22/07/2016

Falando de S/A...






Depois de algum tempo ouvindo e lendo sobre os escândalos da ECT e da Petrobrás, me interessei em dar uma olhada na lei das sociedades anônimas. Meus amigos, trata-se de uma encrenca do tamanho de Júpiter! Tem suas compensações, mas não é para qualquer um, não no tocante à gestão.

Imagine-se em sua festa de casamento. Para quem vê de fora, com o dinheiro conseguido com a participação de centenas de convidados, é tudo lindo e tu não tens do que reclamar. A casa é grande e bem equipada, há dois carros, uma motocicleta e bicicletas, para ocasiões e necessidades diferentes de transporte. O jardim é amplo, bem arranjado e arquitetado, tem até árvores frutíferas no quintal!

A festa é um deslumbre, com buffet de primeira e músicos animando o ambiente. Em um canto, onde todos tiram selfies, a montanha de presentes passa a impressão de que a vida será fácil e promissora. Este é o lado A da conversa, antes de dar meia-noite e a Cinderela voltar a ser a Gata Borralheira.

Imagine que quando a noiva for jogar o buquê, um sujeito se apresente como auditor de cerimônia e a obrigue a desmanchar o lindo e caro arranjo. Em vez de jogar o conjunto para alguém pegar, ela terá que despetalar todas as flores e jogar de modo que todos possam pegar ao menos uma pétala. A não ser que todos concordem em ficar de modo ordenado em distâncias correspondentes à sua cota de pétalas, vai ter briga, inclusive de casal.

Ok, finalmente a sós. Certo? Não mesmo! Intimidade de casal é para quem tem capital fechado! Haverá pelo menos três auditores na suíte de casal, fiscalizando a performance e assegurando que os interesses dos convidados também seja observado. Se eles quiserem que vocês tenham filhos, pode esquecer aquelas fantasias sexuais doidas, é só papai e mamãe mesmo! Ela tem que engravidar. E não reclame de amantes, os cotistas do matrimônio podem decidir que eles são necessários e não terás o direito de reclamar; especialmente se os filhos esperados por eles não virem.

Durante o casamento, diuturnamente, haverá gente entrando e saindo da casa. Em tese é a sua casa, mas centenas de pessoas têm as chaves até dos carros! Dependendo do quanto saiu de teu próprio bolso, podes impor limites a esse trânsito, mas quase sempre só podes pedir licença e prioridade em algumas ocasiões. Lembre-se, és o CEO da casa, podes decidir um monte de coisas e pedir privacidades a quem não for auditor de cada actividade doméstica, então não abra mão disso, ou o que já é difícil ficará insustentável.

Há vantagens, claro, além da maior facilidade e rapidez para consolidar o casamento com casa própria. Sempre haverá alguém para fechar a torneira aberta, desligar a lâmpada acesa em cômodo vazio e te avisar que o gás está acabando, sem que o arroz precise ficar empapado à espera de uma troca no meio da noite. Também te avisarão das condições de conservação da casa, talvez até alguns cotistas com mais participação façam o serviço, se estiveres muito ocupado. Cobrarão depois, é claro, mas interessa a eles que o casamento vá bem em todos os aspectos possíveis.

Mas essa ajuda também traz limitações. Sabe aquela viagem em um fim de semana prolongado? Convença seus cotistas de que compensa expor o carro ao estresse de uma viagem mais longa, especialmente se a rodovia for tipicamente brasileira, ou não tem viagem porcaria nenhuma! Alugue um carro, se não houver acordo, mas sem isso os da casa não saem da garagem.

Tua saúde física irá bem, queiras tu ou não. Teus acepipes preferidos podem ser dosados ou até banidos, para que teu desempenho não decaia. Aliás, por falar em desempenho, a esposa já engravidou? O tempo está passando, os cotistas do casamento estão contando os meses e podem ficar impacientes! Não vais gostar do que pode acontecer! Eles não colaboraram com esse casamento porque gostam de ti, pelo menos não a maioria deles, o fizeram porque houve um acordo, todas as partes aceitaram e agora eles esperam pelo combinado. Justo? Sim, é justo. A iniciativa foi tua, tu vieste com essa idéia de um casamento neste naipe e convenceu todo mundo a investir nele. Cadê o bebê, seu mala?

Se mesmo com toda a ajuda, tu não conseguires bons resultados, tua batata vai assar. Podem, por exemplo, começar a cortar do teu salário para pagar dívidas que deixaste de lado, pensando que daria conta delas depois, e a tua dívida com os cotistas aumenta, diminuindo tua participação acionária no casamento. Com o tempo e o agravamento de tua situação, alguém pode se sentir no direito de passar a mão na tua linda esposa e não terás direito de sequer reclamar. Se o bebê tão esperado e prometido não vir no prazo, meu amigo, és definitivamente um corno. Vão te afastar temporariamente das funções procriativas e designar um Ricardão para providenciar um herdeiro.

Acontece que isso não é tudo, nem todas as situações ficarão ao alcance de teu controle o tempo todo, na verdade elas vão fugir o tempo todo e terás que trazê-las de volta. Isso desgasta, ainda mais sabendo que tem centenas de pessoas te cobrando, dando palpites completamente diferentes e te cobrando os resultados que, qualquer analista sério sabe, não virão só porque tu queres que venham. Racionalidade, meus amigos, é uma característica inerente à raça vulcana, humanos nunca foram e um terno com gravata não muda isso, não se iludam.

