Eu evito fazer comentários
antes da conclusão de um caso, mas a crise de 2008 ainda traz reflexos, em
especial no Velho Mundo. Também passo sem ler a maioria dos artigos acadêmicos
inerentes, porque a despeito do que deveria ser, essa maioria é muito carregada
de subjetividades disfarçadas de dados estatísticos e históricos;
Interpretação, cada um tem a sua e a forma como bem entende. Comentaristas há
muitos, fontes há poucas, as confiáveis então...
Em suma, preciso recorrer ao
expediente de raciocinar por conta própria e cometer meus próprios erros. Como
os europeus ainda são muito apegados aos seus nacionalismos, sempre culpando os
outros países e, dentro destes, as outras regiões pelos problemas que enfrentam,
precisei dar o braço a torcer e prestar mais atenção aos documentários
americanos, que têm uma autocrítica que beira o doentio, em contraste com o
ufanismo idem da sociedade mais bipolar do planeta.
Em um deles, especificamente sobre a Nova
Iorque pós-crise. A cidade vai muito bem, obrigado, mas isso a um custo bem
alto. Mas é custo mesmo, no termo pecuniário. Apesar do estouro da bolha, os
imóveis não param de encarecer. As pessoas estão sendo expulsas do centro e
voltando aos subúrbios, de onde tinham saído nos anos 1990. Muita gente acabou
se mudando de cidade mesmo, porque o m² está transformando New York em uma New
Monaco. Vale ressaltar que a concorrência de indústrias em países que toleram
bem a mão de obra escrava e de presos políticos, contribuiu muito para isso;
Vocês sabem que países são esses.
O interessante foi ouvir os
comentários de alguns dos desabrigados, que formaram espécies de favelas ao
redor das metrópoles onde moravam, mas sem a presença do crime organizado,
nisso o nível cultural e a pronta assistência de entidades e cidadãos fraternos
foi de grande valia. Após mais de um ano vivendo em bosques abarrotados de
barracas e motorhomes, alguns deles olham para suas antigas moradas e afirmam
que não entendem como conseguiam viver lá, naquele inferno. Isso saído das
mesmas pessoas que outrora amavam suas cidades.
Outro ponto muito interessante
foi ver cidades pequenas que estão, categórica e escancaradamente, desprezando
as grandes redes de supermercados, em favor de seus mercados locais, mesmo
pagando preços mais altos por isso. Essas redes até se instalam em muitos
lugarejos, mas fecham rapidamente não só por falta de demanda, mas também por
falta de mão de obra. Repetindo: Por falta de mão de obra. Em plena crise, os
americanos do interior escolheram não trabalhar para quem não lhes convém.
Em algumas cidades essas
redes simplesmente não tiveram autorização para se instalar. Não é
contraditório que nos Estados Unidos da América, especialmente no auge da
crise, parcelas significativas da população tenham se recusado a aceitar uma
oportunidade de amenizar o seu lado? Eu respondo: Não, não é contraditório. É
preciso ter um conhecimento extremamente raso e tendencioso da sociedade
americana, para acreditar nisso. Explico citando outro exemplo, o de algumas
cidades pouco maiores do que alguns bairros metropolitanos, onde a tolerância e
o respeito mútuo estão sendo fomentados em um nível de dar inveja ao discurso
europeu.
Imaginem o que têm a ver um
grupo de admiradores de armas com um clube de ecologistas, e uma reunião de
senhoras que adoram fazer bolos e todo tipo de quitutes. Tempo... Pensaram? Eu
respondo: Tudo. Esses três grupos, aparentemente dissonantes, estão dividindo
cidades pequenas, onde todo mundo se conhece, e um ajudando no que falta aos
outros. Não há hostilidades, ninguém aponta o dedo para o nariz do outro e os
discursos são reservados às conversas internas dos grupos. Fora deles, com os
bichos já soltos e o estresse aliviado, todo mundo convive como em uma
sociedade civilizada. Isto é só um exemplo, há outros que agora estão brumosos
em minha memória, mas as coisas são ainda mais interessantes.
Apesar da dívida pública e todo
o catastrofismo que os noticiários alardeiam, essas regiões estão muito bem,
bem até demais para quem era o alvo preferencial da crise, segundo os
intelectuais de academias. Estes querem mais é que tudo desabe e a civilização se extinga!
