06/05/2021

Comentários diversos

Propriedade intelectual de Maurício de Souza. Se tentar piratear, vai levar coelhada!
 

Na falta de organização, tempo hábil e ambiente, vou simplesmente comentar algumas notícias e curiosidades, cujos links estarão nos próprios parágrafos. São coisas que eu pretendia compartilhar em redes sociais, mas a esterilidade ideológica/religiosa inibiu um plantio que estaria fadado ao fracasso.

 

Esta é a Tina. Maurício de Souza a criou como uma hippie baiana, que na época já estava saindo de moda, para ser coadjuvante do irmão Toneco, mas, na prática, ele quase desapareceu para sempre e só voltou nas fases recentes, enquanto ela se tornou não só a protagonista com seu próprio título, como também a mandachuva da turma. Segue a moda como qualquer jovem comum, gosta de celebridades como qualquer jovem comum, tem suas crises existenciais e de cotovelo como qualquer jovem comum, mas sua relação de liderança para com os outros está longe de ser comum. Por mais que tente ser uma no meio dos outros, cedo ou tarde alguma coisa vai fazê-la levantar o topete e começar a dar ordens, e os outros terão que acatar. A característica básica dela, uma parte da personalidade que jamais mudou nestes cinqüenta e um anos, é sua indomabilidade. A característica física que nunca mudou é que ela é tão linda que comove.

 

Passando agora para assuntos automotivos.

 

Conforme eu já alertei aqui, os carros baratos estão em extinção, e agora foi o chefão da Renault que deu seu diagnóstico. A Europa já se rendeu ao mau gosto e dubiedade dos SUVs. Embora as motocicletas, que não oferecem segurança nenhuma, e ainda sejam fabricadas sem restrições, os pés-de-boi familiares estão com os dias contados justo por causa da imensa parafernália electrônica e dos reforços estruturais que são obrigados a carregar, embora esses reforços não signifiquem DE JEITO NENHUM que sejam mais duráveis e confiáveis do que seus antecessores, basta ver a quantidade de Gols quadrados que ainda rodam e comparar com a decadência estrutural da maioria dos concorrentes modernos do Gol de hoje. A versatilidade ímpar e praticidade dos hatches pequenos e médios está com os dias contados, a não ser que vários pequenos fabricantes se unam para compartilhar componentes a fim de reduzir custos, e montem manufaturas pra modelos de baixa demanda em nichos de mercado; ainda assim eles teriam que rebolar para manter seus modelos no mercado.

 

E o absurdo não pára por aí. Uma pequena montadora vietnamita que prometia muito, começou a pisar na jaca querendo prender um comprador que fez críticas constructivas ao carro que ele comprou, em seu canal de vídeo. O rapaz deixou claro que gosta do carro, apenas apontou detalhes que o desagradaram e foi acusado de manchar a imagem da empresa e prejudicar suas vendas. Sabem aquela máxima de que o cliente sempre tem razão, embora nem sempre tenha? Parece que alguém por lá tem saudades da ditadura em que vivia, quando a opinião emitida podia ser motivo para fuzilamento. E o idiota quer entrar nos Estados Unidos, onde uma opinião de cliente pode até definir o CEO de uma indústria… e quer fazer o mesmo por lá… criminalizar opiniões em vez de usá-las para melhorar seus productos… que nem foram totalmente desenvolvidos por ele, seus carros usam todo o monobloco dos BMW série 5. O que ele pretende fazer em caso de recall? Processar quem requisitar os reparos? Prefiro pagar muito mais caro pelo Série 5 original made in Germany, pelo menos os alemães sabem quem tem razão nessa relação.

 

Uma notícia mais amena é que os fabricantes de caminhões instalados no Brasil que ouvem seus clientes em vez de mandar prender em caso de críticas, confirmaram investimentos significativos para ampliação e melhoria de seus portfólios, que já são bastante ecléticos e bem-conceituados. Só a Ford e a GM estão de fora, uma por burrice e a outra por… bem… burrice também, porque o mercado só cresce. A diferença é que a GMB cometeu o erro muitos anos antes e foi por falha da gestão anterior, não por covardia. Enfim, esse aporte é uma daquelas notícias que só aparecem em mídias generalistas de vez em quando, de modo superficial e com algum atraso, principalmente porque é um alívio em um momento de crise global. Apesar do avanço das ferrovias, a demanda por caminhões cresce. Em tempo, gosto da GM, mas por isso mesmo preciso fazer críticas quando se fizerem necessárias… poderia ao menos ter falado com a Agrale para assumir a produção, durante a baixa de demanda.

 

E a demanda por caminhões plug-in também. A aceitação tem sido maior do que a esperada e as promessas sérias de lançamentos já pipocam. O caso aqui é de entregas urbanas e intermunicipais, ramo e que a fumaça e o barulho são mais críticos. A união de alta capacidade de transporte com emissão quase zero, já que a poluição é apenas potencial e fica lacrada nas baterias, vai permitir entregas em horários e lugares que hoje são proibidos justamente para evitar incômodos para o cidadão exausto pelo dia de trabalho. Apesar do custo inicial maior, afinal são baterias grandes para motores potentes que imprimirão pouca velocidade, os custos de manutenção são ridiculamente baixos, e a máquina é muito apta ao trabalho pesado prolongado. E posto que Itaipu está perto de pagar a dívida de sua construção, as tarifas de energia serão mais atraentes quando os pequenos brutos começarem a ser comuns, melhorando a rentabilidade dos negócios; estão precisando mesmo disso.

 

Com tanta demanda, tantos investimentos e tantos caminhões novos, não é de admirar que o fenômeno americano esteja se repetindo por aqui; faltam motoristas. A demanda por caminhoneiros está crescendo mais do que a formação e oferta de mão de obra, isso em breve vai tornar qualquer motorista de Accelo em um bom partido para casamento. Apesar da já citada redenção das ferrovias, os trens não têm a capilaridade de um caminhão e não teriam mesmo que houvesse rios de riquezas para investir em novas linhas; a bem da verdade é capaz até de esse incremento de demanda por caminhões tornar mais ramais viáveis para entregas de curta e média distâncias, então meus amigos, esqueçam aquele protesto rançoso dos anos 1990 de caminhoneiros ameaçando parar o país se as ferrovias fossem revigoradas, porque isso está acontecendo e os temores estão indo pela culatra.

 

Aliás, a coisa está andando de tal forma que os lançamentos de caminhões estão mais interessantes do que os de carros de passeios, que viraram um mar idiota de futilitários esportivos de fim de semana. Mesmo os de cabine avançara têm mais personalidade e fazem mais falta ao saírem de linha, mesmo as comemorações por longevidade de uma linha são mais autênticas e festivas. Quem diria que esses monstros de vinte toneladas, capazes de arrastar cem outras, seriam mais confortáveis, avançados, bem desenhados e coloridos do que os carros de passeio? Ririam da minha cara, há trinta anos, se eu dissesse isso. Já gosto mais dos lançamentos da Marcopolo do que os da Chevrolet.

 

Isso vale mesmo para os utilitários leves e feitos para o trabalho mais bruto como as picapes de cabine simples. Praticamente esquecidas pelo modismo ridículo que vigora, as versões para trabalho pesado ainda existem e, pela pouca concorrência, encontram caminho praticamente livre para suas vendas. Muita gente ainda se lembra com saudades da longa e versátil Chevrolet C-15, com sua enorme caçamba e destemor por ambientes rudes, mas poucos sabem que caminhonetas pés-de-boi ainda existem, muito porque o departamento de marketing as têm desprezado nos últimos anos.

 

Alçando vôos com circunflexo que é o certo mais altos, vamos falar um pouco de aviação.

 

A exemplo do porto de Los Angeles, que fornece tomadas de energia para que os navios não precisem consumir combustível quando estiverem atracados, os aeroporto de Brasília decidiu fazer o mesmo para os aviões à espera de passageiros e/ou carga em seus terminais. O combustível é de longe o maior gargalo de custos da aviação comercial, então Brasília vai chamar mais atenções e terá mais preferência das companhias aéreas. Fora isso, o nível de ruído menor tornará a espera dos passageiros muito mais aprazível, o trabalho do pessoal de apoio na pista ficará tanto quanto mais e ainda mais salubre, com a redução da poluição local, até mesmo a temperatura ambiente ficará mais baixa. Resta esperar que o aeroporto fique tão solicitado, que os outros precisem adoptar medidas semelhantes, será bom para todo mundo.

 

Inclusive os resultantes da iniciativa da Infraero para incrementar os regionais. Se isso for para frente, e eu acredito que irá, as pequenas companhias regionais com seus turboélices, vão prosperar muito, pois são justo a falta de infraestrutura e a escassez de boas pistas homologadas que mais estrangulam a parte técnica das operações. Mesmo para quem não voa, não pretende ou tem medo de avião, a notícia é bem-vinda. Não foi uma e nem só duas vezes em que fiquei horas intermináveis dentro de um ônibus de uma linha monopolizada, às vezes em velocidades baixíssimas, tendo que viajar mal em uma poltrona estranha por terem vendido a minha para outra pessoa, sendo tratado rom desdém e rispidez pelos funcionários. Muita gente vai migrar para o serviço aéreo e esses picaretas vão lamber sabão com suas concessões politiqueiras monopolistas; ou trabalham direito, ou fecham… não fariam falta.

