Chevrolet Caprice 1992. |
Eu
já falei aqui várias vezes sobre os altíssimos custos de se fabricar um automóvel,
da imensa demanda necessária para justificar o desenvolvimento de um modelo
novo, de o quanto os melindres do mercado consumidor podem ser letais para um
carro que tinha tudo para ser um sucesso de vendas. Pois bem, meus amigos, as
coisas não mudaram, não nos moldes tradicionais. Os famigerados SUVs continuam
hipnotizando gente que se deixa levar por apelos baratos e ignora os perigos
desses trambolhos sobre rodas, deixando os carros tradicionais de verdade com
demandas tão baixas que sua produção está se tornando dia a dia mais desvantajosa,
a ponto de alguns terem dado prejuízo até saírem de linha; basta ver o opulento
e saudoso Impala e o espaçoso familiar Caprice. Diga-se de passagem, espaço
interno é um dos maiores pontos negativos dos trambolhos SUV.
Justamente
por ser tão caro e demorado começar um carro do zero, os pequenos fabricantes
quase sempre se valeram de comprar plataformas já prontas das grandes
montadoras, às vezes isso incluía pacotes tão cheios (com chassi, suspensão,
mecânica, rodas, painel e até acessórios originais) que esses carros de baixa
produção, chamados fora de série, às vezes eram apenas Fuscas com carrocerias
diferentes e acabamento geralmente melhorado; exceto os bugues, que quase
sempre não têm acabamento nenhum. Os primeiros modelos da saudosa e agora
renascida Puma são o exemplo mais contundente, ela comprava toda a parte de
baixo com mecânica e aparatos essenciais dos Volkswagen refrigerados a ar, se
dava o trabalho de encurtar o chassi pois os Pumas eram bem menores, então
colocava seus carros em cima. O resultado era um conjunto mais leve e aerodinâmico,
que conseguia desempenhos bem superiores aos dos originais.
Durante
a era de ouro, em que a Puma quase chegou a fazer parte da ANFAVEA, essa estratégia
assegurava não só a manutenção dos custos em níveis aceitáveis, mas também
reduzia prazos já que o carro vinha praticamente pronto para receber a carcaça,
aumentava a confiabilidade com uma mecânica consagrada, seduzia o cliente com a
possibilidade de encontrar mão de obra em qualquer lugar do Brasil e na maioria
dos outros países, permitia desfilar com os anêmicos 52 cavalos originais ou
acelerar com mais de cem cavalos preparados de fábrica, enfim, era uma zona de
conforto incrivelmente sólida, tudo porque o fabricante começou e usou por
muitos anos uma plataforma que era utilizada por muitos outros pequenos
constructores. Só tardiamente começou a fazer sua própria plataforma, mas isso é
outra conversa não tão bem-sucedida. Cem cavalos para a época era muita coisa.
De
quebra a Volkswagen tinha um pequeno abatimento de custos, pela escala de produção
de uma plataforma que já era vitoriosa e já estava paga há décadas,
principalmente porque seus clientes nem de longe eram concorrentes, pois
atendiam mercados de nicho que simplesmente ainda hoje não interessam às
grandes montadoras, é uma demanda pequena e muito pulverizada em vários
interesses distintos, para uma produção em larga escala. E esses fora de série
ainda serviam de laboratório, testando na prática a mecânica da montadora em
situações que os carros de linha normalmente não enfrentam. Na verdade hoje
mais do que na época, dada a monotonia de modelos e a completa falta de estilo.
Daí outro motivo para eu ter raiva da VW! BURRA! BURRA! BURRA!
Bem,
como se fosse novidade, as plataformas modulares estão voltando à pauta, desta
vez pensada para os carros eléctricos, mas não há lei que impeça alguém de
tirar a parte original e trocá-la ou então complementar com uma mecânica a
combustão. Alguns fabricantes oferecem modelos altamente modulares, que podem
ser transformados rapidamente e atender a várias necessidades sem que o cliente
precise comprar mais de um carro. Para quem não tem uma empresa grande com
necessidades padronizadas específicas, poder trocar a carroceria com relativa
facilidade é uma boa idéia, embora isso não seja trabalho para leigos e não
dispense um mínimo de ferramental, mesmo que seja o caso de apenas acoplar e
desacoplar peças, que seriam pesadas para uma pessoa só.
