15/03/2016

A lei que não convém


Eu faço o que eu quiser e não enche o saco!!!
  Utilizo o automóvel como exemplo...

  O sujeito decide simplesmente entrar na contramão com o sinal vermelho, faz uma conversão proibida e ainda sobe na praça para poupar uns poucos segundos, então dispara em alta velocidade sem o menor pudor. "A vida é minha, faço o que eu quiser" é uma das primeiras respostas preventivas a qualquer cara de reprovação. Os riscos de um acidente são facilmente enquadrados no caso e na mesma resposta.

  Sobre os riscos a terceiros, ele argumenta que era de madrugada e não havia trânsito, que andou na contramão ciente de que naquele horário não há quase ninguém nas ruas, e portanto os riscos eram mínimos. E se tiver havido multa, a pontuação seria só dele e ninguém deveria se meter nisso. Certo, dinheiro dele, mas tem mais.

  Se cruzar o sinal fechado já é perigoso, imagine na contramão. O risco de outro veículo com outro idiota vir na mão certa em alta velocidade, é grande. Ele alega que o risco era dele, que todos dentro do carro entraram cientes do modo como ele dirige. Todos assumiram os mesmos riscos, exceto o de multa e pontuação, mas aceita ajuda para pagar. Quanto aos ocupantes do outro hipotético carro, não houve acidente, portanto não houve risco consumado, portanto deve-se calar a boca e não encher o saco.

  A conversão proibida, idem. Alega que conhece a cidade melhor do que qualquer guardinha de trânsito, que sabe até a que horas a coruja de cada rua acorda e vai dormir, e que prova isso na prática. Afirma que não existe nada mais gostoso do que infringir as leis de trânsito e sair ileso, que isso dá uma tranqüilidade enorme e que chega até mais calmo e feliz em casa, depois de uma direção louca. Durante o dia, com a tensão aliviada, dirige de forma impecável e leva todo mundo para todos os lugares sem um risco sequer, até abaixo de quarenta por hora.

  Nem adianta enumerar os riscos e danos ao carro, por subir e transitar em uma praça em alta velocidade. O carro é dele, pode até tacar fogo se quiser. E quem é que fica à noite em uma praça em lugar ermo àquela hora? Ninguém correu risco nenhum, o máximo que teria acontecido acontecido é ter que chamar o guincho, e depois arcado com os prejuízos, que sairiam de seu bolso e ninguém teria nada a ver com isso.

  Uma avenida larga, vazia e com o tempo fresco, ele andaria a menos de duzentos por hora por quê? A vida é dele, é curta demais para seguir regras babacas que não convém, e depois aquilo desopila que é uma beleza, fica uma semana sem se irritar com absolutamente nada. E é esse o jeito de ele pensar e ponto final, não quer saber de papo, a não ser em seu favor, é claro.

  Enumerar as leis infringidas, pode gerar briga. A lei é idiota, a lei é restritiva, a lei se mete na vida particular, a lei não faz sentido então eu vou infringir sempre que houver chance de sair livre. A lei não convém, não ao seu prazer, seu bálsamo, sua droga, então não vai respeitar e pronto, é essa a opinião e não vai mudar de jeito nenhum, afinal gosta de direção perigosa, é o que lhe faz bem e ajuda a desligar do estresse e dos problemas, então sempre que puder vai bancar o personagem de videogame idiota de direção irresponsável.

  Se alguém morrer por causa de sua diversão, fazer o quê? Só que até hoje ninguém se machucou, então cale a boca que é assim que eu penso, senão te dou porrada e nunca mais falo com você.

  É assim com praticamente tudo o que burla uma lei que não convém no momento. Seja trânsito, receptação de furto e roubo, interceptação de sinal de internet e tevê a cabo, uso de drogas ilícitas, uso ilícito de drogas lícitas, comércio sexual clandestino enfim... Ninguém se importa e faz questão de não saber dos lutos causados pela prática e ou consumo de seus prazeres e bálsamos. Existe a lei, mas ela não convém.

  No cotidiano a pessoa se mostra amiga, prestativa, boa profissional, até religiosa, mas seu prazer é mais sagrado do que absolutamente tudo. E não se trata de fazer algo arriscado sob condições controladas e lícitas, porque a boca de fumo, a via pública, o puteiro do doutor deputado, o cabeçote conseguido no desmanche de fundo de quintal, o desvio de conteúdo e energia eléctrica, o que não pode é muito mais emocionante. Dá um alívio muito maior e ajuda a manter a máscara de boa pessoa. Quem morreu, morreu.

  Regras, só a da turma, do clube, da gangue, do que for conveniente. Leis constitucionais só valem até certo ponto, enquanto me forem convenientes ou agradáveis... Ou enquanto evitarem que o BOPE me encha de porrada, caso contrário não quero saber delas e tomo raiva de quem as seguir, quando estiver comigo. Depois pega a Bíblia, a Torat, o Alcorão, o evangélio de Kardec e fala que todo mundo está muito carente de fé, que as pessoas não oram mais a Deus, que hipocrisia é só o que vem do outro. É assim que eu penso, é isso que eu acho, minha opinião cura perna quebrada e pronto.

  Todos querem um mundo melhor e livre de mazelas, exceto daquelas que nos dão prazer.

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