 

Assim teremos até bizarrices bacanas para transformar em memes, como a do sujeito que se despachou como carga frágil e se deu mal. Ele não contava com a lei de Murphy, foi extraviado e passou dias perdido de aeroporto em aeroporto, até ser resgatado. Francamente, as chances de isso dar certo não eram grandes, ainda mais que o americano médio já não faz mais jus à boa fama de seus antecessores e não entrega o seu melhor no serviço que faz, dá só o suficiente e assim elimina a margem de segurança que daria suporte contra eventuais falhas. O bom é que o pateta sobreviveu e parece que quer virar filme. Mais um…

 

Outra bizarrice é esta também vinda dos Estados Unidos. Não é incomum haver partos durante o vôo, o bizarro é a criatura passar mal e precisar ser atendida sem saber dizer o que está sentindo, porque ela simplesmente não sabia que estava grávida! Aham… só faltou dizer que não sabia como aquele bebê foi parar na barriga… A sorte de ambos é que uma série de sincronicidades fez seu embarque atrasar, o que a colocou à presença de médicos a bordo. Pela carinha lerda que fez durante o flagrante… bem, deixa pra lá… Importa que mãe e bebê estão bem, sendo cuidados no Havaí. Criatividade para tosqueira não falta a eles (https://www.aeroflap.com.br/voo-da-american-com-o-embraer-175-acaba-em-pizza-apos-alternar-devido-a-fortes-chuvas/) inclusive para evitar motins dentro do avião.

 

Para os geeks a boa nova é que o museu Smithsonian está montando uma réplica em tamanho naturam das incônicas X-wing. Assim que estiver pronta para visitação, vocês saberão, porque seguramente será notícia nos meios nerd de comunicação. Uma das críticas de cientistas e técnicos à saga Star Wars é justo contra essas naves, porque têm flaps. Certo, não há ar no espaço e mexer asas por lá não adianta nada, mas se esquecem que elas também operam em atmosferas, então as asas móveis são sim necessárias, para não dependerem só da vetorização do empuxo. Decerto que o desenho foi feito mais para impressionar do que para funcionar, mas a boa distância dos motores para a fuselagem torna o vôo mais fácil de controlar. Vocês poderão tagarelar em caracteres à vontade a respeito, quando a exposição estiver pronta, os mais abonados poderão até mesmo protagonizar tosqueiras divertidas com vestes à caráter, encenando alguma passagem da série, quando estiverem lá.

 

E por falar em “lá”, um dos melhores sites nacionais de aeronáutica está há dias sem uma actuzlização. A Aeroway fez sua última publicação no dia vinte de Abril.

 

Indo para o generalismo.

 

No país dos jogos proibidos, a jogatina estatal prospera! Para evitar criar mais impostos, o que fazem? Estimulam? Facilitam? Combatem oligarquias monopolistas? NÃO! Criam mais uma loteria financiar saúde e turismo… Loteria para financiar turismo… Não sei se vocês se lembram, mas quanto mais o Estado meteu o bedelho na economia, mais caca saía. É como analgésico vagabundo, que no começo dá um alívio, mas logo em seguida deixa a dor voltar mais forte e mantém a causa do problema intacta… ou já se esqueceram da quase planificação econômica do plano cruzado? Este país já é um cassino de baixo custo a céu aberto, é pior do que jogo de azar, porque aqui não é só o apostador que perde, perde a população inteira.


Para o desespero dos lambedores de ditaduras e da própria ditadura maior, as lideranças ocidentais ensaiam uma recuperação sólida. Ao contrário daqueles, que estão dissolvendo soberanias nacionais e exigindo que seus membros sejam tratados como cidadãos de primeira classe, legando os nativos a castas inferiores, estes estão sendo chamados até mesmo por quem, nas cabeças simplistas de retoristas compulsivos, deveriam odiá-los e aderir à causa do big brother da vida real. Por mais defeitos que eles tenham, e em conversa com nativos eles os assumem, permitem as manifestações contrárias e cavoucam eles mesmos suas dívidas. 

 

O que tem a Barbie a ver com a pandemia? A princípio nada, mas esta crise sanitária marcou a história da boneca e sua linha de productos. As vendas de algumas linhas de brinquedos cresceram absurdamente, enquanto quase todos os outros setores amargaram quedas expressivas, quando não fatais. Uma explicação é que se trata de brinquedos pensados para uma época e que as pessoas já moravam em apartamentos, então são apropriados para crianças que não podem ou pouco podem sair de casa. A boa notícia neste caso é que esses fabricantes estão empregando mais, com isso ajudando a atenuar a crise e melhorando as perspectivas para quando vier o alívio.

 

Preparem-se para mais riscos de quedas de energia, e desta vez a culpa não será das concessionárias. A produção de cobre não está acompanhando a demanda e os preços estão disparando, isso torna a fiação eléctrica mais atraente para meliantes. Eles não se importam em interromper uma cirurgia cardíaca no meio dos procedimentos, eles não dão a mínima, se tiverem a chance vão cortar o fornecimento de energia para roubar o cobre da fiação, então recomenda-se mais atenção policial ostensiva para prevenir o pior. É o mesmo problema que acomete as montadoras pela falta de processadores, cujo problema é tão grave que fez o Ônix despencar do primeiro para o sétimo lugar em vendas, não por desinteresse do comprador, mas porque não há essa matéria-prima essencial a carros modernos para concluir a montagem dos veículos. Com o cobre será pior, porque a produção de maquinário será toda comprometida, inclusive os motores dos carros eléctricos… A expectativa, se não houver mudanças na oferta, é que duplique o preço até 2025.

 

Sabem aqueles contractos aparentemente vantajosos, mas que dão exclusividade a alguém sobre os direitos locais de uma marca reconhecida? Fuja deles! Ou no mínimo exija cláusulas que lhe permitam desfazer a parceria, ou vai acabar com os mesmos problemas da Lamborguini que é só o caso mais famoso no momento. O mesmo vale para procurações em que o procurador tenha poderes demais para representação, sua vida pode ser arruinada por um erro ou má-fé. Mesmo que se trate de um amigo íntimo ou parente confiável, ninguém sabe o que vai acontecer daqui a uns anos e ninguém sabe que pressões psicológicas ou mesmo chantagens procurador vai enfrentar. Para o bem de ambos, é preciso haver uma cláusula de ruptura contractual por parte do titular, ou as vidas de ambos podem ser arruinadas por pessoas que não vão se importar com vocês.

 

É notório o risco que as malditas ponteiras laser impõe à aviação, bem como seu uso intensivo pela pesca pirata predatória chinesa em águas exclusivas de outros países. Deveria ser apenas um instrumento de trabalho corporativo e acadêmico, mas virou uma praga. Felizmente essa necessidade está trazendo uma solução relativamente simples já existem óculos que protegem contra esses ataques, é questão de tempo até chegarem ao mercado nacional, e não muito mais para que os motoristas percebam sua utilidade nas estradas, dirigindo contra o sol. Foram desenvolvidos para as forças armadas, mas os óculos CALI têm ganhado a simpatia e elogios rasgados de pilotos civis. São discretos, de longe não parecem ter nada de extraordinário, mas podem evitar tanto uma cegueira quanto uma tragédia, e o visual austero é um convite para customizadores.

 

Concluindo e complementando o que eu já escrevi lá em cima. A falta de personalidade dos carros é tamanha, que já há empresas ganhando com remodelação de veículos contemporâneos deixando-os parecidos com carros antigos. No caso os japoneses transformam seus minúsculos kei cars, que não podem passar de 1,48m de largura por 3,4m de comprimento (o Fiat Mobi tem 1,63m por 3,56m) em filhotes de clássicos ocidentais, como a Kombi corujinha, o Bel Air 1957, entre outros. Como o trabalho é artesanal, demora alguns dias, talvez meses se o pedido for muito extravagante. Entenderam, montadoras? Ou querem que os japoneses desenhem abocanhando mais um naco de mercado ocidental?

20/04/2021

Pés-de-boi em extinção

 

As rodas de liga leve foram pagas à parte.

A respeito dos últimos e salgados aumentos nos preços dos carros, não é culpa só das montadoras. Elas querem vender, é disso que vivem, mas sabem que não podem cobrar o preço de um Rolls Royce por um Mobi. Assim como nós queremos receber o máximo possível pelo mínimo possível de horas de trabalho, elas também querem valorizar o que oferecem, mas sabem que isso tem um limite. Sim, dá para fazer um carro robusto e confiável para vender por menos de quarenta mil reais na concessionária, zerinho e reluzindo a tinta da fábrica. Tecnicamente é perfeitamente possível até por menos, mas esse preço baixo teria um custo alto que vocês não poderiam pagar mesmo que quisessem; e eu sei que não querem. Por isso lamento informar que os carros realmente baratos estão em processo de extinção, não compensa mais investir neles. Para entender isso, precisamos ver o que encarece tanto um automóvel hoje, mas me aterei àquilo que simplesmente não pode ser retirado do carro, sob pena de nunca ir às ruas. Temos primeiro os itens de segurança activa e passiva, que são os grandes responsáveis pela proximidade de preços entre um pé de boi e um carro de acabamento médio. Não se trata só de instalar, é preciso testar DESTRUINDO protótipos no decorrer do desenvolvimento do modelo.

 

A célula de sobrevivência é projectada para suportar colisões em velocidades consideráveis sem permitir que os ocupantes sejam atingidos, o que acarreta não só aumento de peso, mas também exige que outros componentes sejam superdimensionados, o que constitui uma imensa dor de cabeça para a engenharia, que não pode permitir que um Ônix Joy fique tão pesado quanto uma Suburban, isso acaba excluindo o uso de aços mais baratos e fáceis de serem trabalhados, que precisariam ser empregados em grandes quantidades, agravando ainda a falta de espaço interno. É preciso utilizar aços mais nobres e estamparias mais sofisticadas, mas tudo isso equacionado para que os custos não sejam proibitivos para o público do modelo em questão. Então uma vez a estrutura de proteção escolhida, já conformados em pagar alguns milhares de bolsos a mais por isso, o carro pode ir para as ruas? Não!