Também
há empresas interessadas em fabricar só a plataforma, ou seja, o assoalho com
motor e baterias. Neste caso específico o complicador aumenta, porque o cliente
teria que produzir sua própria carroceria e agregados, e hoje em dia é muito
difícil homologar um carro, por conta dos testes de segurança e dos equipamentos
mínimos exigidos. Entretanto, para um pequeno fabricante, por mais baixa que
venha a ser a produção, isso é excelente! Uma empresa disposta a atender a
baixa demanda ainda existente por sedãs e peruas poderia se valer dessas
plataformas, que se atingirem um nível de produção razoável ainda garantirão a
manutenção e reparos mais prontos e fáceis. Não é trabalho para amadores, mas não
é um bicho de sete cabeças para um profissional, ainda mais se esses pequenos
fabricantes se valerem do máximo possível de componentes fornecidos a outros
fabricantes, focando esforços no design e no acabamento.
Mas
quem seriam os compradores desses sedãs, hatches e peruas? Provavelmente os
frotistas seriam os maiores clientes, junto com as locadoras. A Hertz queria
assumir a fábrica do Cruze em Ohio, mas a GM negou afirmando que a demanda da
locadora não era suficiente para manter a produção, o que foi mais uma burrice,
já que eles se dispuseram a assumir os riscos. Depois viriam os governos e
taxistas, para quem os trambolhos que estão na moda são contraproducentes, com
consumo e custo de manutenção maiores do que os dos carros de verdade, além dos
preços muito maiores para veículos que vão cumprir com as mesmas funções. Por último
os felizes clientes fiéis dos carros de verdade, hoje órfãos e praticamente com
a faca no pescoço para comprarem aqueles trambolhos, se quiserem um carro novo.
Ter
um público fiél não significa ter demanda para uma linha de montagem
tradicional. Com essa nova chance para os pequenos fabricantes o problema seria
resolvido, embora mesmo a redução dramática de custos ainda assim não baste
para tornar modelos de baixa produção tão baratos quanto seriam, se saíssem de
uma Toyota da vida. Digamos, um sedã médio, de uns 4,7 m de comprimento com o básico
de acesórios, poderia sair por mais de R$ 90.000,00 para o consumidor final,
dependendo do volume da produção, mas ainda assim seria uma opção que
virtualmente não existe mais para uma demanda que ainda existe, apesar de
reduzida. Mas enquanto um modelo de larga escala não possa mais ser pensado, em
todas as versões de carroceria, para menos de um milhão de unidades, os de
baixa demanda podem se programar para cinqüenta mil unidades para toda a vida
do modelo, antes de ser remodelado ou substituído por um novo.
Já
o restrito mercado dos carros de lazer, como conversíveis, pequenos coupés,
bugues e afins, voltaria a ter uma garantia de qualidade que as gambiarras a
que foram legados raramente permitem, por um custo de produção abaixo do
proibitivo. Para quem ainda prefere os carros a combustão, e é muito, mas
muuuuuiiiito mais gente do que vocês podem imaginar, o sucesso desse negócio não
tardaria a fomentar novos fornecedores, que na América e na Ásia ainda seriam
poupados da pena capital por fabricarem plataformas a combustão, ainda que
precisassem hibridar. Aliás, um motorzinho eléctrico com cerca de 10% da potência
do principal em um eixo que não tem tração, já ajuda muito, não precisa gastar
os tubos e deixar o carro pesado para as coisas funcionarem. Com o auxílio de
um bom designer pode-se pegar um desenho já consagrado, fazer retoques
suficientes para evitar processos por plágio e começar a empreitada. É um
caminho íngreme, mas se a pessoa estiver devidamente preparada e motivada, pode
conseguir seu recanto no mercado automotivo.
