Vamos combinar? Se quer aparecer, assuma o risco. |
Eu lamento informar que a privacidade fora da solidão NÃO EXISTE. Tu não podes, por exemplo, pedir que alguém em ambiente público se afaste muito só para tu poderes falar ao celular; ou digitar, que seja. Assim como não dá para pedir que as pessoas não ouçam o que estiver falando, a não ser que consigas falar em volume tão baixo e ao mesmo tempo de forma tão clara, que a pessoa do outro lado só precise aumentar o volume para te compreender, mas então é a outra pessoa que estará abrindo mão da tal privacidade; a não ser que esteja, como eu disse, na mais sacra e austera solidão.
É igualmente inútil, tanto quanto desgastante, alimentar neuroses conspiratórias sobre a exposição de suas informações pessoais na mídia. Lamento, mas o que sai de tua mente não está mais sobe o teu controle. Simplesmente não tens como controlar o que outros farão com a photo que foi publicada, o comentário postado ou mesmo a pesquisa respondida. Nunca, em nenhum momento do espaço-tempo foi assim. Se tu disseres que não gostas de jeans surrado e algum empregado da indústria da moda souber, os executivos saberão cedo ou tarde e saberão se aproveitar disso, até pelo bem e sobrevivência das empresas. O mesmo para os governos, que simplesmente PRECISAM saber do que agrada e do que incomoda o cidadão, para poderem saber como agir de então em diante.
Não é de hoje que mesmo os vizinhos, colegas de escola ou trabalho, gente que se acostumou a te ver no transporte público, funcionários do restaurante habitual ou mesmo usuários de praças públicas são atentos a conjuntos de palavras e entonações que lhes interessam. Podem estar dormindo, mas se ouvirem por exemplo a combinação de “batata + câncer + médico + caro + tom agressivo”, não vão se importar se a conversa foi sobre um lanche com um médico canceriano comento batata em uma lanchonete cara, vão entender o que tiverem predisposição para entender e vão vincular a tua pessoa à informação falsa, que será disseminada. Vais culpar quem?
O que podes fazer é acionar quem lhe trouxer prejuízos de qualquer natureza, seja para reparação, seja para indenização por uso não autorizado de seus dados e/ou imagem. Qualquer coisa além disso vai dar publicidade grátis para o autor do ilícito, que poderá lucrar assim muito mais do que o pleiteado pela parte lesada. E, por favor, abandone essa idéia estúrdia de “direito de esquecimento”. Isso não existe. Ninguém é realmente esquecido. Se não te encontrarem pelo nome, te encontrarão por contatos, por referências, até mesmo por uma investigação séria de quem estiver de facto interessado em usar teus dados em proveito próprio. Que foi? Vais apontar o dedo para o nariz de um traficante que tiver falsificado documentos usando teu nome? Tens peito para isso? Não, não tens. Fazer isso contra quem sabes que não vai te dar um tiro é muito diferente e MUITO mais cômodo, e atrai mais leitores igualmente neuróticos na internet.
Mais do que isso, é totalmente contraproducente e até perigoso exigir que empresas e governos não coletem dados. Empresas e governos precisam saber do que precisamos para saberem o que oferecer, agir contra isso é pedir para não ter productos e serviços minimamente bons, ou até o exacto oposto do que deseja. Uma entidade realmente perversa vai dar de ombros para protestos, isso se algum rumor consistente conseguir sair do meio em que as decisões tiverem sido tomadas. Quem realmente quer fazer mal, não vai aparecer como mau diante do público, vai aparecer como poderoso invencível ou simplesmente vai manipular os próprios manifestantes para que ataquem outro alvo. É fácil, basta mandarem um único agente se enturmar, se inteirar da situação e desviar sutilmente as atenções para quem interessa aos mandantes. No caso de entidades, geralmente desviam as atenções para uma corporação famosa, quase sempre já alvo de teorias difamatórias; no caso de países, sempre ditaduras, te usam para acusar democracias de desrespeito às liberdades individuais. Simpatizantes de ditaduras em academias sediadas em democracias, não faltam.