 

Por mais forte que seja a estrutura, é a desaceleração brusca que mais causa ferimentos em uma colisão. Não importa a velocidade, se a parada for suficientemente suave, os ocupantes sobrevivem. É necessário haver zonas de deformação progressiva, para que os danos sofridos pelo veículo dissipem o máximo possível da energia da colisão; é por isso que se diz que o para-choque de uma moto é o motociclista. Os testes que resultam na destruição dos protótipos visam encontrar o ponto de equilíbrio entre o tamanho do capô e a máxima absorção possível, sem que o interior do carro seja gravemente afetado, isso é particularmente complicado em carros compactos, e também por isso eles decidiram não investir mais na Kombi porque, né… a zona de deformação ali é zero… O ideal seria mesclar o uso de aço com boas ligas de alumínio, que também é abundante e muito fácil de fundir, mas estampar o alumínio é quase um pesadelo, exigindo matrizes especiais e mão de obra mais qualificada, por isso peças feitas desse metal são tão mais caras.

 

Ainda temos equipamentos de segurança activa que são altamente problemáticos não só para comprar, mas também para instalar, especialmente porque a maioria é de tecnologia relativamente recente, por isso mesmo ainda cara; ABS, airbag, ARS, controle de tração e mais uma penca de equipamentos que em breve serão obrigatórios em todos os automóveis novos de produção em massa no Brasil. O problema é que eles precisam conversar entre si, e compatibilizar tantos sistemas diferentes rouba meses de estudos e testes exaustivos… e caros. Tudo seria mais simples se não precisassem de softwares, mas precisam e nenhum deles é para amadores. Ainda há o facto de que vai demorar para serem equipamentos leves e compactos, eles tomam espaço, tiram capacidade de carga e exigem mais do alternador, o que se reflete no consumo, não só no conforto, fora a fragilidade mecânica e sensibilidade climática de tudo isso, simplesmente não podem ser molhados, o que exige tirar espaço no cofre do motor e do porta-malas para não tirar dos ocupantes, só que isso pode inviabilizar, vide os Land Rovers, uma manutenção sem equipamentos complexos e ainda transformar o porta-malas em um porta-luvas, e tome mais ansiolítico para a engenharia.

 

Não bastasse tudo isso, para essa tralha toda ser eficiente, é necessário um nível mínimo de qualidade na construção e montagem, com isso ela fica menos onerosa para um grande carro de luxo do que para um compacto popular, e por isso este nicho está ameaçado de extinção, pois está praticamente no limite para absorver os custos de tudo isso sem se tornar inviável. O facto de não haver uma empresa que fabrique todos esses equipamentos em uma só linha de montagem, bem como não haver um módulo único que faça o serviço de todos eles, o que seria tão arriscado quanto caro para um investidor, ajuda a atrapalhar. Não se pode esperar uma redução de custos sem perda de segurança e qualidade antes que uma dramática evolução de software e hardware aconteça, e isso ainda demora um tempo para ser dramática o suficiente, até lá o Ônix vai sofrer para manter seu preço suficientemente abaixo do Cruze.

 

Todos os fabricantes sonham em poder utilizar os racionais, compactos e baratos motores dois tempos refrigerados a ar em seus carros, isso por si já reduziria muito os custos de produção e manutenção, mas nem em sonhos um carro com um motor desses seria aprovado na mais porca das legislações ambientais, não com o combustível padrão disponível. Não é só a adição de catalisadores e injeção electrônica, quem dera isso bastasse, é preciso que esses dois itens sejam também testados e maltratados até a destruição para que sua eficácia seja comprovada. Vale ressaltar que o catalisador, além de cerâmica sofisticada, se utiliza de metais raros, e caros, para cumprir com sua função. Também por isso, e pela fragilidade inerente, não pode ser instalado de qualquer jeito e nem em lugar inacessível, pois precisa manter a temperatura sob controle para funcionar sem ser danificado, o que demanda interferências no layout do monobloco. Lembram do Fusca Itamar? Precisaram deslocar o silencioso para dentro do para lama esquerdo, para o catalisador caber. Sorte que o conceito dos anos 1930 permite isso, e ambos ficaram em lugares bem protegidos sem subtração do escasso espaço interno do Fusca, em um carro moderno isso é bem mais complicado e por isso os antigos menos antigos do que o Fusca virtualmente não teriam conseguido voltar a ser fabricados nem como lotes promocionais.

 

Ainda no tocante às emissões, é muito difícil para mecânicas antigas e consagradas, que já tiveram seus custos de desenvolvimento pagos pelas vendas e por isso seriam extremamente baratos para serem utilizados em versões de entrada, se adequarem às normas de emissões; também por isso a kombi perdeu o motor a ar, mesmo contando com injeção, bem antes de sair de linha. A questão não é só queimar o combustível, mas queimar de modo que as reações no interior da câmara de combustão resultem em níveis aceitáveis de gases nocivos, algo para o qual os limites decrescem rapidamente, em breve os derivados do petróleo não conseguirão mais atender à maioria das legislações. Se há, por exemplo, uma variação significativa de temperatura no interior do motor, como acontece nos refrigerados a ar, o controle electrônico fica menos eficiente e o trabalho do catalisador é prejudicado. Da mesma forma a maior formação de pontos quentes dentro do motor dificulta o uso de gasolina comum, assim como o trabalho de monitoramento da injeção, o que levou as fábricas a reduzir deliberadamente as potências desses motores em seus últimos anos de produção, para contornar o problema e manter o produto em linha o máximo possível. Seria como uma Montana utilizando o motor 151 quatro cilindros que foi do Opala, que tem força bruta e confiabilidade de sobra, mas não atenderia às leis ambientais. Sim, há meios para equacionar isso, mas para a maioria das pessoas, e presidentes de companhias são pessoas, simplesmente não compensa.

 

Mas o que mais dificulta a vida de quem sonha em produzir um modelo popular no Brasil, talvez seja justamente o consumidor brasileiro. Não dá a mínima para equipamentos de segurança e controle de emissões, mas ama ostentar! Para terem uma idéia com acento que é o certo, quando a GM decidiu lançar o Celta, teve o bom senso de consultar o público alvo. Seria uma das poucas vezes que o consumidor realmente ajudaria a projectar o carro que iria comprar meses depois. O pé de boi que a engenharia tinha em mente foi descartado. Imaginem o Celtinha velho de guerra com um painel pobre como o do Fusca, só velocímetro e marcador de combustível, com retrovisores e lanternas traseiras perfeitamente simétricos, de modo que servissem de qualquer lado. O acabamento interior exclusivamente de plástico rígido e porta-malas totalmente pelado. O banco traseiro teria penas dois cintos, pois seria para quatro pessoas, e não permitiria o rebatimento fácil que transforma um hatch subcompacto em um furgãozinho, para isso seria preciso tirar o banco do carro, e nada de console central de tipo nenhum. O sistema de ventilação seria mínimo, apenas para manter os ocupantes vivos, só haveria um paras sol de plástico rígido para o motorista. Ah, claro, para racionalizar a linha de montagem, haveria só a versão de duas portas. Teria sido significativamente mais barato, mas como sabemos, não foi isso que o consumidor decidiu, preferiu pagar mais. Se já tem manolo reclamando que as caixas de rodas dele são muito pequenas para as rodas que eles querem usar... Ainda há um agravante, um carro muito básico precisa de uma tiragem gigantesca para que os investimentos e a apertada margem de remuneração da fábrica sejam pagos, ou seja, o Celta teria morrido logo se não tivesse sido o sucesso que foi.

 

Se pensam que isso é um pé-de-boi de fazer inveja aos carros militares, ainda há meios de depenar e baratear mais. Por exemplo, tirando a máquina do vidro das portas, que então seriam de correr, como nos antigos caminhões Mercedes 608 e na Kombi corujinha, basta ver os ônibus urbanos para saberem o que é. Os bancos poderiam ser apenas conchas de plástico minimamente estofado, impossibilitando qualquer regulagem que não fosse de distância do volante, o que seria exclusivo do motorista. Já imaginaram ter que fazer muita força para frear? Ou então ter que pisar bem fundo num pedal de curso muito longo? Seriam as opções para compensar a falta do hidrovácuo, que é o aparelho que ajuda a frear sem que isso se pareça com uma aula de musculação. E por falar nisso, que tal ter que parar totalmente o carro para engatar a primeira marcha? A não ser que seja um motorista muito experiente e habilidoso, para compensar a falta dos caros anéis sincronizadores, que nos permitem passar as marchas às vezes mal pisando na embrenhagem. Tapetes? Que tapetes? E o porta-luvas pode muito bem ser apenas um buraco maior, sem tampa, assim como a luz de cortesia poderia funcionar apenas com intervenção humana, sem essa de ligar quando se abre a porta e desligar quando fecha, instalação eléctrica é coisa cara! Não podemos nos esquecer das rodas com apenas três parafusos e de usar os mínimos pneus 145R80, que foram do Fiat 147. Parece estranho? Há países em que um cidadão de baixa renda não se importa em ter que esticar o braço para regular o retrovisor do outro lado, neles os carros mais espartanos do mundo gozam de relativo prestígio.

