A campainha toca. O rapaz tenta imaginar quem seria capaz de incomodar um pobre trabalhador em seu dia de folga, tão cedo, ao meio dia da manhã. Imagina que sejam aquelas testemunhas de Jeová novamente, devem querer desforra por ter comparado a bíblia aos contos dos irmãos Grim, já que "desculpe, sou ateu" não os convenceu a procurar outra vítima.
Olha pelo monitor, olha para o chão, para o monitor novamente, esfrega os olhos, bate na cabeça para ver se o cérebro pega no tranco, mas parece que aquela cena bizarra é real. Uma rena de nariz vermelho está tocando a campainha, aguardando pacientemente ser atendida...
- Porra... Que merda enfiaram na minha tequila, mano?
Vai ao interphone, e a rena fala. Não, não é truque, ele vê a sincronia entre a imagem de alta resolução e o som que ouve...
- Bom dia, Ricardo! Você teria um minuto para ouvir a palavra de Papai Noel?
Agora a coisa ficou brava! O que quer que tenham colocado na tequila, tornou a alucinação permanente e estendida a todos os outros sentidos. Pede que espere um pouco, tira a cara de monstro do pântano e vai lá fora. Quem sabe com o ar fresco as idéias se organizam e o efeito da droga passa. Vai mastigando uma bala de menta da mais cara, para que o bafo de múmia não torne a conversa mais desagradável do que o necessário. Só vai dizer "Sou ateu, me desculpe, não falo de religião" e dispensar o rapaz de camisa de mangas longas e gravata.
Abre o portão e lá está... A rena de nariz vermelho. Ele gostaria de rezar agora, mas é ateu há tanto tempo e se esforçou tanto, que não se lembra nem mais de uma Ave Maria. Tenta embarcar na alucinação, para ver se ela se desvanece sozinha...
- Bom dia. Olha, vai me desculpar, mas eu sou ateu, evito ao máximo falar de religião.
- Não vim falar de religião, Ricardo. Meu nome é Rudolph, vim trazer as palavras de amparo que Papai Noel mandou para você.
Ele raciocina um pouco, pelo menos tenta. Olha para os lados, aproveita que ninguém está olhando e pede que a rena entre, esperando que o IBAMA não tome conhecimento deste episódio. Como acordou muito tarde, ainda não teve tempo para bagunçar a casa. Menos um vexame. Para acompanhar a visita, se senta com ela no carpete...
- Já faz muito tempo que você não comemora o natal. Papai Noel compreende seus motivos. Inclusive por religiosos hipócritas, que vêm lhe oferecer uma salvação em troca do seu livre arbítrio. Você endureceu tentando preservar seus valores.
- Mais ou menos... Natal é cartão de crédito! Quem tem saldo, tem noite feliz, noite de paz... Quem não tem fica lambendo propaganda pela televisão.
- Sim! Isto é conseqüência do comportamento egoísta de quem reza para o altar, mas não para o coração. Se a felicidade depende de trocar sua vida por uma promessa, então a vida não tem realmente valor, nem mesmo a de uma criança que vê anúncios de chocotones, mal tendo pão comum para comer.
- É isso que me revolta nessa papagaiada de "feliz natal". O cacete! Efeméride só vai até onde sua conta bancária alcança!
- É aqui que a conversa realmente começa. Ricardo. Você está sendo duro demais consigo mesmo, está desmerecendo o seu próprio trabalho, ao afirmar que ninguém faz natal de verdade.
- Como assim? Fiz algo que de eu não tenha conhecimento?
- Você tem conhecimento de todas, só não se deu o valor. Você ganhou uma baita cesta de natal da empresa, mas a deu para o primeiro catador de papel que encontrou.
- Eu não precisava dela, ele tem crianças pequenas, ele precisa.
- Esse homem iria pedir dinheiro a um agiota, naquele dia, para comprar uma ceia magra de natal. No mesmo dia você comprou todas as flores de uma vendedora e pediu que ela as distribuísse pelo metrô.
- Tô sozinho, ia dar flores pra quem?
- Ontem você deixou cair, deliberadamente, duas notas de cem reais na bolsa de uma senhora que estava na fila do caixa, quando viu que ela não encontrava dinheiro na carteira.
