Monument honoring the sacrifice of Private Obregon |
O caso do ego é um
pouco complicado. Eu digo “um pouco”, porque se disser o quanto realmente é,
ele infla e fica insuportável.
Imaginem uma estátua
e seu pedestal. Imaginem a estátua que quiserem, seja uma figura humana
completa, um animal, um busto, uma escultura abstrata, um totem, enfim, o que
lhes apetecer. Agora imaginem um bom pedestal, digno dessa estátua. O cenário
fica à escolha, freqüentado ou não, privativo ou público, dia ou noite, qualquer
estação do ano, tempo aberto, nublado ou totalmente fechado; tanto faz, neste
momento. Mais tarde procure teu terapeuta e relate a ele os pormenores, não a
mim.
Pergunto agora, dois
pontos: Qual a função da estátua e qual a do pedestal? Bem, vamos ao princípio.
A estátua é a obra de arte em si, que bem poderia ser colocada no chão, mas
então sua própria base faria o trabalho de pedestal. Algumas obras, porém, por
sua própria natureza, não ficariam de pé sem o suporte adicional. De toda forma,
um pedestal adequado destaca a obra e valoriza o que ela tem a oferecer, muitas
vezes contando com informações básicas, às vezes até técnicas.
O tamanho do pedestal depende muito do tamanho, da natureza
básica e das funções da estátua. É por isso que não basta ir metendo o formão
na pedra, precisa-se ter em mente o que se deseja ou precisa obter com a
estátua que está lá dentro. Uma estátua grande em um pedestal muito pequeno,
não permite inserir neste um quadro informativo adequado, é como se a obra
estivesse ali apenas como enfeite sem propósito. O mesmo para uma estátua bem
feita em um pedestal feio e mal acabado, por mais bonita que ela seja, vai
passar uma impressão muito ruim.
O oposto também tem
seus problemas. Um pedestal desproporcionalmente grande pode ofuscar a estátua,
que se for menos bem acabada do que aquele, ficará em segundo plano e todo o
trabalho que se teve, desde a pedreira até a instalação da obra, terá sido em
vão.
Quando existe uma
boa proporcionalidade, e quando digo “boa” existe uma larga margem de variação,
inerente ao próprio ser humano, um pedestal gigantesco e ricamente decorado não
só não ofusca como valoriza a estátua, até dá suporte a outras estátuas menores,
como se fossem vários pedestais ao redor do principal. Cada maluco tem o
suporte e a apresentação de que sua maluquice necessita, ou deveria ter.
Imagine tua
existência pura e intangível, também imagine o teu ego, que é a manifestação da
tua existência. Sem ele a manifestação da existência no mundo seria apenas uma
teoria. Mas sem ela, a existência em si, o ego não passaria de uma fantasia,
uma máscara que nem rosto teria para cobrir. Lembrem-se, o ego dá suporte à
existência no mundo. Parece claro? Para muita gente não.
Quando se lega à
estátua a função de pedestal, ela simplesmente fica de ponta-cabeça. Ela não
faz sentido. A não ser que o escultor tenha feito isso de propósito, e então
ela teria uma base sólida e uma estrutura reforçada para se apoiar. Mesmo
assim, uma estátua invertida tenderia a ser muito frágil, mesmo com o pedestal
na cabeça, enquanto a que está simplesmente invertida sem base adicional é
extremamente instável; a não ser que parte dela seja enterrada em solo bem
compactado, mas então parte da estátua fica virtualmente anulada. Dependendo do
tamanho do pedestal, que está no topo, ela ficaria enterrada até os ombros,
eliminando-a virtualmente em favor de sua apresentação formal ao mundo.
É o que acontece
quando uma pessoa quer esconder uma característica, ou ao menos maquiá-la. Não
confundir o querer esconder com não querer dar satisfações, é parecido, mas
completamente diferente, como comparar a coral falsa com a verdadeira. Com o ego
lá em cima, o esforço da estrutura para sustentá-lo é muito grande, e ele mesmo
praticamente inútil porque não só fica sem função prática, como pode impedir o
acesso à plaqueta de identificação e informações, ou fazer com a inversão que a
compreensão seja completamente equivocada.
Uma estátua
demasiadamente grande e bem feita em relação ao pedestal é como uma
personalidade incrível e fantástica, mas que a maioria pode não compreender. Ainda
que os passantes a admirem, darão mais valor e assim preservarão melhor
estátuas menores, que lhes pareçam mais simpáticas, mesmo que sejam aberrações.
Um pedestal pequeno e mal planejado pode até mesmo passar a impressão de que
aquela belíssima estátua não tem importância.
É o que acontece com
muita gente que busca conteúdo acima de tudo, mas o guarda todo para si, ou
despreza as coisas do mundo como se ainda não dependesse dele para existir. Não
importam as intenções mais elevadas, sua subsistência ficará comprometida e sua
comunicação com o mundo totalmente truncada, o que tornará sua nobre jornada
espiritual apenas um capricho. Quem conhece um pouco e pratica espiritualidade
com um mínimo de equilíbrio, sabe do que estou falando. O mesmo vale para
intelectuais que passam a desprezar quem não tem o seu conhecimento e não adora
seus ídolos racionalistas. Em ambos os casos, a tendência ao isolamento é
iminente, bem como a submissão ao ídolo escolhido. Alguma semelhança com o
fanatismo político e religioso, não é mera coincidência.