 

Ainda há uma solução que faria vocês jogarem pedras em quem sugerisse, que é utilizar eixo rígido na dianteira. Explico, trata-se de trocar a suspensão relativamente complexa da dianteira, que torna o carro mais fácil e confortável de ser controlado em pisos ruins, que são a regra em nosso país, por uma barata e robusta barra que ligaria rigidamente as duas rodas, assim o que acontecesse com uma se refletiria na do outro lado, e no volante, tornando qualquer irregularidade no asfalto um pesadelo cacofônico dentro do carro, fazendo tudo tremer a cada trepidação. Claro, isso seria coroado com um ou dois feixes de molas transversais em cada eixo, substituindo as confortáveis e caras molas helicoidais; sim, perto do que eu estou descrevendo, o Celta é um Opala. Nos anos setenta eu passei por isso, ainda havia carros em que um pneu fofocava sobre o seu lado do piso para o outro e para o volante. Se serve de consolo, essa receita tornaria o carro mais rápido, ágil e econômico, além de baratear muito a manutenção...  Mas é claro que vocês preferem pagar vinte mil reais a mais para não passar por isso! Mesmo que percorressem rotineiramente estradas de boa qualidade entre condomínios de luxo, vocês não tolerariam ser vistos em um carro assim! Mesmo que uma boa calibragem atenuasse muito os problemas de conforto, e isso uma montadora consegue fazer sem dificuldades, vocês não tolerariam descer um degrau social ainda que fosse bom para vocês! Então paguem!

 

Sem todos esses supérfluos que vocês amam, e se a lei permitisse, os carros populares poderiam ser assim:


24/03/2021

Dos bastidores tão distantes

 


            Enquanto a maioria se contenta em assistir ao espetáculo, alguns se perguntam o que teria acontecido ou ainda estaria acontecendo detrás do cenário, aquele fundo geralmente pintado ou encoberto por uma espessa cortina que separa os actores dos trabalhadores de suporte. Esse lugar oculto aos olhos do público chamamos de bastidores. Em princípio eles não teriam importância, e para o fim a que se destina a compra do ingresso, realmente raramente tem, a maioria das pessoas tem uma idéia básica do que acontece lá e crê que isso não afeta suas vidas; quando o teatro em questão é realmente só um teatro cenográfico, geralmente não mesmo… mas às vezes o teatro é a metáfora da realidade que se desenrola em nosso cotidiano, então as actividades dos bastidores importam sim ao cidadão comum, que como no espetáculo, nem sempre se importa com o que seus olhos não podem ver. À amiúde, esse cidadão acredita que os funcionários desses bastidores devem simplesmente fazer seu serviço e quer que esteja pronto quando precisar dele, mas nem sempre é assim e nem sempre esse “pronto” é o pronto que gostaria que fosse, ou deveria ser.

 

            Comecemos pelo conceito errôneo que temos de “bastidores”, que para a maioria se aplica àquele espaço oculto ao público já citado. É oculto, mas não inacessível. Na realidade tampouco são os bastidores da peça. Podem ser considerados os bastidores da ação em andamento, até certo ponto, com influências de precedentes sem os quais o suporte a essa ação não teria sido possível. Começando pelo prédio, ou seja lá qual for o espaço do teatro, existe um comando para que todos os detalhes aconteçam a contento, ou para que dêem o menos errado possível. Esse comando geralmente inacessível ao grande público precisa de um lugar privativo e com o mínimo de interrupções possível, para poder planejar o espetáculo e resolver os problemas que sempre aparecem, tudo em tempo hábil e de modo suficientemente bom. Inclusive o planejamento dos bastidores da ação, que então já não merecem ser “os bastidores”, eu chamaria aquele lugar de “conta-palco”, já que mesmo o que acontece lá é tão efêmero quanto o espetáculo ao qual dá suporte. Entretanto ainda não temos os reais bastidores da peça, porque aquela pessoa com as decisões em suas mãos não fará tudo sozinha… quase nada, na verdade, nem mesmo a totalidade das decisões imediatas cabem a essa pessoa.

 

            Sairemos do prédio do teatro. Aqui chegamos aos personagens menos considerados pela grande massa que paga pelos ingressos, e que por ser o sustento do teatro, mesmo alienada, merece o devido respeito. Primeiro a peça precisará de corpos que se emprestem às personagens, então pode ser necessário que agências de artistas entrem no jogo, ou, pelo menos, olheiros que indiquem as pessoas certas. Por mais profissionais e racionais que sejam, estamos falando de seres humanos, e mesmo inteligências artificiais precisariam aprender conosco a fazer o serviço, então será preciso negociar e talvez os artistas desejados não estejam todos no elenco. Se isso às vezes é uma janela para a exibição de novos talentos, é um contratempo que pode comprometer a execução do espetáculo justamente porque estamos falando de seres humanos, ou de softwares que agem dentro de parâmetros criados por humanos. Se vocês não conhecem o show business, não sabem os problemas que artistas veteranos podem dar a novatos que demonstrem algum talento consistente. É hora de conversar e tomas as decisões menos ruins para o andamento dos trabalhos. Uma vez postos os pingos nos is, vamos viabilizar a realização do espetáculo, enquanto os actores estudam seus papéis.

 

            Chegou a hora de deixar o amor pela arte um pouco de lado, porque é das raízes feias e sujas que tiramos as mais belas e suculentas maçãs. Precisaremos de patrocínio. Pode ser uma tarefa mais ou menos árdua, dependendo da credibilidade e da popularidade dos productores do espetáculo, SEMPRE NESTA ORDEM porque ninguém dará um centavo a um sujeito popular com fama de arruinar tudo. Seja como for, é sempre uma tarefa árdua que demanda tempo, paciência e muita diplomacia. Por exemplo, os patrocinadores almejados podem simplesmente não ter interesse em vincular suas marcas àquela peça em questão, por melhor que seja a argumentação do negociador, em alguns casos o empresário pode até temer que aquele roteiro arranhe a imagem pública que ele levou anos, talvez décadas para construir. Também complica se o cacife dos produtores não lehs der acesso a grandes patrocinadores, o que os obriga a gastar mais tempo, combustível e sola de sapato para viabilizar tudo. E aqui estamos falando de um empresário, que pode ser demovido por números, resultados, garantias e ofertas de bons espaços publicitários, as coisas complicam e muito quando os únicos patrocinadores a que se tem acesso, em princípio, não teriam ou não almejam retorno financeiro, porque aqui a subjectividade canta de galo.

 

            Uma igreja pode simplesmente vetar tudo assim que seus titulares virem o título, como aconteceu no clássico do cinema trash “Plano X do Espaço Sideral”, que originalmente seria algo como “Plano Satânico do Espaço Sideral”. Fora que cenas mais quentes foram sumariamente suprimidas. Mas não sejamos injustos com os religiosos, a maioria não age com tamanha tacanhez, só faz exigências pontuais e pedidos a membros da paróquia ou congregação. Só isso… mas mesmo “só isso” pode desagradas deveras tanto o elenco quanto outros patrocinadores, então meus amigos, vai mais sapato, mais combustível e mais tempo, o que pode comprometer o cronograma e aumentar os custos da empreitada. E por falar nesses outros patrocinadores, há os que simplesmente não aceitam participar do mesmo projecto que determinados outros, especialmente se forem empresas concorrentes ou, pior, se forem pessoas inimigas… e ninguém vem com “eu odeio aquele fulano” tatuado na testa, então é um risco real e iminente… e uma tentativa de conciliação pode resultar na perda de ambos.

 

            Não fica mais simples quando o patrocinador é o erário. Mesmo que o contribuinte raramente ou nunca possa definir onde o dinheiro resultante de seu árduo trabalho será aplicado, fica a cargo de um funcionário público interpretar as regras quase sempre prolixas e mal escritas, repletas de vícios de linguagem que permitem fazer do lobo mau uma vítima da sedução da maldosa Chapeuzinho Vermelho. O patrocínio pode nunca sair e, dependendo das regras, o produtor é obrigado a não buscar patrocínio privado até todo o processo ser concluído, o que pode levar meses, anos talvez, e sua conclusão pode simplesmente não ser comunicada. O interessado então precisa fazer o trabalho que meus colegas de serviço público são pagos para fazer, mas não sofrem nenhuma represália se o serviço não feito não afetar seus chefes. Infelizmente a liberação ou não é mais independente das regras propostas pelos idealizadores da lei do que vocês imaginam, pelos motivos já citados neste parágrafo. Mais uma coisa, se um político influente dentro da repartição não for com a sua cara ou com o seu projecto… já sabe… É como se houvesse, e há, bastidores paralelos a todas essas camadas de que estou falando, eles mesmo com suas próprias camadas obscuras.

 

            Espero ter até agora dado uma idéia clara do que quero dizer. Temos uma camada de bastidor que vai além das paredes do teatro, então seriam três camadas de bastidores, se fose simples assim. Tanto com empresas quanto com entidades sem fins lucrativos e o serviço público, isso é como uma cebola que sempre tem várias camadas, e cebolas podem ser enormes! Tanto maiores quanto mais antigas e bem nutridas forem antes da colheita. O CEO de uma corporação não estará à sua espera no departamento de marketing, no máximo o director de marketing daquela filial vai atender o interessado, após o agendamento devidamente formalizado com a assessoria. Então, durante a entrevista, por mais liberdade que tenha, existe uma cadeia de hierarquia que o director ou a directora de marketing precisa obedecer para não perder seu emprego, eu diria pelo menos mais duas camadas nesta cebola. O que dá, sem contar o contra-palco, uns cinco ou seis bastidores, mesmo no caso de pessoas e entidades sem fins lucrativos.

