22/07/2020

Pandenóia

Arte de Banksy, exceto a máscara, Inglaterra


            Eu limpo e esterilizo a sala logo na primeira hora em que chego, e sou sempre o primeiro a chegar. Depois vem alguém e passa álcool novamente, mesmo eu já tendo alertado que o fizera, mas a pessoa retruca “Antes pecar pelo excesso do que pela falta”. Dez minutos depois a mesma criatura refaz o procedimento na mesa inteira, mesmo que não tenha utilizado o aparelho, e assim vai durante todo o expediente. E cada vez que o telephone é utilizado, mais uma camada de álcool é passada, felizmente as janelas daqui são relativamente grandes e estão sempre abertas. Mais do que esse comportamento obsessivo, que já vai às raias da higiopatia, chama a atenção o facto de todos os outros acharei isso normal; ou “novo normal, como reza a nova idiotice do vocábulo midiático repetido à exaustão pelos paranoicos passivos. Há muitos anos que as vendas por internet crescem vertiginosamente, em alguns setores já superaram as lojas físicas correspondentes, em especial no mercado editorial. É incomparavelmente mais barato e o alcance é inimaginavelmente maior, isso já acontecia inclusive nas vendas de automóveis.

            A falta de hábito, ou até desconhecimento de sites especializados em economia e tecnologia corrobora para isso, porque neles os leitores habituais já estavam de sobreaviso para o novo mundo nascente, que agora sai por cesária. Infelizmente os paranoicos não vêem esses canais, na maioria das vezes os rejeitam, porque eles jogam na cara a fragilidade das informações de que se gabam em seus proclames simplistas e decorados por retóricas vultuosas. É na forma que se concentram e com ela que se deslumbram, o conteúdo geralmente lhes é indigesto. Às vezes, tão somente às vezes e não em todos os casos, dizem que não estão a par para terem opiniões, mas opinam subliminarmente assim mesmo, depois voltam a repetir “Currupaco! Pandemia! AAAAAAAAH!!!” para todo mundo ouvir. Acreditar que tudo isso é novidade dá a sensação de que estão na vanguarda e, de alguma forma, no controle de uma situação totalmente descontrolada, que é a própria vida.

            Em primeiro lugar, todas as mudanças econômicos que estão acontecendo JÁ VINHAM ACONTECENDO desde o início do século, algumas desde os anos 1990. O que essa pandemia fez, como toda crise global, foi acelerar tudo e fazer gente tirar projectos que jaziam em suas gavetas.
            Em segundo lugar, micro-organismos não são gatos de senso comum, eles só morrem uma vez, lavar e esterilizar alguma coisa obsessivamente não torna o ambiente mais saudável, pode até mesmo estragar tanto os utensílios quanto a própria pele do indivíduo, pele que é a primeira barreira contra contaminações.
            Em terceiro, mas não menos importante lugar, o foco monopolizado induz à displicência para com as outras actividades, que não por acaso são os fins de um ambiente de trabalho, às vezes até mesmo o doméstico; como deixar computadores freqüentemente ligados e abertos na senha do funcionário, não raro varando a noite assim, à mercê de espertos e de hackers. Vi agora a pouco um caso desses com a cafeteira nova… que passou a noite ligada… agora estão limpando a bagunça. Imaginem isso no trânsito. Imaginaram? Pois já vi também.

            A voracidade com que devoram notícias repetitivas, que falam a mesma coisa com sotaques diferentes sobre a pandemia, sempre noticiadas como se TODOS os locutores tivessem exactamente o mesmo texto em mãos, não se repete na indignação que deveriam ter com as notícias de abusos das castas do judiciário e do legislativo. Tentar mudar de assunto é quase infrutífero, sempre voltam repetindo a ladainha “A pandemia do covid 19 do novo coronavírus” como se tivessem memorizado um script de filme B, não raro perdem as estribeiras ao menor desvio de tópico, te acusando de negar a crise sanitária e de ser uma ameaça epidemiológica para toda a humanidade, acrescentando “você não é epidemiologista” a cada frase dita com rudeza. Após destilarem sua raiva, voltam a conversar como se nada tivessem feito, ou pior, como se estivessem em seu direito régio de fazê-lo, o que é muito comum. Depois de te irritarem, pedem calma… Dão a entender que querem que essa situação dure para sempre.