Da mesma forma os protestos contra a vigilância estatal por câmeras em lugares públicos NÃO EXISTEM onde essa vigilância realmente fere alguma liberdade individual. Vocês estão atormentando dirigentes de democracias e desviando seus focos de problemas reais. Nos países onde vocês podem protestar, é perfeitamente possível responsabilizar qualquer um por mau uso ou publicação indevida de seus dados; naqueles onde vocês sequer podem dizer que se lembram de um massacre de manifestantes que pediam por democracia, qualquer indignação é tão fútil quanto perigoso para sua pessoa. Há formas certas e erradas de lidar com a coleta não autorizada de dados, querer censurar até a memória das pessoas é o modo errado, porque não surte e nunca surtiu o efeito desejado, e ainda alimenta a sanha de simpatizantes de regimes totalitários, e eles vão usar tua indignação para te manipular para atacar democracias e engrossar suas fileiras. Eu já vi e ainda vejo isso acontecer, é tão mais fácil te cooptar quanto maior for tua tendência à prolixia e a acreditar que o Estado deve ser um pai, em vez de um servo.
Seus dados serão coletados queiras ou não, e às vezes o próprio coletor não tem idéia do que tem no acervo até que coincidam a oportunidade com a consulta aos arquivos e os teus dados couberem no caso. Não adianta espernear e lacrar textão de mil e quinhentas páginas no facebook, isso só te distancia das fontes do problema, que podem estar quase todas dentro do teu subconsciente. Sim, teu problema pode ser totalmente psicológico e não político.
Sim, há meios de reduzir a um mínimo a tua exposição aos coletores de dados, mas isso significaria viver como nos anos 1930, inclusive no vestuário e nos modos, bem como na quase ausência de tecnologias de comunicação. Eu sei por experiência que quase todos vocês eriçam pelos e têm taquicardias só de pensar nisso. Para quem tem horror a nunca mais abrir um aplicativo, há comportamentos que são paliativos e, dependendo do grau de consciência, até de dão algum controle sobre o que é ou não coletado. Leiam bem, eu escrevi “ALGUM”, não esperem mais do que isso.
Comece pelo mantra “O que não é publicado não é compartilhado”. O que for realmente íntimo e importante, sequer deve ir para um dispositivo móvel. Imagens e textos em smartphones te colocam na armadilha da facilidade, da qual eu já me cansei de falar neste blog, o que é fácil é também tentador, compartilha-se algo quase inconscientemente, só porque numa olhada rápida pareceu que merecia ser compartilhado. E se saiu do teu dispositivo, meus pêsames, não é mais seu mesmo que seja seu. Evite bancar o moderno e jamais ponha photos íntimas em dispositivos com acesso a redes de comunicação, e por “íntimas” entendam-se inclusive imagens em que o potógrapho foi particularmente feliz e a tua pose tenha sido particularmente atraente; um pouco de edição e imagens e tua carinha fofa estará em sites de prostituição que, por sua própria natureza, são muito difíceis de rastrear. Na dúvida, nem ponha no computador, deixe guardado em dispositivos externos.
Outro mantra é “seja mestre do que calas e escravo do que falas”, ou do que escreves. Falar na internet ou a um pesquisador é mais ou menos como gritar em praça pública, quem estiver por perto vai te escutar, mas não há garantias de que vai te ouvir. Como eu já disse, as pessoas vão compreender o que tiverem capacidade e tendência, não necessariamente o que tiveres dito, e não, nem a mensagem mais clara e didática é óbvia. Pode ser para quem já compreende a tua linha de raciocínio e assim tem capacidade de ligar os pontos mais obscuros de teu pensamento, mas à maioria as tuas intenções são um completo mistério, uma tela em branco pronta para receber as adições e dições mais loucas que a mente humana é capaz de criar; e acreditem, caros leitores, nem a imaginação mais fértil pode competir com a loucura. A ganância é um tipo não assumido de loucura.