 

            Agora chegamos ao que pode ser a última camada de bastidores, mas às vezes não é: o autor to texto. Mesmo que haja mais de um autor, um deles vai preponderar, por mais sutil que seja. Por exemplo, simplesmente não dá para adaptar O Guarani de José de Alencar para se passar em um convento de carmelitas descalças com foco na cultura hiphop, por mais boa vontade e talento que o escritor tenha, por mais inspiração divina que receba simplesmente não vai funcionar! Todas as adaptações possíveis respeitarão os personagens, o enredo e o roteiro básico da obra, o que torna evidente qualquer adaptação desejada, especialmente quando se trada de uma obra clássica consagrada. Não, simplesmente não funciona se o autor não for rigorosamente obedecido, é ele o mestre e condutor de tudo por detrás de todo o trabalho pós texto, mesmo que já esteja morto. Ainda que não tenha sido reconhecido em vida, diga-se de passagem. Assim, mesmo que pareça que o ciclo esteja fechado, ainda não está. A obra que sair da mente do escritor terá recebido influência de muita gente, mesmo que não directametne. Pessoas do convívio ou que serviram de inspiração estão lá, mesmo que ocultas em frases que seus entes achariam familiares, mas também há outro caso, o de a obra ser encomendada.

 

            Um autor em crise financeira não pode deixar de comer e morar, assim como nem todos os autores têm vocação para criar do zero um texto novo e dependem de demandas para seu processo criativo, e mesmo os que têm não são obrigados a assinar tudo o que escrevem. Nesse caso a obra estaria subordinada às exigências de quem a tiver encomendado, tocando ao escritor o trabalho de colocar no papel o que lhe for ordenado. Por mais estilo próprio e de sua linha de pensamento que consiga colocar nas páginas, é basicamente por esses dois quesitos que o cliente o terá escolhido. Se ele quiser demonizar alguém e santificar outro, por ter concordado e aceitado o serviço o autor deverá desenvolver um roteiro que faça isso, mesmo que suas opiniões sejam completamente contrárias a isso. Não cabe ao autor questionar os motivos e os anseios por detrás daquela encomenda, neste momento ele é só um soldado com uma missão a ser cumprida, cabe ao contractante fornecer todas as informações de que ele necessitar, nada além disso.

 

            E por falar em contractante, ele pode não ser o autor da demanda, mas um intermediário trabalhando para terceiros, talvez um grupo. Nem todos querem ou podem se expor ao público, por ais glórias que o espetáculo lhes rendesse se o fizessem. Medos, interesses, necessidades ou simplesmente opção de vida influenciam muito mais do que vocês imaginam. Eu poderia encher lingüiça com um texto prolixo e divertido para falar de cada uma das possibilidades de motivações e camadas dessa cebola de bastidores, mas eu me irritaria muito me me daria um murro no nariz. Assim como acontece com uma simples peça de teatro, acontece também no mundo que o sustenta, desde as tarefas da escolinha primária até as mais emaranhadas entranhas da geopolítica mundial. Os bastidores, os verdadeiros bastidores de um acontecimento podem estar extremamente longe do teatro em que a ação se desenrola, e os motivos primários de tudo aquilo geralmente estão muito longe do óbvio, geralmente longe também dos noticiários generalistas, às vezes até dos especializados. Não raro, meia dúzia de pessoas decide por seus próprios critérios os destinos de um bilhão de indivíduos inocentes de tudo, apenas a aplaudir o espetáculo que se desenrola no palco, sem nem imaginar o que acontece no contra-palco.

24/02/2021

O risco é diferente para quem vive de vender

 


            Não pense que é má vontade do Seu Pedro da esquina, tampouco que aquele teramercado multinacional do tamanho de uma cidade está mancomunado com o governo illuminati dos alienígenas atlantes do Alasca austral para prejudicar os vendedores de paçoquinha que trabalham nos semáforos. Existe um fator, de inúmeros, que as pessoas ignoram quando descem a lenha em um negócio, que é o risco. Sim, é verdade que a vendinha do Seu Pedro poderia ter artigos sofisticados e recém-lançados no mercado internacional, afinal o comércio electrônico facilitou deveras o acesso de virtualmente qualquer um a qualquer coisa. Comprar poucas unidades de cada coisas e receber tudo em um só pacote é o fino da comodidade, mas sempre para o consumidor final, para revenda as coisas são mais complicadas, apesar da facilidade tentadora de ter coisa fina no armazém. Em tese, mas pura e simplesmente em tese isso seria possível, na vida real a vaca não mastiga de boca fechada. Mesmo que ela pudesse provavelmente não o faria, não tem necessidade e nem genética para fazer isso.

 

            Para um cidadão comum, que deseja apenas algo para uso pessoal pode se dar o luxo de comprar algo que jamais dará outro retorno que não seja emocional, como um besouro roxo de borracha de algum anime obscuro feito em pequeníssima escala, praticamente tudo é viável. O problema vem quando tu precisas obter retorno disso. Mesmo que seja um personagem que é um mestre do último grau da mais alta tradição de guerreiros mágicos da trama mais bem bolada do mundo, existe o risco de a demanda não ser suficiente para justificar a compra e o producto ficar meses, talvez anos parado e empoeirando no seu estoque. E se o recurso investido naquela compra for necessário nesse meio tempo? Vai fazer o quê? Dar desconto? Anunciar? Uma promoção de pague quatro e leve cinco? E quem vai querer ter cinco bonequinhos de um mestre besouro roxo? O seu público é realmente interessado a esse ponto no que tu compraste? Já sentiram o cheiro de azoto do prejuízo? Uma tentativa desesperada de revenda pode custar mais caro do que o valor eventualmente recebido do comprador… se houver um...

 

            Agora voltemos à venda do seu Pedro. Para repor seu estoque ele precisa recorrer aos atacadistas mais próximos, e dentre eles escolher os que oferecem as melhores condições. Há productos que têm muita saída, mas oferecem pouca margem de lucro, enquanto outros saem menos e compensam permitindo cobrar alguns reais a mais do que se pagou ao fornecedor, simplesmente porque o consumidor está disposto a pagar por isso. O real a mais que ele pode cobrar pelo refrigerante compensa os centavos a menos que fazem a alegria do freguês que leva o leite das crianças. É assim que Seu Pedro mantém o equilíbrio frágil entre custo e retorno. O dinheiro que entra não é só dele, a maior parte fica com fornecedores, prestadores de serviço e o governo. Se ele consegue ficar com um terço do faturamento bruto, está cobrando caro pelo que revende. Daí o motivo de ovos de páscoa custarem tanto mais do que uma barra, não é só porque dão mais trabalho para fabricar. Eles pagam o que as balinhas tão populares deixam a desejar.

 

            Mas se certos productos dão tanto retorno a mais, por que ele simplesmente não vende só deles e esquece os que dão muito trabalho e pouco lucro? É porque esses baratinhos são os que chamam e até fidelizam o freguês, é por eles que as pessoas entram e saem da vendinha o dia inteiro. Ninguém vai comprar salmão defumado uma ou duas vezes ao dia, mas qualquer saída pode ser motivo para pegar um saquinho de salgadinhos. E enquanto escolhe o salgadinho, o freguês vê outras opções ao seu alcance, fica sabendo de algumas novidades e pode voltar depois para comprar aquele acepipe de maior valor agregado, e que vai pagar melhor pela hora de trabalho do Seu Pedro. É um expediente de que ele pode lançar mão porque sabe que ambos têm boa saída e justificam investir seus escassos recursos, porque darão retorno, o que ele não pode fazer é ousar demais sem a perspectiva de obter o retorno necessário em tempo hábil.

 

            Vamos exemplificar com três casos na mesma situação. Aquele hipermercado badalado tem centenas de milhares de itens à disposição a preços atraentes. Como consegue? Por ser uma rede gigantesca, os lotes comprados podem ser desmembrados em quantidades menores para cada loja, que sozinha precisaria comprar de um atacadista que também é um revendedor, às vezes de distribuidores maiores que revendem da fábrica. Uma rede multinacional compra directo do fabricante, pagando não só o preço da fonte, como recolhendo os impostos uma vez só e distribuindo essa vantagem entre seus postos de venda, que assim podem ter estoques comparativamente discretos e vender a preços mais baixos do que muitos pequenos atacadistas, tanto que alguns mercadinhos pequenos recorrem a essas lojas para poderem oferecer algo mais sofisticado à sua clientela local de vez em quando, sem correr os riscos de uma compra grande para a qual sequer teria fundos. Já tivemos uma vendinha no início dos anos 1980 e fazíamos isso, mas é conversa para outro texto em tempo oportuno. Para essas grandes redes não é pesado bancar uma grande campanha publicitária em grandes veículos de comunicação, bem como pagar cachês a artistas famosos em locações distantes.

 

            Por outro lado, o comando pouco pessoal e centralizado de uma rede multinacional dificulta a conversa com pequenos artífices e indústrias tradicionais locais, inclusive porque eles não têm condições de fornecer a quantidade necessária a um cliente de tamanho porte, também por isso algumas lojas dessas redes têm artigos que as outras não têm. Lembram-se daqueles suspiros duros em cores pastéis, os doces de abóbora e batata-doce em forma de coração, as bananadas com brinquedinhos espetados nelas e outros que fazem parte da infância de tanta gente? Dê uma olhada no tipo de embalagem que usam, geralmente uma caixa estampada de forma extremamente simples e rudimentar, e saberão que é uma indústria de pequeno porte, talvez uma empresa familiar. Ainda são fáceis de encontrar em pequenos comércios na periferia e no interior, mas fornecer dez mil caixas em uma semana está totalmente fora de questão. Mas geralmente é coisa que a clientela deles não procura, oferecer artigos normalmente caros a preços convidativos é o mote e diferencial deles, também por isso podem se arriscar mais. Se uma loja dessas redes vende mil itens a menos em um mês, bem, é só uma baixa de demanda em um mês específico. O regente vê as planilhas, confere o estoque, faz uma promoção e decide depois se volta ou não a comprar aquele producto.