O sucesso dessa capacidade
de sobrevivência e progresso explica boa parte das crises. As pessoas têm
buscado ter sucesso, antes de buscarem seus sonhos. O que aconteceu no país que
se chama América é basicamente o que acontece no planeta inteiro, com algumas diferenças
regionais. Estão colocando vaqueiros para trabalhar em escritórios fechados, e
burocratas talentosos para buscar vidas alternativas e saudáveis no meio do
mato; não é saudável para eles.
A base para essas escolhas
equivocadas é muito bem aceita, tanto quanto escassa. Analisa-se um conjunto de
características inatas e por ele se define onde o indivíduo teria mais sucesso.
Um cowboy seria um bom executivo só porque é capaz de avançar no touro e
derrubá-lo pelos chifres? Um administrador seria um bom fazendeiro só porque
tem temperamento tranqüilo e sabe esperar o tempo certo de cada coisa?
Acreditem, é basicamente isso que norteia a “felicidade pelo sucesso para
depois buscar o sonho”. O exacto oposto do que construiu a parte boa da
sociedade ocidental.
Aquelas pessoas lá do quarto
parágrafo, muito provavelmente, são fazendeiros administrativos ou mesmo de
lida, mas estavam se iludindo com as promessas de carreiras de sucesso para algum
dia realizarem o sonho de viver em uma fazenda. Da mesma sorte o oposto, há
muitas pessoas que gerenciariam grandes corporações com os pés nas costas, mas
estão presas à ilusão de que longe do mato com um riacho por perto, morreriam
intoxicadas.
Gente que vive onde e como
gosta de viver, não arruma picuinha com o estilo de vida alheio, não repete
bordões e frases prontas e agressivas, para se afirmar o tempo todo no que
pensa que é. Quem é realmente feliz no litoral, não se desfaz do caipira que
vive bem no meio do país, e vice-versa.
A questão é que as pessoas se
esqueceram do que realmente são e algumas nem chegaram a saber, embarcaram na
primeira canoa que parecia navegar bem. Não se trata de esperar ad eternum
pelo sonho dourado, trata-se de trabalhar para realizar e viver esse sonho
antes de a senilidade lhe tomar o corpo e o cérebro.
Em vez de mofar em uma linha
de montagem para algum dia, na aposentadoria quem sabe, comprar uma casa no
subúrbio e viver o que lhe resta longe da agitação da cidade grande, trabalhar
premeditadamente para ter ainda forte e saudável o seu pedaço de terra, que com
as técnicas modernas pode produzir mais do que uma grande fazenda de outrora,
ainda mais com a capacidade de concentração que o trabalho na fábrica burila.
Em vez de contar preguiçosamente
cada cabeça de gado, se imaginando chegar num Cadillac conversível à sede de
sua empresa, estudar e trabalhar para abrir algum negócio no sertão mesmo, para
ganhar experiência e se embasar para chutar traseiros de concorrentes
picaretas, contando com a paciência e a atenção aos detalhes que a lida com o
gado desenvolve.
Alguém vai ficar feliz por
sua causa, alguém vai ficar triste por sua partida, alguém vai morder os
cotovelos de inveja pela sua coragem. Não tem jeito, faz parte. O mercado
financeiro e as armadilhas do clima não são os maiores riscos de quem empreende
seu próprio sonho, é a reação das pessoas que te cercam o maior risco. Napoleão
reclamava que era mais fácil lidar com o inimigo no campo de batalhas, do
que com a ambição e soberba dos parentes. Aqui é a mesma coisa. Seguindo ou
não, de modo competente e responsável o teu sonho, muita gente vai ficar triste
e muita gente vai ficar feliz, a diferença está em qual grupo queres estar.
É este o pulo do gato de
toda as crises graves e duradouras da economia, que desde o século XIX deixou
de ser nacional e regional. A globalização, que muitos alienados que arrotam
intelectualidade condenam, não é de hoje. Começou com a primeira viagem que
levou artigos do oriente para a Europa. Não é o sistema que causa crises, o “deus
sistema” não existe, é só uma convenção, uma espécie de larva astral
burocrática que se alimenta do medo coletivo. Tu, preferindo o mais baratinho
só porque é mais baratinho, ajuda a começar uma crise. Tu, pegando carona em
uma onda de rendimentos fáceis, ajuda a começar uma crise. Tu, trabalhando duro
e se capacitando para lucrar com o teu sonho, ajuda a atenuar uma crise.