            O comportamento se assemelha ao que me acostumei a ver em dependentes químicos, mas ao avesso, porque aqui a pessoa se tranca em uma bolha de realidade pior do que a própria realidade, e não tolera receber uma boa notícia a respeito que não venha acompanhada de um alerta de que todos vamos morrer. Eles simplesmente QUEREM ver notícias ruins, contando infecção por infecção, morte por morte, caçando canais e sites que repitam cada má notícia a respeito; paralelamente minimizam qualquer bom progresso. Ainda em comum, eles defendem os fornecedores de suas drogas com unhas de dentes, como se fossem seus únicos elos com a vida. Essa auto-obsessão já seria suficientemente ruim se estivesse limitada ao indivíduo, mas ele insiste que todos devam agir como peru de natal. Manter a calma não é um problema, se você conseguir NÃO aparentar estar mais calmo do que eles, porque isso pode soar-lhes como inapropriado ou até ofensivo para uma época de emergência sanitária. Não obstante, os profetas apocalípticos oportunistas ganharam mais um tijolo para servir de palanque, para alardearem que a humanidade não presta e que o mundo está se livrando de nós, tudo salpicado de discursos antissistema que saíram de moda nos anos 1970; as grandes extinções, que me conste, não afetaram seres humanos.

            Eu não contesto a necessidade de evitar aglomerações, mas não é exactamente isso que eles têm feito, porque mesmo Róbinson Crusoé corre o risco de multa e detenção. Tirar a máscara por uns minutos para comer ou beber, já pode render cliques convenientes para postagens acusatórias, que só mostram aquele momento de rosto nu, como se fosse um atentado ao pudor. Usam flagrantes desrespeito aos decretos para isso, em seus discursos generalizadores, quando se dão o trabalho de se explicar. Muitos desses pandenoicos já se vêem como autoridades, ou mesmo como reserva moral da humanidade, e eu gostaria muito que isso fosse apenas um exagero ilustrativo, como recurso didático, mas não é. Não usar máscara dentro do carro, mesmo apenas com o motorista, já é risco de autuação. Se deixarmos, tomar banho e dormir sem máscara será crime. Não basta ser doente ou dependente, é preciso que todos ao redor o sejam também.

            O caso mais icônico foi um fiscal de Poços de Caldas ter interrompido uma missa que estava sendo transmitida pela internet, com a igreja vazia, com portas fechadas (ver aqui) violando a própria constituição, que para os cleros tornou-se apenas um detalhe a ser ignorado ou levado ao pé da letra, de acordo com a conveniência de múltiplos pesos e medidas... e o papa pandenoiado simplesmente não tomou conhecimento… ou deu de ombros, que é o mais provável. Reações do público? Praticamente nenhuma, além dos católicos mais tradicionais, cuja indignação não constou nos pasquins de pandenóia. Novamente o comportamento típico de viciados, que minimiza ou mesmo justifica prolixamente os abusos feitos em nome de seu vício. O que deveria ser apenas o monitoramento de uma crise sanitária, com as devidas correções onde realmente se fizesse necessário, tem se tornado um punhado de Estados policiais paralelos espalhados pelo país, não raro Estados paralelos dentro do próprio Estado e financiados pelo erário, como o caso de Poços de Caldas.

            Vocês podem imaginar até onde isso vai, não podem? Vocês, meus poucos leitores habituais, sabem o que acontece quando o oprimido se dá conta de que é mais numeroso, mais forte e que neste caso até financia o aparato opressor… cortar o patrocínio seria a primeira coisa a fazer. O bordão “vá estudar história” deveria servir de lição aos próprios pandenoicos… e principalmente aos parasitas oportunistas.

2 comentários:

Miriam Ungareti disse...

Toc toc adoraria saber como o genuíno Zezinho estaria lidando com esse momento de cárcere pandêmico e político.

Nanael Soubaim disse...

Basicamente ele exporia os ridículos dos excessos e faria um mini mundo no quintal, para circular livremente.