Depois de algum tempo
ouvindo e lendo sobre os escândalos da ECT e da Petrobrás, me interessei em dar
uma olhada na lei das sociedades anônimas. Meus amigos, trata-se de uma
encrenca do tamanho de Júpiter! Tem suas compensações, mas não é para qualquer
um, não no tocante à gestão.
Imagine-se em sua festa de
casamento. Para quem vê de fora, com o dinheiro conseguido com a participação
de centenas de convidados, é tudo lindo e tu não tens do que reclamar. A casa é
grande e bem equipada, há dois carros, uma motocicleta e bicicletas, para
ocasiões e necessidades diferentes de transporte. O jardim é amplo, bem
arranjado e arquitetado, tem até árvores frutíferas no quintal!
A festa é um deslumbre, com buffet
de primeira e músicos animando o ambiente. Em um canto, onde todos tiram
selfies, a montanha de presentes passa a impressão de que a vida será fácil e
promissora. Este é o lado A da conversa, antes de dar meia-noite e a Cinderela
voltar a ser a Gata Borralheira.
Imagine que quando a noiva
for jogar o buquê, um sujeito se apresente como auditor de cerimônia e a
obrigue a desmanchar o lindo e caro arranjo. Em vez de jogar o conjunto para
alguém pegar, ela terá que despetalar todas as flores e jogar de modo que todos
possam pegar ao menos uma pétala. A não ser que todos concordem em ficar de
modo ordenado em distâncias correspondentes à sua cota de pétalas, vai ter
briga, inclusive de casal.
Ok, finalmente a sós. Certo?
Não mesmo! Intimidade de casal é para quem tem capital fechado! Haverá pelo
menos três auditores na suíte de casal, fiscalizando a performance e assegurando
que os interesses dos convidados também seja observado. Se eles quiserem que
vocês tenham filhos, pode esquecer aquelas fantasias sexuais doidas, é só papai
e mamãe mesmo! Ela tem que engravidar. E não reclame de amantes, os cotistas do
matrimônio podem decidir que eles são necessários e não terás o direito de
reclamar; especialmente se os filhos esperados por eles não virem.
Durante o casamento,
diuturnamente, haverá gente entrando e saindo da casa. Em tese é a sua casa,
mas centenas de pessoas têm as chaves até dos carros! Dependendo do quanto saiu
de teu próprio bolso, podes impor limites a esse trânsito, mas quase sempre só
podes pedir licença e prioridade em algumas ocasiões. Lembre-se, és o CEO da
casa, podes decidir um monte de coisas e pedir privacidades a quem não for
auditor de cada actividade doméstica, então não abra mão disso, ou o que já é
difícil ficará insustentável.
Há vantagens, claro, além da
maior facilidade e rapidez para consolidar o casamento com casa própria. Sempre
haverá alguém para fechar a torneira aberta, desligar a lâmpada acesa em cômodo
vazio e te avisar que o gás está acabando, sem que o arroz precise ficar empapado
à espera de uma troca no meio da noite. Também te avisarão das condições de
conservação da casa, talvez até alguns cotistas com mais participação façam o
serviço, se estiveres muito ocupado. Cobrarão depois, é claro, mas interessa a
eles que o casamento vá bem em todos os aspectos possíveis.
Mas essa ajuda também traz
limitações. Sabe aquela viagem em um fim de semana prolongado? Convença seus
cotistas de que compensa expor o carro ao estresse de uma viagem mais longa,
especialmente se a rodovia for tipicamente brasileira, ou não tem viagem
porcaria nenhuma! Alugue um carro, se não houver acordo, mas sem isso os da casa
não saem da garagem.
Tua saúde física irá bem,
queiras tu ou não. Teus acepipes preferidos podem ser dosados ou até banidos,
para que teu desempenho não decaia. Aliás, por falar em desempenho, a esposa já
engravidou? O tempo está passando, os cotistas do casamento estão contando os
meses e podem ficar impacientes! Não vais gostar do que pode acontecer! Eles
não colaboraram com esse casamento porque gostam de ti, pelo menos não a
maioria deles, o fizeram porque houve um acordo, todas as partes aceitaram e
agora eles esperam pelo combinado. Justo? Sim, é justo. A iniciativa foi tua,
tu vieste com essa idéia de um casamento neste naipe e convenceu todo mundo a investir
nele. Cadê o bebê, seu mala?
Se mesmo com toda a ajuda,
tu não conseguires bons resultados, tua batata vai assar. Podem, por exemplo,
começar a cortar do teu salário para pagar dívidas que deixaste de lado,
pensando que daria conta delas depois, e a tua dívida com os cotistas aumenta,
diminuindo tua participação acionária no casamento. Com o tempo e o agravamento
de tua situação, alguém pode se sentir no direito de passar a mão na tua linda
esposa e não terás direito de sequer reclamar. Se o bebê tão esperado e
prometido não vir no prazo, meu amigo, és definitivamente um corno. Vão te
afastar temporariamente das funções procriativas e designar um Ricardão para
providenciar um herdeiro.
Acontece que isso não é
tudo, nem todas as situações ficarão ao alcance de teu controle o tempo todo,
na verdade elas vão fugir o tempo todo e terás que trazê-las de volta. Isso
desgasta, ainda mais sabendo que tem centenas de pessoas te cobrando, dando
palpites completamente diferentes e te cobrando os resultados que, qualquer
analista sério sabe, não virão só porque tu queres que venham. Racionalidade, meus
amigos, é uma característica inerente à raça vulcana, humanos nunca foram e um
terno com gravata não muda isso, não se iludam.