Na verdade as pessoas nem
deveriam correr atrás de um sonho, ele está lá na frente, mas não tem pernas
para apostar corrida com uma larga dianteira de vantagem. O problema não é
velocidade, é tempo. Tá, na física os dois são a mesma coisa, mas o tempo é o
único aspecto que importa aqui. Não adianta, e isso os documentários deixaram
claro na prática, se esbaforir e deixar de viver para realizar ontem, da mesma
forma os atrasos não vão te dar anos de vida para tanto. É o teu tempo que
importa.
É o que eu disse acima, o
ritmo e o temperamento de cada um define onde, como e quando o teu modo de vida
realmente começa, é ele o sonho, todo o resto é alegoria. Sair daquela
metrópole infernal, rompendo com o status quo que tanto defendia, ir viver em
uma cidade de cem mil habitantes no máximo, pode ser o que separa um indivíduo
competente de sua realização profissional. Dá sim para se começar uma
multinacional em uma cidade com poucas quadras, por que seria impossível?
O que esses anos de crise
perseverante me mostraram, é que as pessoas esqueceram basicamente de um dos
ingredientes básicos do sucesso da espécie humana, a mobilidade. Se apagaram à
sua nacionalidade, à cultura local, à religião da família, ao banco preferido
da pracinha da igreja e, em vez de transformar tudo isso em boas recordações e
motivos para férias maravilhosas na cidade natal, transformaram em uma cadeia
acolchoada, no pior sentido de “zona de conforto”. Afinal, ficando lá, a culpa
de sua frustração e seus prantos é toda do condicionamento a que a sociedade
impôs.
Meus queridos, não existe
condicionamento que uns bons meses de psicoterapia intensiva não dissolva, nas
mãos de um bom profissional. O resto é de favas contadas.
Houve nos anos 1950 uma corrida
ao divã, mas por motivos equivocados, as pessoas queriam se adequar ao estilo
de vida vigente em suas regiões, em vez de ajuda para encontrar seus próprios
estilos de vida e saírem atrás dele. Seis décadas depois, o problema persiste.
A mentalidade “libertária, inclusiva, progressista, tolerante” do século XXI só
fez as pessoas se iludirem que as traquitanas de hoje tornam o mundo melhor,
por isso voltaram ao divã para descobrir o que há de errado consigo, por não
serem cem por cento felizes o tempo todo e sob qualquer circunstância.
Sabem aquela frase “Não
pergunte o que o país pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer pelo
país”? Pois uma pessoa amarga e frustrada não pode fazer absolutamente nada além
de atrapalhar. O bom que vi nesses documentários, é que muita gente já
compreendeu isso e começa a largar tudo o que não lhe serve para recomeçar do
zero; ou quase, já que em uma civilização ninguém recomeça realmente do zero,
graças a Deus. O ruim é que os noticiários mostram que, mesmo com tantos
exemplos contundentes, as pessoas continuam se apegando a conceitos preestabelecidos
e culpando o sistema, a família, o emprego, a escola, o papagaio com diarreia,
o raio que o parta pela sua infelicidade. E é muita, mas muita gente se
recusando a ver e aprender com exemplos bem sucedidos, a aprender com os erros
e acertos de quem meteu a cara no mundo e hoje desfalca as estatísticas tristes
de suicídio.
Quer um conselho? Não, não
estou vendendo, mas aceito doações. Ponha em tua cabeça que tua realização não está
nos ditames, está no teu nariz. Siga-o! Teu país vai ganhar um cidadão útil,
productivo e basilar para se reerguer de qualquer crise. Vá para o campo,
vaqueiro!
2 comentários:
Outra postagem retumbante e que nos tira do conforto da rotina.
Eu fiz exatamente isso, reformatei meu HD este ano. Estou pagando o preço mas sinto que fiz a coisa certa, sairei melhor e alcançarei meus sonhos !
Grande postagem, valeu !
Boa sorte :-)
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