 

            O próximo caso é o de supermercados locais, que dificilmente têm mais de cinco lojas e todas elas em bairros mais afastados. Essas empresas dificilmente falam com os grandes fabricantes, que têm os productos de maior saída e lucro agregado, que normalmente já trazem consigo material de marketing e se vendem sozinhos, elas recorrem para isso aos grandes atacadistas e para o restante aos fabricantes locais. Com isso ainda precisam pagar um mesmo imposto duas ou três vezes, o que obriga a reduzir a margem de lucro e ainda assim vender um pouco mais caro, mas como alguns fornecedores estão por perto, a logística ajuda a reduzir custos e prazos, o que faz com que productos da cultura tradicional local estejam presentes em suas gôndolas, dividindo espaço com algumas novidades do mercado que ainda estão longe das prateleiras das vendinhas de esquina. Não que a administração seja rente à clientela, mas é mais pessoal e geralmente os fregueses mais assíduos conhecem muitos funcionários pelo primeiro nome, tornando a comunicação mais ágil e directa com a gerência.

 

            Como o orçamento é bem mais apertado, a publicidade e as promoções são muito dirigidas, se utilizando de carros de som e gráficas locais; muito de vez em quando um anúncio no rádio, raramente usam a televisão e ainda assim só em horários mais baratos. Com um estoque relativamente grande e diversificado, podem se dar o luxo de arriscar mais, testar de vez em quando productos que normalmente não estão na despensa de sua clientela, claro que em pequenas quantidades e a preços menos convidativos. Mas o fator novidade e exclusividade, já que supermercados menores quase nunca têm condições de fazer isso, age como chamariz para a clientela, que mesmo reticente na compra daquela coisa exótica acaba levando outros productos. É uma clientela emergente, por assim dizer, mas que ainda faz as contas antes de colocar alguma coisa no carrinho, então a persuasão do vendedor precisa ser mais forte e directa. Aqui a venda de mil unidades a menos por mês já tem algum drama, pois compromete mais o faturamento mais magro, mas não é o fim do mundo. Um eventual prejuízo dessa monta pode ser absorvido e raramente demanda punições mais severas à gerência de cada loja.

 

            Por último aquela pequena venda de bairro, que normalmente vive de fregueses que moram a no máximo três quadras de distância, e tem no carisma e na pessoalidade do comerciante o seu único recurso de marketing. Por economia, mas muitas vezes também por tradição, os productos são embrulhados com papel grosso ou até mesmo com jornal velho, e isso acaba sendo um diferencial que denota proximidade com a pessoa do comprador. É comum o freguês se sentir mais em casa lá do que em sua própria casa, e ir comprar qualquer coisinha só para bater papo com o comerciante por uma hora ou mais. Não é raro ele morar no segundo pavimento ou, no caso da maioria, nos fundos de seu comércio de poucos metros quadrados, estacionamento, quando há, é a garagem de seu próprio veículo de trabalho. Todo o estoque muitas vezes é só aquilo que está exposto à venda, junto com umas poucas caixas distribuídas pelo estabelecimento para reposição, até a hora de fazer novas compras. E por falar nisso, os atacadistas mais próximos são seus principais fornecedores, quando não os únicos. Vender bolos e biscoitos feitos em sua própria cozinha também é comum. Como os intermediários são muitos, a taxação real também é aplicada mais vezes e os custos por unidade são muito mais altos. Em contrapartida ele oferece além do aconchego inexistente em grandes redes, productos de pequenos fabricantes que muitas vezes também são pequenos negócios familiares nas imediações da cidade, ou coisas que saíram de moda há muito tempo e os CEOs de multinacionais, isolados em seus edifícios envidraçados, jamais arriscariam para não arranhar a imagem de suas marcas; imagine só, um Fusquinha de plástico soprado cor-de-rosa ao lado de um carro monstro superagressivo com controle de mil funções e câmera na frente! Pois aqueles brinquedos de plástico soprado ainda podem ser encontrados em muitas dessas vendinhas.

 

            Nesse tipo de estabelecimento raramente há uma novidade, praticamente só productos sazonais como em época de páscoa, festas juninas e natal, e mesmo assim só das marcas mais vendáveis e em pequenas quantidades, pois até o espaço físico é escasso. Como são caros em relação aos preços dos supermercados e hipermercados, o freguês compra porque já está lá mesmo e porque não quer se deslocar e enfrentar o trânsito, e nem quer esperar pela entrega. Por todas essas limitações, o risco que esses estabelecimentos podem correr é mínimo. Sim, é possível pegar um empréstimo para ter capital de giro e arriscar, mas isso exige um planejamento que nem todos têm, simplesmente porque a maioria deles só quer manter seu ganha-pão e criar suas famílias. Ambições expansionistas não interessam a todo mundo, ao contrário do que universitários bitolados pensam. Se uma vendinha comercializar mil unidades a menos em um mês, ela pode simplesmente não abrir mais as portas. Colocar uma quantidade razoável de productos diferentes não só toma o lugar da mercadoria que a freguesia sabe que vai encontrar lá, como pode consumir todo o recurso de que o dono dispõe, deixando-o refém de um sucesso incerto que, se vier, pode demorar muito mais do que o salutar para seu negócio.

 

            Aquela tradicional vendinha de esquina é um comércio de nicho, muitas vezes com toda a equipe se resumindo a uma só pessoa, que acaba se tornando ponto de encontro de uma freguesia restrita à qual influencia e pela qual é influenciada, a ponto de o inventário ser a cara e praticamente definir quem mora naquelas imediações. Claro que as compras do mês, para encher a despensa, são em comércios grandes que oferecem preço e variedade como atrativo, mas a conveniência e facilidade de acesso transformam a vendinha no salva-vidas para reposições e compras de emergência, e é claro para aquelas coisas que simplesmente não existem mais em grandes centros, como a maria-mole em forma de língua coberta com côco ralado, que veio em uma caixa de cinqüenta unidades com estamparia rudimentar e vai para sua casa enrolada em papel rústico… ou talvez nem chegue lá, tu vais comer enquanto conversa com o seu Pedro, esperando pelo café que está sendo torrado e moído na hora… mil vezes melhor do que qualquer café solúvel do mundo!

 

            É claro que pode haver uma cooperativa ou uma compra conjunta por contracto reconhecido em cartório, permitindo obter e fracionar lotes maiores a preços mais baixos para todos os participantes, mas isso é outra conversa.

15/02/2021

Mais uma utopia estúpida

"Cyberman" from Dr. Who


 De tanto ler e ouvir discursos prolixos de gente intolerante que luta contra a intolerância, resumi em um texto relativamente curto o conteúdo de suas narrativas. As repetições enfadonhas são propositais, mas a quem se deixa envolver pela conversa, tudo parece ser de uma beleza e clareza raras.


            O ser humano é um animal político, por isso deve-se levar a política em conta em todos os âmbitos e nuances de nossas decisões, a fim de não ferir a individualidade pessoal de cada pessoa em si. Assim sendo, posto que todos concordam, devemos aderir a um modo de vida mais racional e sustentável, pondo de lado o velho normal que priorizada o indivíduo em detrimento do coletivo junto à sociedade estratificada e imersa em devaneios individualistas, a fim de realizar as diretrizes para implementação e adaptação ao novo normal. É sabido que a velha mentalidade lutará para permanecer e não seria de outra forma, por isso a nossa luta urge para a vitória a nível de sociedade coletivizada, enquanto não privada em termos de pessoa e propriedade. Trata-se não de proibir a posse, mas de ressignificá-la para uma ampla discussão livre e democrática, que resultará na conclusão da necessidade de maior acesso dos desassistidos aos bens de consumo e serviços. Tudo é muito fácil de ser resolvido, bastando eliminar o egoísmo materialista consumista que vigora e oprime as populações sujeitadas ao sentimentalismo escravagista, pois é aos sentimentos irracionais que apelam os que querem se perpetuar no controle dos destinos do indivíduo e da coletividade. O ser humano vive em busca de prazer, é só a isso que se resume todos os seus esforços e é só isso que interessa ao corpo, portanto é a isso que devemos convergir esforços, sem sentimentalismos estigmatizadores que nos impedem de viver com pleno domínio de nossos corpos e nossos destinos.

 

            Todos de acordo, vamos aos ditames democraticamente discutidos e amplamente aceitos. É necessário que tenhamos um padrão de consumo e um modo de vida mais racionais e sustentáveis, abrindo mão dos conceitos arcaicos e segregatórios de propriedade absoluta e poder absoluto sobre a própria vida enquanto indivíduo participante e afirmativo na sociedade. Começando assim pelos nossos destrutivos hábitos alimentares, que a ciência já comprovou que são insustentáveis, conforme já disseram os nossos cientistas adesistas de nossas idéias democráticas e acessíveis, amplamente discutidas democraticamente em nossos fóruns libertários. O aquecimento global requer medidas afirmativas e urgentes, então deveremos parar imediatamente de produzir e ingerir cadáveres, cuja produção e processamento demandam energias não renováveis, pelo que em pouco tempo nossa atmosfera retomaria os níveis aceitáveis de absorção de carbono, preservando assim as florestas tropicais destruídas pelos pastos, mantendo a produção de oxigênio, detendo e estancando o efeito estufa causado pela atividade consumista.