O
lado B dessas plataformas modulares é justamente o consumidor final, o cidadão
que quer fazer um carro exclusivo ou vestir essa plataforma com uma estrutura já
existente. Embora não seja coisa de outro mundo, montar um carro, mesmo com peças
já prontas de fábrica, requer conhecimentos mínimos, ferramental próprio e uma
dose de experiência que varia com a complexidade do que se pretende. Uma
montagem mal executada renderia no mínimo desconfortos e dores de cabeça, como
entrada de água e poeira por vedação deficiente, ruídos irritantes e
persistentes por fixação e/ou instalação mal pensadas, sobrecarga ou mal
funcionamento por falta adequada de funcionamento da parte eléctrica, até mesmo
peças de acabamento saindo na mão do ocupante. Isso no mínimo, porque um
projecto mal feito pode gerar danos estruturais graves em uma simples curva em
velocidade um pouco maior, ou com carga plena, por falta de rigidez da
estrutura, daí para um acidente fatal não falta muito. E eu estou falando
apenas da parte funcional.
O
risco de o comprador simplesmente odiar o resultado final também é grande, por
falta de noções de design e por escolher estilos que simplesmente não conversam
entre si sem a intervenção de um profissional experiente. Imagine gastar cem
mil reais, mais um ano de trabalho no mínimo, e querer mastigar os próprios
cotovelos ao se afastar um pouco e ver o resultado. Muita gente sonha com uma réplica
de Lamborghini, muito mais gente fica com cara de “que diabo é isso” quando vê
o resultado de meses de trabalho árduo e dispendioso. Em vez de um Gallardo o
coitado descobre que fez um “Gargalhardo”. Por isso aos aventureiros
individuais sem grande expertise, recomento importar um kit car de um bom
fabricante para vestir suas plataformas, já avisando que não temos fabricantes
de kit car no Brasil; constrangedoramente, nas minhas pesquisas por sites
nacionais eu quase que só encontrei kits para carrinhos de cachorro-quente e
picolé. Por outro lado uma carroceria pronta para montar evita os dissabores e
reduz os prazos, garantindo que a pretensão de uma boa réplica será alcançada.
O custo, por ser um pedido simples, será alto, mas menor do que os gerados por
contratempos de uma execução insatisfatória.
Também
por conta da forte indústria de kit cars no exterior, especialmente nos Estados
Unidos, um pequeno fabricante hoje teria muito mais chances de sobreviver e
prosperar, seria virtualmente apenas ajustar e montar as peças. Ainda que a
produção seja muito baixa, de poucas unidades por ano, a necessidade de um
estoque e um contracto assinado para fornecimento já asseguram insumos a preços
menores, ainda mais com um povo que gosta de negociar. Com o tempo esse pequeno
fabricante poderia desenvolver seu próprio design, quem sabe atender pequenos
mercados profissionais com veículos mais funcionais do que esportivos, gerando
volume e reduzindo os custos unitários, isso aceleraria a circulação de capital
e enrobusteceria a empresa. Pronto, o que era um hobby e tinha se tornado um
simples ganha-pão, agora traz prosperidade à família.
Uma
opção seria comprar os kits para montar como prestador de serviço, deixando
toda a responsabilidade legal para o cliente, assim não se configuraria plágio,
para todos os efeitos o seu cliente comprou o kit e contractou seus serviços
para a execução do projecto. Hoje se compra um kit Aventador de boa procedência
por menos de dez mil dólares, para exemplificar uma das réplicas de maior
demanda. Há os que imitam carros pré-guerra, mas são mais utilizados em competições,
já kits de sedãs, peruas e utilitários de verdade virtualmente não existem,
demandariam projectos específicos e custos mais altos para clientes que não estão
interessados em gastar e esperar demais, então só se justificam se houver
demanda para uma linha de montagem. O lado bom é que uma vez conseguida uma boa
clientela, como prefeituras, locadoras e empresas de táxi, a produção estaria
assegurada por um bom tempo com essa demanda. Via de regra, esses clientes são
bastante exigentes com custos de manutenção e confiabilidade, quesitos bem
atendidos pelas plataformas eléctricas e as que usam mecânicas tradicionais.