- E eu ia deixar a dona passar vexame por causa de um vagabundo que deve ter furtado a grana dela? Eu sei o que é passar fome!
- Você não se identificou, não pediu aplausos, não esperou por gratidão, você se fez Papai Noel para essas pessoas, e são só os três últimos casos. Você não precisa tentar resolver os problemas do mundo, sua função é resolver os seus, se puder os que estiverem ao seu alcance. Mas você tenta assim mesmo.
- Tem que ser filho da puta pra ver gente por baixo, poder e não fazer nada.
- E se tiver chance de fazer de novo, você faz.
- Mas é claro!
A esta altura ele não se questiona mais sobre como uma rena falante de nariz vermelho pode saber tanto a ser respeito, se nunca fez questão de contar. A rena continua...
- Quando Papai Noel começou a distribuir brinquedos, não era para mimar e estragar as crianças, como se faz hoje. Ele frisava que só as crianças boas ganhariam presentes, mas isso com o tempo se tornou argumento para barganha e chantagem. Nunca houve uma geração tão mimada, materialista e chantagista como esta. E em "materialista" eu incluo aquelas que vão às igrejas, cantam, gritam e choram só para receber um pedaço de céu. Não é por amor que fazem isso, é barganha.
- Tu entende do assunto, Rudolph! Tu entende muito!
- Então você concorda que gestos simples e desinteressados fariam um natal de verdade.
- Totalmente! O que você tem em mente?
- junte uns amigos, ponha uma fantasia no Borges e resto você sabe o que fazer.
Ele pensa por um minuto, se vira para a rena, mas ela já não está lá. Liga, passa e-mail, WhatsApp, mensagens em redes sociais, convoca todos os que pode para uma balada. Arranja uma roupa vermelha de algodão, para o amigo não morrer desidratado, recolhe o dinheiro da vaquinha e providencia tudo. Na madrugada do dia 24 para 25, lá estão todos aqueles malucos vestidos de Papai Noel, Mamãe Noel e gnomos ajudantes, com um caminhão rodando creches, asilos, hospitais públicos e plantonistas de várias profissões. No final das contas, com o dia raiando, viram que o dinheiro deu para mais do que pensavam e a noite foi longa o suficiente. Agora vão eles comemorar o natal que ajudaram a construir.
Olha pelo monitor, olha para o chão, para o monitor novamente, esfrega os olhos, bate na cabeça para ver se o cérebro pega no tranco, mas parece que aquela cena bizarra é real. Uma rena de nariz vermelho está tocando a campainha, aguardando pacientemente ser atendida...
- Porra... Que merda enfiaram na minha tequila, mano?
Vai ao interphone, e a rena fala. Não, não é truque, ele vê a sincronia entre a imagem de alta resolução e o som que ouve...
- Bom dia, Ricardo! Você teria um minuto para ouvir a palavra de Papai Noel?
Agora a coisa ficou brava! O que quer que tenham colocado na tequila, tornou a alucinação permanente e estendida a todos os outros sentidos. Pede que espere um pouco, tira a cara de monstro do pântano e vai lá fora. Quem sabe com o ar fresco as idéias se organizam e o efeito da droga passa. Vai mastigando uma bala de menta da mais cara, para que o bafo de múmia não torne a conversa mais desagradável do que o necessário. Só vai dizer "Sou ateu, me desculpe, não falo de religião" e dispensar o rapaz de camisa de mangas longas e gravata.
Abre o portão e lá está... A rena de nariz vermelho. Ele gostaria de rezar agora, mas é ateu há tanto tempo e se esforçou tanto, que não se lembra nem mais de uma Ave Maria. Tenta embarcar na alucinação, para ver se ela se desvanece sozinha...
- Bom dia. Olha, vai me desculpar, mas eu sou ateu, evito ao máximo falar de religião.
- Não vim falar de religião, Ricardo. Meu nome é Rudolph, vim trazer as palavras de amparo que Papai Noel mandou para você.
Ele raciocina um pouco, pelo menos tenta. Olha para os lados, aproveita que ninguém está olhando e pede que a rena entre, esperando que o IBAMA não tome conhecimento deste episódio. Como acordou muito tarde, ainda não teve tempo para bagunçar a casa. Menos um vexame. Para acompanhar a visita, se senta com ela no carpete...