Mais um mantra: “Unidos somos mais fortes”. Não é clichê de filme dos anos 1950, é real. Mantenha sempre contacto com pessoas com interesses afins, quando precisar se precaver ou reclamar. Uma boa entidade dá ouvidos a um indivíduo e uma má entidade não dá importância, ou dá cabo, mas quando a tendência detectada é de um grupo relevante a boa entidade se apressa em servir e a má entidade se recolhe de medo. Aqueles filmes de heroísmo não mentem quando passam essa mensagem, é literal. Ou os protestos em Hong-Kong não seriam reprimidos e os da Praça Tiananmen não teriam produzido carne humana moída por tanques, assim como os protestos por direitos civis nos anos 1960 nos Estados Unidos jamais teriam surtido efeito nenhum. Lembre-se, a união inspira o respeito dos honestos e o medo dos perversos.
O mantra “Tudo o que disser poderá ser usado contra você” é mais poderoso do que podem imaginar. Escolha o que e a quem dar retorno, por mais banal e curta que seja a mensagem. Eu já recebi retornos desagradáveis e até ameaçadores, na época em que eu era novato na internet (upon once a long time ago) e aprendi depressa essa lição. Só fale a quem te dê um mínimo de segurança de resposta respeitosa e ÚTIL; mensagens padronizadas e genéricas não são úteis, nem robôs idiotas de burrice artificial que não compreendem uma dicção que não seja perfeita e em um sotaque padronizado. Assegure-se de estar conversando com seres humanos. Não espere por isso, mas há históricos de clientes que foram recompensados, porque suas reclamações revelaram problemas que a engenharia não tinha percebido durante o desenvolvimento do producto.
O mantra “A prática leva à perfeição” deve ser aplicado a tudo o que fizeres, mas principalmente ao que for feito em público, para evitar passar mensagens equivocadas ou mesmo detalhes que de modo algum podem passar a domínio público. Lembrem-se de que o indivíduo pode se esquecer, mas a coletividade JAMAIS SE ESQUECE. Então sejamos o mais claros, discretos e elegantes quanto possível, porque oficialmente não, mas na prática até a comunidade mais porralouca em códigos de postura e vestuário, e quem se portar de forma mais refinada em um grupo de broncos, por mínimos que sejam os gestos ou os detalhes da roupa, vai chamar uma atenção que pode não ser a desejada. Pratique tua escrita, teus modos e tua paciência em ler e reler criticamente antes de decidir responder; e se decidindo a responder, lembre-se de que nem sempre, na verdade quase nunca sabes que tipo de gente está do outro lado. Vais acabar descobrindo que duas ou três páginas dariam o recado que o conteúdo diluído no textão lacrador de mil páginas não conseguiu, ao menos não a quem era dirigido e não da forma desejada.
O último mantra é “Guardou é seu, mostrou é nosso”, que vale desde que a vida na Terra teve início. É por isso que predadores rechaçam qualquer aproximação estranha quando estão comendo ou cuidando dos filhotes, isso não foi inventado pela humanidade. Guarde os discursos e as narrativas para quem gostar, porque aos que colherem os teus dados, nada disso terá efeito inibitório, na verdade podem até servir de sinalizador de que há mais coisas interessantes de onde saíram as coletadas. Não é no palco de gritos de grupos exaltados que as cosias são decididas e resolvidas, é nos sussurros quase inaudíveis dos bastidores que tudo realmente acontece. Os mesmos bastidores donde devem permanecer TUDO o que tu não queres que seja compartilhado. Faça um teste, digite teu nome entre aspas, como “Nanael Soubaim” no Google e vais se surpreender com a quantidade de dados públicos a teu respeito, e são coisas que simplesmente não tem como ser suprimidas porque o poder público é obrigado por lei a publicar.
Ainda não conheço uma lei que proíba as pessoas de coletarem dados de terceiros, não especificamente o acto de coletar. E se a pessoa tiver acesso, nada além do próprio senso crítico a impede de fazer a coleta. Seguramente há coisas minhas em poder de quem jamais entrou em contato comigo, mas se eu for perder o sono por isso, antes de algo realmente acontecer, será um suicídio indirecto. Então temos três opções: nos tornarmos pessoas do pré-guerra e irmos morar na zona rural, virarmos gado para não nos destacarmos em absolutamente nada, ou apelar ao bom e velho bom senso para não nos levarmos a sério demais e não ficarmos neuróticos com o que não faz diferença.
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