissões voluntárias começavam a acontecer.

Claro que um império não cai de uma hora para a outra, como uma jaca podre, ele afunda como um navio; devagar, matando aos poucos, cruel e lentamente, mas a olhos vistos. Ainda assim, muita gente acreditava que era só mais uma manobra ousada do capitão, se recusando a crer que aquele navio estava fazendo água.

A concorrência começo a também comprar alimentos fresquinhos, às vezes até carne recém abatida e frutos do mar recém pescados. Claro que com essa demanda, o preço subiu, e mesmo assim começou a faltar. A concorrência tratava seus fornecedores com  muito menos arrogância, muito menos mesmo! Isso desmentia a crendice popular de que dinheiro é tudo nos negócios. Mas não é mesmo! Só os idiotas fadados à falência pensam assim, mas uma rede corrompida precisa que eles acreditem nisso.

Com o tempo, a manutenção dos hotéis começou a baquear. Os lindíssimos papéis de parede, que eram trocados ainda novos, e reaproveitados pela concorrência e até pelos funcionários, passaram a ficar mais tempo na parede, recebendo retoques, consertos, às vezes até remendos, estes que eram cada vez menos disfarçáveis.

A qualidade do cardápio, crucial para o ramo, também caiu. No começo, apenas diminuíam um pouco as porções e caprichavam no tempero, para disfarçar. Com o tempo, tiveram que colocar corantes, ervas finas, usar até essências para fazer o patinho parecer filé mignon. No começo, pouco se percebia, mas a clientela antiga, de sentidos mais refinados, passou a freqüentar outros hotéis.

E como dinheiro não é tudo, em vez de se emendar, Lobo passou a exigir mais e mais de seu pessoal, para fazer o cliente acreditar que a Rede Gerente Lobo continuava sim a ser a líder absoluta do ramo, que a concorrência só existia por piedade do público, ou pela admissão de hóspedes desqualificados. Sem perceber, acabou ofendendo e perdendo de vez alguns clientes antigos e caros, que estavam experimentando os novos serviços da concorrência.

A soberba crescente de Lobo contaminou até seus periódicos internos, que se nunca foram imparciais, então tinham se tornado tacanhos, extremamente tendenciosos e completamente cegos para qualquer mosquinha que voasse dentro de um hotel da rede.

Foi providenciada uma renovação no cardápio e nos serviços. Melhorias? Que nada! Estavam definitivamente trocando os pratos e as gentilezas de outrora, por apelações sensoriais de nomes pomposos. Moças serviçais de maiô sempre circularam pelas dependências, mas eram maiôs comportados, com gola, gravatinha, até bolsos, do tipo que uma mulher poderia usar na rua, no verão. Passaram a rebolar deliberadamente diante dos hóspedes, com insinuações e até encostadas dignas dos cabarés mais ordinários.

Enquanto isso, o cardápio, que fizera a fama da rede, estava em franca decadência. Os chefes responsáveis por eles, estavam quase todos aposentados, os que beberam de seu talento e sua experiência já estavam em dupla situação, já velhos ou migrando para a concorrência, ou ambos. Para disfarçar, o trato com os funcionários endureceu, obrigando-os a mentir descaradamente para a clientela, negando até mesmo uma barata que passeasse serelepe em cima do risoto.

 O Gerente Lobo não era mais a rede de outrora. o Lobo, que antes tomava a frente de tudo, estava velho e muito combalido, deixando a direção da rede em mãos de gente ainda menos compromissada com a qualidade do que ele. O resultado foi o previsível, os hóspedes atentos se sentiam como Alice no país das Maravilhas, com mundo fingindo que estavam na bélle époque, quando o quadro arregaladamente visível era o pior da grande depressão.

Não, a rede de hotéis Gerente Lobo não fechou. Como eu disse, um império não desaparece de uma hora para a outra. Roma ainda existe, não existe? E vive de seu passado. De glórias passadas também vive o império do finado Gerente Lobo. Só que ao contrário de Roma, a rede não tem mais um milímetro do carisma e do charme irresistível de outrora.

Sim, há impérios que se reinventam, corrigem suas mazelas e renascem das cinzas como a Phoenix, mas não é o caso. A Rede Gerente Lobo praticamente não existe mais, virtualmente só o nome é o mesmo. Hoje é uma sociedade anônima, cujos acionistas especulativos só querem sugar o que ela ainda puder oferecer, e não hesitarão um segundo antes de jogá-la no abismo, em vez da pira renovadora a que não têm acesso.

Não têm mais funcionários nem colaboradores, só prestadores de serviços. Os pratos são terceirizados, os papéis de parede foram trocados por tinta barata, os uniformes garbosos de outrora foram trocados por coletes e bonés ordinários, os maiôs que enchiam os olhos são hoje shortinhos baixos no limite e tops que caem a todo momento, o público refinado migrou definitivamente para redes estrangeiras, e muita gente se convenceu de que é melhor ficar em casa ou se hospedar com parentes.

Saudades de quando o Gerente Lobo oferecia um sanduíche de coração, hoje é fast food caro e de valor nutricional zero. Chamem o rádio táxi, vou comer na padaria mesmo.

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