 

            O egoísmo de quem está contaminado pela mentalidade e lógica de mercado tenderá a resistir, mas será inútil, pois é o novo normal que vem à tona, é a nova verdade, a nova realidade, a nova ordem do novo mundo de uma nova humanidade mais racional, mais prática, mais sustentável e tolerante às mudanças de paradigmas. Seremos racionais, assim os sentimentalismos que perpetuaram o patriarcado opressor não terão âncoras para se fixarem na nova sociedade, se dissolvendo aos poucos com a figura do “homo proprietarius”. Seremos livres, decidiremos o que fazer com nossos corpos uma vez que os ditames de mercado não oprimirão mais os vulneráveis. A racionalidade prevalecerá e a ciência ditará nossos destinos, não havendo mais lugar para a subjetivização arcaica de interpretações acadêmicas comprovadas, porque o amor, a felicidade e o prazer não passam de reações electroquímicas em nossos cérebros, por isso a solução de nossos anseios é muito mais fácil do que nos permite acessar a mentalidade neandertal que não resistirá à eclosão revolucionária do novo normal.

 

            Quem hoje abre mão das comodidades da inteligência artificial, que facilitam nossas vidas e evitam que cometamos erros irreparáveis, tornando tudo mais eficiente e sustentável? Isso se deve ao reprimido e inato desejo humano de se tornar mais racional, deixar as decisões importantes para quem entende do que se trata cada assunto, sem a interferência da mentalidade individualista que arruína as melhores intenções com sentimentalismos arcaicos e castradores. Se você está usando um computador, está usando o resultado de décadas de mentalidade racional aplicada para o propósito de revolucionar a vida na Terra, proporcionando uma existência mais agradável a todos, democratizando a ideologia racional do novo normal para um mundo onde o egoísmo e a devastação ambiental não têm mais lugar. Aderir à causa é aderir à preservação da própria espécie humana, por isso é na racionalidade científica e filosófica que reside a nossa única esperança. Está cientificamente provado que é a racionalidade pura da inteligência artificial, criada e programada por pessoas racionais, que faz as melhores escolhas, traz as melhores soluções e dá as melhores perspectivas para todos, de modo universal, eficiente e sustentável.

 

            Concordamos que é a ciência que deve ditar tudo, com nossos filósofos aclamados mastigando para o vulgo inculto o que os cientistas disserem, isso já foi ampla e democraticamente discutido pela sociedade engajada e politizada, consciente de seus direitos. É tudo fácil, simples e rápido. A desindustrialização dos bens e primeira necessidade é portanto uma urgência! Devemos abrir mão dos prazeres de sabores não naturais para cessar, de uma vez por todas, a irracional destruição dos mananciais e suas matas ciliares, de modo que a biodiversidade seja restaurada. Com essa mentalidade mais solidária, justa e fraterna, torna-se então desnecessária a figura do comércio, pois cada um estará mais sensível às necessidades do próximo, eliminando a figura egoísta e irracional do comerciante, permitindo que sobrem mais recursos para aplicar nas necessidades básicas a que todos têm direito nato. Assim, sabendo que os frutos de seu trabalho serão aplicados com justiça social e ambiental, é justo que se deixe nas mãos de líderes racionais e solidários os recursos oriundos do trabalho, que dará a cada um o estritamente necessário, eliminando-se assim também as doenças resultantes de abusos alimentares. E uma vez que está nos hormônios do prazer o ponto manipulado pelos sabores que nos levam aos abusos, deverá ser proibido qualquer alimento dotado de impressões sensoriais, porque devemos comer para viver e não viver para comer! Sejamos racionais! Sejamos justos! Sejamos solidários! Sejamos sustentáveis! Sejamos a nova humanidade!

 

            Já deixamos a cargo da inteligência artificial a tarefa de dirigir os carros, escolher nossos programas de televisão, nossas séries, nossas músicas, nossos livros virtuais, nossos vídeos livres e até mesmo a escolha de nossos parceiros em aplicativos de namoro! Já vivemos a racionalidade e desfrutamos de seus benefícios, só que não nos damos conta disso! Por que? Porque sempre somos atormentados pelo pensamento de desligar nossos sonhos perfeitos para sair e trabalhar, porque precisamos pagar para ter prazer, para viver, até mesmo para fazer pagamentos! Isso é injusto, irracional, ineficiente e insustentável! Aqui está provado que o uso da racionalidade delegada pela ciência, a realidade virtual, é um dos alicerces para a plena e perfeita felicidade! Sem esforços, sem culpas, sem preocupações, sem crimes, sem responsabilidades, sem compromissos, tão somente prazeres e felicidade com descargas hormonais não permitidas pelo normal arcaico. Se não há esforço, o consumo de energia é mínimo, e por isso a chance de sobrevivência é maximizada.

 

            Rações isentas de flavores, sem assim consumir os recursos naturais para dar sabor e cheiro, consistem no início de uma nova era, em que aos poucos nos desacostumaremos da sedução do mercado e da propriedade individual, sendo geridos por líderes racionais e eficientes que promoverão a saúde preventiva gratuita e universal, disseminando novas diretrizes sustentáveis para vigorar a nova sociedade racional que já está em andamento. Os recalcitrantes discutirão se essa nova realidade é mesmo real? Mas o que é real? A ciência já provou que não existe uma realidade, é tudo uma interpretação resultante de processos bioquímicos de nossos cérebros, por isso uma utopia humana é possível sim! É necessária sim! É obrigatória sim! Não é de hoje que as pessoas se refugiam em jogos de realidade virtual para viverem como gostariam de viver, sem a interferência deste mundo injusto e perverso, vivendo sem ditames e sem regras. É esse o nosso objetivo! É essa a nossa luta! É essa a guerra que travamos todos os dias contra a mentalidade arcaica que nos prende a todos os males artificiais que não existem na natureza, mas são impostos para que trabalhemos duro em troca de doses mínimas dos atenuantes.

 

            Por isso devemos ser racionais! Seguir e obedecer a líderes racionais! Deixar de lado os anseios construídos de uma vida individual irracional, ineficiente e insustentável. Uma vida coletiva com experiências baseadas em realidade virtual, sem consumos e sem cobiças, com a pureza da humanidade primitiva reestabelecida em bases racionais e sólidas. Quem não gostaria de viver tudo o que quer viver sem os riscos do mundo perigoso que habitamos? É essa a nova era de um novo mundo, que sucederá o novo normal para uma humanidade livre de sentimentalismos castradores arcaicos e perversos. A vida racional de trabalho mínimo para prazeres máximos, sem perdas, sem atravessadores, sem custos, com a subsistência cem por cento garantida por líderes científicos racionais. É só um passo para a fase seguinte, em que prescindiremos até mesmo do mundo externo, assim tornando nulo o nosso impacto ambiental. Viveremos não conectados, mas em simbiose com máquinas geridas por realidade virtual perfeita, proporcionada por nossos líderes científicos racionais e repletos de boas intenções. Então o velho mundo não será sequer história, porque será totalmente desnecessário, então seus arquivos poderão ser simplesmente apagados, poupando a nova e racional humanidade de traumas e frustrações decorrentes do contato com as agressões da velha sociedade, que é totalmente formada por indivíduos perversos e sem salvação.

 

            Viveremos totalmente no mundo virtual, trabalhando sem cansaço para produzir as riquezas de nossa nova coletividade, com tempo infinito para desfrutar de prazeres em vários universos virtuais paralelos, tento doas as boas experiências possíveis a custo zero, em uma sociedade utópica e fraterna, justa e sustentável! Sem custos, sem frustrações, sem castrações, sem violência, sem preocupações, sem culpas, sem compromissos, sem crimes, sem devastação, sem propriedades, sem limites! Um mundo onde a racionalidade científica ditará tudo e definirá tudo, sem que você precise se preocupar em tomar suas próprias decisões. Basta imaginar, na limitação irracional em que ainda estamos, um mondo onde tudo seja formado por bits e algoritmos, no qual se pode voar sem asas, viver debaixo d’água ou mesmo andar para apreciar a paisagem de uma natureza perfeita e sustentável. Tudo perfeito, universal e gratuito, até o dia em que alguém tropeçará em uma raiz, que na verdade é o fluxo de dados do suporte de vida, e todas as máquinas que mantinham nossos corpos funcionando são irreversivelmente desligadas.

06/02/2021

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"Você violou os termos!" "Hein? Tá falando comigo?"
(Str Trek Tomorrow Is Yesterday 1967 ep 19)

            O desencanto com as redes sociais começou quando as pessoas se deram conta de que nem todos são sociais, na verdade uma boa parcela é bem antissocial. O problema aqui veio quando essa índole deixou de ser um mecanismo de defesa para se tornar uma bandeira, de início com "Não estou nem aí para a sua opinião" saindo das respostas particulares a intrometidos, para ser jogado aos quatro ventos em postagens fora de contexto e dirigidas a qualquer um. Já não se tratava mais de gente que só queria passear pelos tópicos e ser deixada em paz, agora eram grupos de malas sem alça enchendo deliberadamente a paciência de todo mundo. Até aqui bastava bloquear o mala sem alça e tocar a vida.