Em último caso, lamento, vais continuar a receber tua cota de proventos, mas alguém vai chegar à suíte no meio da noite, se for necessário, portando um documento e acompanhado de policiais. Tu vais preso e o sujeito é o novo marido. Por que a prisão? Explico agora, para não vires depois reclamar de falta de aviso!

A lei de sociedades anônimas visa proteger a economia popular, porque em tese, qualquer um pode chegar com cem reais à bolsa de valores e comprar algumas ações, pra iniciar tímida e prudentemente sua poupança sem depender do governo. Sim, é um mito que precisa-se ser rico para investir. Quem tiver paciência e uma boa consultoria, pode ter um bom patrimônio em quinze ou vinte anos. Mas bom mesmo, para se despreocupar com a vida! Por isso o cidadão que abre o capital de sua empresa, não é mais dono dela, e não pode fazer o que bem entender. Lá dentro existe o dinheiro, e às vezes as esperanças de vida de muita gente! Ele não pode simplesmente fechar a empresa e ir viver da renda que teve com a venda do espólio, ele que venda sua parte acionária e deixe as economias alheias em paz!

Mas tem malandro! Como tem malandro. Nasce um otário a cada cinco minutos, para cada um deles há um malandro em cada esquina, prontinho para depenar e assar o pato. O pato pode ser tu, meu amigo, minha amiga, caríssimos leitores. Por isso vender ações abaixo do preço de mercado, avariar deliberadamente as finanças da companhia, vender activos abaixo do preço e sem autorização, maquiar balanços, enfim, prejudicar minimamente de qualquer forma o acionista, é crime. É por isso que executivos dançam tanto nas cadeiras de presidente, os conselhos das companhias evitam como podem que uma situação se torne crítica ou mesmo irreversível. Se bem que ultimamente eles têm sido meio neuróticos, rotatividade demais é sempre ruim.

As acusações contra o CEO e o conselho, porque este é responsável por fiscalizar e auxiliar o executivo, podem ir de crime contra a economia popular, passando por sonegação fiscal, evasão de divisas, formação de quadrilha e outros. Se a empresa for uma estatal, a coisa piora, porque a economia não é só popular, é pública. Aqui podem ser incluídas as acusações de peculato, corrupção activa, corrupção passiva e, em último caso, crime de leso-pátria. E neste caso aas punições podem não se restringir aos executivos da empresa, porque o executivo nacional é responsável por comandar e fiscalizar o presidente dessa estatal. Será que me fiz entender? Desenhar aqui é bem difícil, porque neste caso não há um partido político para defender o executivo incompetente.

É assim em qualquer parte do mundo civilizado, que tem encolhido bastante nos últimos anos. Quando a empresa ou o governo consegue abafar o caso, a imprensa divulga bem pouco, porque abafar absolutamente tudo não dá mesmo! Quando não consegue, é um escândalo. E mesmo quando abafa, os bastidores cuidam de disseminar a caca deita pelo CEO e pelo conselho da empresa, eles ficam queimados, terão mais dificuldade em se manter no mundo corporativo. Por isso é melhor aceitar uma demissão enquanto a situação pode ser remediada sem alarde, a fama e reputação do executivo ficam intactas, inclusive pela humildade de sair quando a situação sai do seu controle. Coisa que no Brasil, perdoem a autocrítica nacional, é muito raro de se encontrar.

Por tudo isso, vocês devem ter se lembrado dos filmes com executivos à beira de um ataque de nervos, alguns até surtando e saindo em camisas de força do escritório. À parte o exagero hollywoodiano, é tudo verdade. A alegoria que escrevi acima ilustra muito bem a vida de quem administra uma empresa de capital aberto, até as de capital fechado sujeitam seus executivos a situações semelhantes. Eu não estou desestimulando o empreendimento de capital aberto, eu estou mostrando a vocês como a vaca mastiga, sem romances e sem maquiagens. O lado bom, aos que não desistiram e se molharam de medo eu revelo, é que na maioria absoluta das vezes as coisas dão certo, mesmo com muitos tropeços, muitas quedas, muitos erros cometidos e muitas noites em claro para contornar crises crônicas. Geralmente o marido não se torna corno, consegue ser pai dos filhos da esposa e tem um casamento feliz. Além é claro de poder recuperar com o tempo, se não todo, a maioria absoluta do controle da companhia, com mais de 50% do controle acionário, o que lhe dará uma liberdade absurda de decisões e uma tranqüilidade surreal na administração cotidiana.

É questão de estilo, ou perfil, como se diz no jargão. Há gente que não tem vocação e nem interesse em gerar grandes transformações em uma sociedade, mas administra muito bem um negócio familiar de bairro, e vice-versa. O incompetente é aquele que tenta fazer o serviço do outro, quem faz bem seu próprio serviço é bem-vindo em qualquer companhia, mesmo que como colaborador independente. Para os donos de mercadinhos eu recomendo uma união cooperativa, para reduzir custos e facilitar a própria vida, conseguindo descontos que lojas de grande porte conseguem comprando directo do fabricante. Não precisa ser grande par ter coisas boas, só precisa de estratégia.

Como disse uma sátira na antiga revista MAD, a bolsa de valores permite que um garoto com uma banquinha de limonada assuma o controle acionário de uma grande corporação, apenas investindo e especulando as ações. Exagero, claro, mas não muito. Em princípio isso é possível.

Mais detalhes, ler (MAS LEIA MESMO) aqui e aqui

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