Em último caso, lamento, vais
continuar a receber tua cota de proventos, mas alguém vai chegar à suíte no
meio da noite, se for necessário, portando um documento e acompanhado de
policiais. Tu vais preso e o sujeito é o novo marido. Por que a prisão? Explico
agora, para não vires depois reclamar de falta de aviso!
A lei de sociedades anônimas
visa proteger a economia popular, porque em tese, qualquer um pode chegar com
cem reais à bolsa de valores e comprar algumas ações, pra iniciar tímida e
prudentemente sua poupança sem depender do governo. Sim, é um mito que
precisa-se ser rico para investir. Quem tiver paciência e uma boa consultoria,
pode ter um bom patrimônio em quinze ou vinte anos. Mas bom mesmo, para se
despreocupar com a vida! Por isso o cidadão que abre o capital de sua empresa,
não é mais dono dela, e não pode fazer o que bem entender. Lá dentro existe o
dinheiro, e às vezes as esperanças de vida de muita gente! Ele não pode
simplesmente fechar a empresa e ir viver da renda que teve com a venda do
espólio, ele que venda sua parte acionária e deixe as economias alheias em paz!
Mas tem malandro! Como tem
malandro. Nasce um otário a cada cinco minutos, para cada um deles há um
malandro em cada esquina, prontinho para depenar e assar o pato. O pato pode
ser tu, meu amigo, minha amiga, caríssimos leitores. Por isso vender ações
abaixo do preço de mercado, avariar deliberadamente as finanças da companhia,
vender activos abaixo do preço e sem autorização, maquiar balanços, enfim, prejudicar
minimamente de qualquer forma o acionista, é crime. É por isso que executivos
dançam tanto nas cadeiras de presidente, os conselhos das companhias evitam
como podem que uma situação se torne crítica ou mesmo irreversível. Se bem que ultimamente
eles têm sido meio neuróticos, rotatividade demais é sempre ruim.
As acusações contra o CEO e
o conselho, porque este é responsável por fiscalizar e auxiliar o executivo,
podem ir de crime contra a economia popular, passando por sonegação fiscal,
evasão de divisas, formação de quadrilha e outros. Se a empresa for uma
estatal, a coisa piora, porque a economia não é só popular, é pública. Aqui
podem ser incluídas as acusações de peculato, corrupção activa, corrupção
passiva e, em último caso, crime de leso-pátria. E neste caso aas punições
podem não se restringir aos executivos da empresa, porque o executivo nacional
é responsável por comandar e fiscalizar o presidente dessa estatal. Será que me
fiz entender? Desenhar aqui é bem difícil, porque neste caso não há um partido político
para defender o executivo incompetente.
É assim em qualquer parte do
mundo civilizado, que tem encolhido bastante nos últimos anos. Quando a empresa
ou o governo consegue abafar o caso, a imprensa divulga bem pouco, porque
abafar absolutamente tudo não dá mesmo! Quando não consegue, é um escândalo. E mesmo
quando abafa, os bastidores cuidam de disseminar a caca deita pelo CEO e pelo
conselho da empresa, eles ficam queimados, terão mais dificuldade em se manter
no mundo corporativo. Por isso é melhor aceitar uma demissão enquanto a
situação pode ser remediada sem alarde, a fama e reputação do executivo ficam
intactas, inclusive pela humildade de sair quando a situação sai do seu
controle. Coisa que no Brasil, perdoem a autocrítica nacional, é muito raro de
se encontrar.
Por tudo isso, vocês devem
ter se lembrado dos filmes com executivos à beira de um ataque de nervos,
alguns até surtando e saindo em camisas de força do escritório. À parte o
exagero hollywoodiano, é tudo verdade. A alegoria que escrevi acima ilustra
muito bem a vida de quem administra uma empresa de capital aberto, até as de
capital fechado sujeitam seus executivos a situações semelhantes. Eu não estou
desestimulando o empreendimento de capital aberto, eu estou mostrando a vocês
como a vaca mastiga, sem romances e sem maquiagens. O lado bom, aos que não
desistiram e se molharam de medo eu revelo, é que na maioria absoluta das vezes
as coisas dão certo, mesmo com muitos tropeços, muitas quedas, muitos erros
cometidos e muitas noites em claro para contornar crises crônicas. Geralmente o
marido não se torna corno, consegue ser pai dos filhos da esposa e tem um
casamento feliz. Além é claro de poder recuperar com o tempo, se não todo, a
maioria absoluta do controle da companhia, com mais de 50% do controle
acionário, o que lhe dará uma liberdade absurda de decisões e uma tranqüilidade
surreal na administração cotidiana.
É questão de estilo, ou
perfil, como se diz no jargão. Há gente que não tem vocação e nem interesse em
gerar grandes transformações em uma sociedade, mas administra muito bem um
negócio familiar de bairro, e vice-versa. O incompetente é aquele que tenta
fazer o serviço do outro, quem faz bem seu próprio serviço é bem-vindo em
qualquer companhia, mesmo que como colaborador independente. Para os donos de
mercadinhos eu recomendo uma união cooperativa, para reduzir custos e facilitar
a própria vida, conseguindo descontos que lojas de grande porte conseguem
comprando directo do fabricante. Não precisa ser grande par ter coisas boas, só
precisa de estratégia.
Como disse uma sátira na
antiga revista MAD, a bolsa de valores permite que um garoto com uma banquinha
de limonada assuma o controle acionário de uma grande corporação, apenas
investindo e especulando as ações. Exagero, claro, mas não muito. Em princípio
isso é possível.
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