            Juntaram-se a eles os grupos de "novo normal" que festejaram o advento de quadrinhos e animações alternativas repletos de politicamente correcto, engajamentos, inclusões, representatividade, discussões amplas e hai hai hai mil vai pra fora do Brasil! Deveria ser apenas mais um gênero nascente de entretenimento e assim seria, se não fosse a tendência humana em transformar tudo de uma nova religião, ainda que uma religião cética. Porque não basta gostar, é preciso atacar a opção do outro, esfregar na cara do outro seus próprios gostos, tentar obrigá-lo a compartilhar desse re-les en-tre-te-ni-men-to e, por fim, usar de sua paixão pela liberdade de expressão para tentar proibir todo mundo de usufruir dos antigos. Muito coerente mesmo... Depois de algum tempo, como a maioria absoluta dessas publicações e desses programas é absolutamente sem graça, desinteressante e aparentemente feito para só o seu criador entender, essa imensa maioria sai de circulação... então os militantes mimizentos vêm às redes sociais xingando e ameaçando todo mundo porque ninguém deixou de ver o que gosta para prestigiar seus entretenimentos sem graça. Agora chamam de "evolução" a retirada de "Tom & Jerry" do catálogo de uma empresa de demanda de vídeos, para mim uma tentativa de apagar um pedaço da história, porque o contexto das animações clássicas era outro e, assim como há quem diga que ninguém vira psicopata por jogar RPG e vídeo game, ninguém virou serial killer por causa dos desenhos antigos.

            Não sendo isso o bastante, essa gente que se leva à sério mais do que a própria seriedade começou a usar de seu enviezamento político, religioso, ideológico, psicopático para acusar os que não compartilham de seus gostos pessoais de serem inimigos dos oprimidos. Repentinamente, enquanto eles mesmos desejavam em público mortes lentas e sofridas para seus desafetos, pessoas que simplesmente respondiam com "Vai se lascar, corno" passaram a ver suas publicações censuradas, tendo como respostas dos censores discursos prontos que não explicam absolutamente nada. O tal algoritmo já "confundiu" uma imagem de Dom Pedro II com uma campanha da apologia às armas de fogo... e apagou a imagem do perfil de quem a postou... e ficou por isso mesmo. Notaram o sistema de pesos e medidas diversos? Incentivar a violência e a depredação tornou-se um direito de quem compartilha da ideologia ou religião (que no fundo são a mesmíssima porcaria) do censor de rede social, mas basta um do outro grupo escrever "foda-se" para receber bloqueio por uma semana ou mais, bastando uma besta cúbica denunciar como ofensivo. Eu já denunciei certa feita alguém incentivando à depredação, o que recebi DIAS DEPOIS foi uma resposta de "marcaremos como algo que você não quer ver"... Ou seja, não aparece mais para mim aquele tipo de postagem daquelas pessoas específicas, mas elas continuam lá.

            Se houver o discurso certo, é permitido ao usuário escrever "vocês sabem como os franceses protestam, não sabem?" para incentivar a destruição do patrimônio, basta haver o discurso certo com uma justificativa condizente com o pensamento do censor, como "eles se importam mais com vitrines do que com pessoas", mesmo sem conhecer as pessoas que estão acusando de desumanidade, mas o simples facto de ser do outro lado já activa o preconceito dos que lutam contra os preconceitos... dos outros. Nesse mesmo pacote de hipocrisias às claras, perfis de ditaduras e ditadores são mantidos intactos, assim como os de seus financiados, sempre com discursos pseudointelectuais idiotas e vagos como resposta a quem indague a respeito. Foi preciso que uma a Taiwan se reportasse para que UM perfil do PCC fosse posto em quarentena, tão somente em quarentena. Foi preciso que um Estado intervisse para que pelo menos isso acontecesse. O conteúdo? Justificativas à perseguição e prisão de minorias étnicas na China continental. As denúncias de pessoas comuns não surtiram efeito, mas se essas pessoas comuns se atrevem a justificar um revide como retaliação de guerra, pode ter sua conta cancelada por "discurso de ódio". Uma ditadura pode fazer isso, em redes sociais que são notória, aberta e assumidamente proibidas em seus territórios.

            Não me refiro a uma rede em específico, porque praticamente TODAS estão agindo assim, como candidatos ao grêmio estudantil, prometendo justiça e liberdade, mas tornando-se tiranos inescrupulosos assim que chegam ao poder, disseminando os dedos em riste, censurando opiniões divergentes das suas, editando notícias para só o que lhes interessa ser lido pelos asseclas e retaliando sem hesitação, sempre se fazendo de vítimas de suas vítimas. Sim, eu me lembro, cada grêmio se tornava uma nano ditadura sustentada pelo erário. E cada rede social está se tornando uma também. Bastou aparecer o momento certo e todas estão se mostrando como realmente são. Canais inteiros tirados do ar por divulgarem suas próprias opiniões, que não batem com as dos censores de redes... mas os canaizinhos das ditaduras de estimação estão lá, bem como de "jornalistas" levados para conhecer e falar bem delas. E eu já cansei de mostrar desmentidos, mas meus... "amigos"... ignoram solenemente, continuando a mostrar como o ditador é bonzinho e o democrático é perverso... só vêem o que suas ideolopradas permitem e ignoram o resto, como em uma igreja fundamentalista.

            Não foi à toa que Elon Musk apagou as contas da Tesla, exemplo seguido pela Chevrolet, e em ambos os casos a saída não surtiu nenhum efeito negativo, pelo contrário, o pessoal que estava se descabelando com comentaristas nonsenses, inconvenientes e até mesmo militantes apontando seus dedos acusatórios, agora estão lidando com o estresse normal das relações públicas com clientes e autarquias, dando retorno e justificando seus vencimentos. A divulgação das marcas que estão saindo voltou a ser de total controle dessas marcas, em seus sites, seguindo seus próprios critérios e atingindo sua clientela. Claro que eu lamento de não ter mais um canal de conversa com eles, mas compreendo plenamente, é dor de cabeça demais para retorno de menos. Se por telephone já é difícil controlar os ímpetos de um reclamante indignado, imagine controlar os ímpetos pubianos de gente que simplesmente quer atrapalhar, e de gente que pratica o "ódio do bem" que citei, em milhares de comentários e denúncias orquestrados em turma! Para empresas, não existe conta grátis... para ninguém é na verdade, mas são eles que tiram directametne de seus bolsos.

            Então aos que estão fartos disso, voltem aos seus sites, sejam páginas grandes ou meros blogs como este. No que é seu a censura é muito mais difícil e suas publicações só vão atingir o seu público, vocês sentirão a diferença logo nos primeiros dias. Poder escrever alguma bobagem qualquer, só para descontrair, sem ver dedos apontando para a sua testa ainda é possível, dentro do seu espaço pessoal, fora das redes. Decerto que a divulgação em uma rede é bem mais eficiente, mas essa é uma das armas de sedução dos censores de internet, que assim te obrigam a moderar sem necessidade real até que o que sair de seu teclado já não terá nada mais a ver com o que tu pensas. Não digo para saírem de todo dessas  redes porque isso seria dar espaço aos idiotas referenciados, eles simplesmente não podem se sentir à vontade para soltarem tudo o que querem e contra quem querem, porque qualquer um de nós pode ser alvo desse desvairo. Além do mais, em compartilhamento reservado as redes AINDA são uma ferramenta eficaz para divulgação de suas páginas independentes, bastando que o compartilhamento seja feito apenas a quem realmente interessa. Abandonar as redes sociais AINDA é uma utopia, mas pelo bem de sua sanidade mental, voltem para seus blogs!

07/01/2021

A caixa

 


            Abriu com cuidado a caixa e, em princípio, não vê grande coisa. É apenas uma caixa não muito grande embrulhada em papel listrado de dourado e vermelho com os laços dourados pendentes. Levanta-a com cuidado e uma luz começa a surgir, até surgirem algumas formas. Aos poucos a carinha de decepção se acende em um sorriso singelo exibindo a falha do primeiro dente que caiu. As formas tornam-se nítidas em cores vivas, então o sorriso se escancara.

            As luzes piscando nos enfeites são um deslumbre, como se fossem estrelinhas que vieram visitar as pessoas, para ela realmente são e tem vontade de ir com elas para o céu, brincar na lua e quem sabe rever sua avó, que também virou estrelinha e vive vigiando-a lá do céu, para que não faça danuras demais.

            Vê carrinhos de muitas cores reluzentes, vários modelos e tamanhos, que andam e acendem os faróis. Ri singelamente vendo que todas as portas se abrem e os pneus são de borracha de verdade. Olha tudo ao redor e é incapaz de contar quantos são, mas são todos lindos. Se imagina viajando para longe em cada um deles, como toda criança com um carrinho costuma imaginar, levando a família para a praia, a montanha e até para algum mundo de desenho animado.

            Vê também bonecas aos montes, de inúmeros tipos, com roupinhas que balançam suavemente quando mexem as pernas e braços, cabelos com penteados que não consegue contar quantos estilos são, os longos balançam em ondas a cada movimento da cabeça como se tivessem vida própria. Os sorrisos brilham como nunca viu em nenhuma outra boneca. Se imagina fazendo festas e visitando cada uma delas, conversando enquanto tomam chá e assistem televisão.

            Ainda vê doces, muitos doces. Em cores, formatos e tamanhos tão diversos que parecem mais bichos do fundo do mar, cujos nomes sua pouca idade e falta de familiaridade com o litoral não deixam saber, mas não importa, apenas escancara seu sorriso pueril já se imaginando a degustar tudo aquilo, mesmo que depois vá levar bronca da mãe.

            Ela, aliás, observa seu rebento sem esconder a emoção. Vê a menina olhando para a televisão por aquela caixa sem fundos como se fosse a coisa mais maravilhosa do mundo. Não consegue segurar as lágrimas, mas chora em silêncio para não estragar sua efêmera alegria, vendo-a se entreter com a mesma caixa vazia e sem fundo que recolheu do lixo no ano passado, na esperança frustrada de que poderia finalmente colocar lá dentro alguma coisa que pudesse chamar de presente.