É, infelizmente, o
caso de esposas e filhos que se anulam em prol do pai ou marido, acreditando
que sua santidade um dia vai demovê-lo de seu caráter dominador, que justificam
e caçam encrenca pelos seus desmandos. Também há casos de maridos e pais
oprimidos, claro, não sejamos injustos, ser anulado e oprimido é um direito torto
inerente a todos.
Um pedestal
demasiadamente grande também atrapalha. Ele pode ficar tão repleto de informações
e adornos, tão agigantado em relação à estátua que suporta, que esta
simplesmente desapareceria do público. Seria necessário sobrevoar a obra para
vê-la. Em muitos casos esse pedestal exagerado até mesmo impede qualquer outra
instalação por perto, chegando a exigir até mesmo uma cerca, para não servir de
encosto, porque a tendência do público seria vê-lo como um muro cheio de
inscrições. O escultor ficaria possesso, com toda razão, mas se é essa a forma
como a estátua é apresentada ao mundo, então é assim que o mundo vai tratá-la,
com o desprezo reservado ao que pretende ser grandioso, mas só atrapalha.
É aqui que entram os
cidadãos com egos inflados, que tentam aparentar e acreditam ser mais do que
são, que se consideram a última bomba de chocolate puro da confeitaria em dia
de promoção. Não que sejam más pessoas, a maioria não é, consegue até mesmo ser
gente fina em muitas circunstâncias. Acontece que é preciso vencer a
resistência do vento solar para chegar ao Sol, e muita gente, mas muita gente
mesmo vai achar que o esforço não vale os benefícios, que nem quer saber se são
realmente valiosos.
Aqui vai um adendo,
o caso dos memoriais. Eles são em si a obra e o pedestal, porque sua função transcende
a forma e a estética; Apesar de haver muita picaretagem de artistas
apadrinhados que, meu Deus! São um desperdício de mármore. Mas ser um memorial
não é para egos isolados, é tarefa para uma comunidade, quiçá uma nação
inteira. Então, meus amigos, poupem-se de esforços ingratos, só conseguirão infeccionar
seus egos e eles vão iludí-los com seu tamanho avantajado, mas serão
extremamente delicados e doloridos.
Ao contrário do que
ocorre com os monumentos de pedra, os nossos monumentos arquetípicos podem
crescer ou encolher, ficar mais grosseiros ou polidos, acrescentar ou omitir
informações, até mesmo mudar de forma e proporções. Ou seja, nossos extremos
psicológicos podem ser equilibrados. O ego pode ser expandido e recolhido, sua
plaqueta informativa pode ser resumida ou ampliada, seu acabamento pode ficar
mais áspero ou até espelhado, de acordo com a necessidade. Isso são as
máscaras, que não necessariamente escondem nossas personalidades, mas informam
ao mundo nossa maior ou menor aptidão ao entrosamento e às demandas que ele
apresenta. Todas as máscaras, devidamente e bem utilizadas, dizem a verdade a
nosso respeito, ou ao menos a parcela da verdade que nos convém naquele
momento. Nem a pessoa mais extrovertida do mundo é extrovertida o tempo todo, o
oposto valendo para a mais reclusa... Não em se tratando de pessoas minimamente
hígias.
Sem o ego, seríamos
apenas fantasmas extremamente etéreos, sem nem mesmo forma, volume e capacidade
de impressão definidos. A apologia ao ego, que acomete muita gente que consegue
poder e prestígio, por outro lado, pode anular tanto a essência, que tornam-se
com o tempo pessoas frias, insensíveis ao sofrimento alheio e capaz sem
remorsos de imprimi-lo, não importa o quão indefesa seja sua vítima, por vezes
apenas para reafirmar seu poder, seja para si, seja para os que o cercam.
Certo, já destilei a
peçonha. Qual o antídoto? Resposta: Autoconhecimento. É um caminho íngreme,
pedregoso e escorregadio, mas é o único caminho. Há espinhos, muitos espinhos,
mas todos eles cresceram no solo que foi fertilizado pelas tuas próprias
idéias, por isso é tão importante começar e se permitir se conhecer o mais cedo
possível, preferencialmente logo na segunda infância, quando já não somos mais
bebês fofinhos e inocentes... Ra, Ra, Ra, Ra, Ra... Inocente é aquela plantinha
que o pestinha arrancou sem a menor necessidade.
E como chegar ao
caminho longo e doloroso do autoconhecimento? Procure um profissional capacitado,
ou sofra sozinho e corra os riscos de descobrir por sua conta. Funciona, mas
dói mais e o risco de pegar atalhos é grande; Atalhos, neste caso, SEMPRE são
armadilhas.