- Já faz muito tempo que você não comemora o natal. Papai Noel compreende seus motivos. Inclusive por religiosos hipócritas, que vêm lhe oferecer uma salvação em troca do seu livre arbítrio. Você endureceu tentando preservar seus valores.
- Mais ou menos... Natal é cartão de crédito! Quem tem saldo, tem noite feliz, noite de paz... Quem não tem fica lambendo propaganda pela televisão.
- Sim! Isto é conseqüência do comportamento egoísta de quem reza para o altar, mas não para o coração. Se a felicidade depende de trocar sua vida por uma promessa, então a vida não tem realmente valor, nem mesmo a de uma criança que vê anúncios de chocotones, mal tendo pão comum para comer.
- É isso que me revolta nessa papagaiada de "feliz natal". O cacete! Efeméride só vai até onde sua conta bancária alcança!
- É aqui que a conversa realmente começa. Ricardo. Você está sendo duro demais consigo mesmo, está desmerecendo o seu próprio trabalho, ao afirmar que ninguém faz natal de verdade.
- Como assim? Fiz algo que de eu não tenha conhecimento?
- Você tem conhecimento de todas, só não se deu o valor. Você ganhou uma baita cesta de natal da empresa, mas a deu para o primeiro catador de papel que encontrou.
- Eu não precisava dela, ele tem crianças pequenas, ele precisa.
- Esse homem iria pedir dinheiro a um agiota, naquele dia, para comprar uma ceia magra de natal. No mesmo dia você comprou todas as flores de uma vendedora e pediu que ela as distribuísse pelo metrô.
- Tô sozinho, ia dar flores pra quem?
- Ontem você deixou cair, deliberadamente, duas notas de cem reais na bolsa de uma senhora que estava na fila do caixa, quando viu que ela não encontrava dinheiro na carteira.
- E eu ia deixar a dona passar vexame por causa de um vagabundo que deve ter furtado a grana dela? Eu sei o que é passar fome!
- Você não se identificou, não pediu aplausos, não esperou por gratidão, você se fez Papai Noel para essas pessoas, e são só os três últimos casos. Você não precisa tentar resolver os problemas do mundo, sua função é resolver os seus, se puder os que estiverem ao seu alcance. Mas você tenta assim mesmo.
- Tem que ser filho da puta pra ver gente por baixo, poder e não fazer nada.
- E se tiver chance de fazer de novo, você faz.
- Mas é claro!
A esta altura ele não se questiona mais sobre como uma rena falante de nariz vermelho pode saber tanto a ser respeito, se nunca fez questão de contar. A rena continua...
- Quando Papai Noel começou a distribuir brinquedos, não era para mimar e estragar as crianças, como se faz hoje. Ele frisava que só as crianças boas ganhariam presentes, mas isso com o tempo se tornou argumento para barganha e chantagem. Nunca houve uma geração tão mimada, materialista e chantagista como esta. E em "materialista" eu incluo aquelas que vão às igrejas, cantam, gritam e choram só para receber um pedaço de céu. Não é por amor que fazem isso, é barganha.
- Tu entende do assunto, Rudolph! Tu entende muito!
- Então você concorda que gestos simples e desinteressados fariam um natal de verdade.
- Totalmente! O que você tem em mente?
- junte uns amigos, ponha uma fantasia no Borges e resto você sabe o que fazer.
Ele pensa por um minuto, se vira para a rena, mas ela já não está lá. Liga, passa e-mail, WhatsApp, mensagens em redes sociais, convoca todos os que pode para uma balada. Arranja uma roupa vermelha de algodão, para o amigo não morrer desidratado, recolhe o dinheiro da vaquinha e providencia tudo. Na madrugada do dia 24 para 25, lá estão todos aqueles malucos vestidos de Papai Noel, Mamãe Noel e gnomos ajudantes, com um caminhão rodando creches, asilos, hospitais públicos e plantonistas de várias profissões. No final das contas, com o dia raiando, viram que o dinheiro deu para mais do que pensavam e a noite foi longa o suficiente. Agora vão eles comemorar o natal que ajudaram a construir.
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