Usar um carrão americano tradicional como modelo, com algumas reestilizações, já
atrairia a simpatia dessa clientela. A grande vantagem de uma banheira dessas,
que pode passar dos 5,6m de comprimento, é que não desperta cobiça, isso inibe
o uso indevido pelos funcionários, especialmente os mais jovens, e desperta
pouco ou nenhum interesse de meliantes. Claro que tentar copiar o Opala e fazer
uma estilização para evitar problemas com a Chevrolet também vale a pena.
Um
ponto que quase todos se esquecem é que não basta saber fazer bons carros para
lograr êxito neste ramo, trata-se de um mercado extremamente complexo, com mais
detalhes e nuances do que um graxeiro está disposto a ficar atento. É preciso
primeiro saber como conseguir que o seu carro consiga sair à rua e voltar para
casa, sem que a polícia o leve embora. O Brasil tem uma burocracia tão absurda,
idiota e onerosa quanto sua legislação tributária, por isso é preciso ser um
bom administrador ou contractar um para o serviço, o que está fora das
possibilidades de um fabricante de fundo de quintal; Vamos estudar, meus
amigos, centro de gravidade baixo não legaliza o carro. Saber lidar com as
pessoas e conciliar interesses é de suma importância para quem quer viver desse
ramo, porque a cadeia produtiva é gigantesca e vocês vão encontrar todo tipo de
criaturas estranhas e bizarras, com quem terão que travar negociações que podem
ser bem longas; entenderam agora a necessidade de um bom estoque?
Ainda
que terceirizando, para tudo caber no orçamento de uma fábrica recém-nascida, É
necessário ter o amparo de um contador, um engenheiro mecânico como responsável
técnico, uma empresa para descarte e destinação dos resíduos, e se for o caso
de um administrador experiente. Resolvido esse problema, minha sugestão é não
economizar com matéria-prima, mão de obra e design. Mesmo que vá realmente
pegar um Opala para embasar o seu carro, o serviço de um designer competente
manterá a identidade e a invejável harmonia de proporções do clássico, fazendo-o
parecer uma evolução e não uma cópia mal retocada. Ter personalidade própria,
mesmo se for vender para frotistas, ajuda muito a convencer o cliente. Espero não
ter assustado vocês, mas é sempre necessário mostrar o quão íngreme e tortuoso
pode ser um caminho. Não é só para o mundo automotivo, qualquer ramo econômico
vai espalhar armadilhas no seu caminho, muitas delas estarão camufladas no
ambiente ou serão apresentadas como boas oportunidades.
Não
é demais repetir isso, para não ter dores de cabeça, na hora de regularizar,
consulte e estude bem a legislação:
Veículo Artesanal - (Resolução nº 699, de
10/10/2017) (caterg.com.br)
Como legalizar um carro artesanal - Revista Hot
Rods
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elétricos de 600 cv - Quatro Rodas (abril.com.br)
Este carro elétrico pode ser montado em casa como
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REE demonstra sua inovadora plataforma de carros
elétricos do futuro - Stylo Urbano
Links
úteis:
Kit Car List of Auto
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Delahaye USA -
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Dur-A-Flex
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Roadster, Hot Rod, & Supercar - Factory Five Racing
2 comentários:
Mai um post fabuloso, analisando em muitos aspectos o desejo, a demanda e possíveis opções de carros que gostamos muito e estão desaparecendo, como areia entre os dedos ! Por isso que sigo e leio todos os posts aqui desse Blog ! Faco uma sugestão de post sobre os hábitos infantis (cultural) dos brasileiros no transito, desde motos de pequeno motor com escapamentos irritantes e estridentes a agressividade nas ruas e a absurda inépcia das autoridades de transito em implantar controle de trafego que vise a fluência do Transito e não apenas multar e fazer faixas exclusivas de ônibus que ficam vazias e inutilizáveis 90% do tempo. Um forte abraco Nanael !
Sugestão recebida e acatada. Farei o texto.
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