Pity the Sorrows of a Poor Old Man - 1822 - Théodore Gericault - French (MET Museum) |
Aqui jaz o teu sonho não cultivado, legado ao desdém do adulto amargo que se tornaste. O mesmo sonho que em tenra infância ainda se rascunhava em pueris balbucios num mundo que tudo parecia prometer, diante de pessoas que tudo lhe pareciam permitir, ainda que mostrando os limites salutares de tua segurança, enxugando as lágrimas de um pranto repentino por algum susto que só teus olhos e ouvidos sabiam mensurar. Nos mesmos braços que limitavam teu avanço, para não cairdes no fosso profundo, encontravas o bálsamo da segurança oscilante a embalar suavemente teu sono, em cujas brumas os devaneios tomavam formas, cores e toda a miríade de possibilidades com que poderias entreter-se.
Ainda era cedo, havia tempo de sobra. Era momento para te preparares em aprendizado básico e crescimento sem os perigos ardis que a vida reserva aos que alçam vôo. Ainda havia tempo, os riscos eram ensinados em simulações simples e seguras nas brincadeiras rasas que te ensinariam a enfrentar as adversidades sem temê-las. Quando os temores reais lhes foram apresentados a distâncias e em doses salutares, tão somente para que mesmo em botão, a flor de teus sonhos fosse defendida das pragas e ervas daninhas tão traiçoeiras.
Aqui jaz teu sonho não cultivado, posto por terra pelas urgências bravateiras. O mesmo sonho que na plena flor da juventude lhe emprestava o perfume balsâmico para curar tuas feridas e ajudar-te a vencer teus medos, quando já sabias que o mundo não tinha obrigação de ser bom, mas que tampouco deveria ser temido como se fosse um mal invencível. Quando as forças lhe pareciam trasbordar e sobrepujar quaisquer decepções pérfidas, dessas que se lhe apresentam com semblantes amigáveis e discursos aduladores em firmes vozes sedosas. Ainda tinhas o amparo de quem pudesse socorrer-te de apuros e, embora certa a reprimenda necessária, encaminhava-te ao curso seguro do caminho reto; que não precisava ser seguido em absoluta retidão, tão somente não se afastar a ponto de perdê-lo de vista já lhe garantiria os louros de teus esforços, pois assim voltarias rapidamente assim que os riscos suplantassem os ganhos... e foram tantas vezes!
Ainda era cedo, o tempo intercedia em teu favor. Era momento de experimentares os sabores do mundo e decidires que temperos usarias em teu caminho, aqueles que dariam aos teus pares a tua identidade e te tornariam inconfundível, facilitando te reconhecerem e te ampararem na busca de tuas realizações, sob o auxílio prestigioso de mestres e auxiliares, papéis que assumirias vez ou outro, e em definitivo quando os resultados de teus labores deitassem em tuas mãos então experientes.
Aqui jaz teu sonho não cultivado, em preta mortalha coberto pela vida que deixaste de viver, não importam os motivos. O mesmo sonho que na vida adulta lhe serviriam de muleta nas mais duras adversidades, tanto quanto de cetro no regozijo de tuas vitórias cotidianas, resplandecendo a majestade de quem teria ousado na medida e no momento certos, posto que o cabedal e a experiência amealhados te fariam reconhecer de pronto as armadilhas e os inimigos, hábeis em vestir-se de oásis e benfeitores. Quando as forças ainda seriam abundantes e a mente lúcida dos sábios serviria de habitat aos teus pensamentos, guarnecidos de raciocínio e conhecimentos abundantes, o que ainda te permitiriam sonoras gargalhadas a cada vitória; e seriam elas seriadas em tua longa e venturosa jornada.
Já seria a tua hora, o tempo então generoso lhe mostraria a longa estrada a percorrer com as pernas fortes dos sonhos em plena realização, de uma vida que nunca precisaria ser perfeita, mas tão somente ser a tua vida, a que só a ti serviria e a em que somente tu serviria, construída e ababada sob medida para os teus pesares serem sempre ciscos diante das vigas de tuas realizações, do amparo que agora seria de tua alçada, do aprendizado que agora sairia de tuas palavras e do vasto jardim de sonhos que agora a ti caberia cuidar para a posteridade; assim como teriam feito por ti.
Aqui jaz teu sonho não cultivado, em jazigo de pedras cruas que restaram de tua vida desventurosa. O mesmo sonho que te for cobrado por não viveres a vida que deverias ter construído, mas cujos tijolos desviaram-se em amparo de quem jamais construiu senão os próprios mimos, desdenhando assim que se levantava o doador desafortunado do que agora abandona e deixa desmoronar. Quando as forças decaem sem reposição hábil e tua visão se turva diante do horizonte escuro que se aproxima, forçando-te a vencer o íngreme aclive sob as dores que não lhe foram curadas, pela falta dos recursos que nunca te foram cedidos em troca das chances que a outrem concederam. A vida apertada e cnidária que sobrou não permitia iniciativas senão em caminhos tortos, a horizontes perpendiculares ao que teus brios ainda te impulsionam. Sim, talvez seja tudo o que te resta, e te priva da queda de um desenlace precoce.
Já passou a tua hora, o tempo já cobra o tributo dos ganhos não conseguidos e a estrada, embora se encurte a cada passo, é cada vez mais íngreme, dilapidando as poucas energias que ainda restam em teu corpo debilitado, que ainda assim precisa vez ou outra amparar os que se corromperam e nem mais mantêm-se de pé sem esporádicos auxílios. Vai, que é tua sina arcar com proventos dos dividendos não ganhos, dos lucros subtraídos, de toda a sua miserável existência em uma vida que simplesmente ainda não te cabe dentro. Se é tua culpa ou não, é tão oneroso quanto irrelevante ater-se a tão dolorosas elucubrações, apenas arque com o que te cabe, pois não cabes em mais nada do que te cerca e ainda tens chão pela frente. Tua pena, lamento, é esperar sob duras labutas pelo óbito, já morto em uma vida que nunca deveria ser tua.
Nenhum comentário:
Postar um comentário