01/03/2014

Revistas mais interessantes

Todas as imagens vêm daqui: http://www.woodenslides.com/

Ana Luiza chega em casa com as mãos cheias de catálogos de compras por correspondência, que estavam lotando sua caixa de correspondência, que tem o formato de uma Kombi 1974 em escala 1:2. Nem sempre compra algo, embora já tenha se tornado cliente de todos eles, a intenção nem era essa, quando começou a recebê-los. Tem até alguns importados, já comprou bonecos de personagens antes que os filmes chegassem ao Brasil.

Ana Luiza já foi uma devoradora de revistas de fofoca, ela assume seu erro. No começo, pelo menos, havia as desculpas de notícias relevantes sobre os artistas, de haver coisas bonitas para se ver e recortar, elas valiam o que custavam. Mas saber pela enésima vez do terceiro amor da noite passada da canastrona
cheia de botox, encheu o saquinho. Tanto os talentos começaram a escassear, como a qualidade das matérias caiu vertiginosamente, tem a impressão de que um mesmo (se é que é) jornalista usa vários cognomes em várias publicações, sem nem ter o cuidado de alterar algumas palavras, nem em corrigir erros que, no seu tempo de estudante, reteriam qualquer um na terceira série.

Nem novelas acompanha mais, ficaram muito ruins. Em vez de propagar o respeito às diferenças, prestam um desserviço à idéia original do movimento politicamente correcto. É tudo muito ruim! Transformar o Palácio das Esmeraldas em boate e sugerir que se atravessa em poucas horas, a cavalo, a distância de Pirinópolis até Goiânia, que ela duvida que seja realmente a cidade mostrada naquela patuscada, a fez desistir de vez. Mas então já tinha desistido das revistinhas medonhas que tratam do assunto, e tratam como se fosse sério e imprescindível à subsistência humana.

Foi há cerca de dois anos que começou a trocar as publicações pelos catálogos. Começou a perceber que as modelos eram muito mais parecidas consigo, com suas pequenas barriguinhas, seus culotes, suas carinhas de mulher bonita que passou naquele ônibus. As proporções humanas e quase cotidianas não lhes tolhe a beleza, pelo contrário, dá à Anna Luiza a sensação de que pode ficar linda assim sem ter que vender o fígado. E a expressividade? Elas têm que ajudar a vender o que estão usando, então precisam de toda a elasticidade de seus rostos bonitos, não podem simplesmente se encher de botox e ficarem com cara de defunto feliz. As mulheres ali, mesmo com retoques, são de verdade.


As tabelas com várias medidas para ajustes de roupas e jóias, ainda que não vá comprar nada, a fazem ter noção de que está incluída na sociedade estética, ao lado de gordinhas e magricelas, nanicas e espigões, ruivas de cabelo lambido e negras de black power, garotinhas atrevidas e senhoras recatadas; sente-se tão normal e ajustada, lendo e admirando aqueles catálogos! Fica tão feliz em ver modelos parecidas consigo ao lado de uma Ana Hickmann da vida!

Não sabe mais qual a última moda da novela imbecil que faz pessoas boas parecerem completas imbecis, nem da outra que faz todos parecerem canalhas que sabem esconder sua canalhice. Sabe qual a última moda da moda, feita para gente comum usar. Prefere vestir as roupas estranhas que o ABBA usava em seus shows, mesmo curtíssimas como eram, a uma calça apertada com cós abaixo do rego e um fio dental à mostra. Não deixa o marido usar a cueca de fora, vai usar a calcinha de fora? Só se for por cima da calça, para se fantasiar de heroína de quadrinhos, o que não é o seu caso. Aliás, desta vez vai fazer uma baita encomenda a vários deles, gostou dos novos catálogos retrô e vintage.

Teve problemas com as amigas, superficiais é claro. Hoje tem pouco o que conversar com elas, além dos dramas domésticos do cotidiano. Já passou por uma artista lançada por um reality show e foi repreendida por não ter pedido um autógrapho. Quando apontaram quem era, ela jurou de pés juntos que jamais tinha visto mais gorda, nem sabia que existia. Contou-lhes, quando foi taxada de alienada, que deixou de ler as revistas de fofoca e passou a ler catálogos, então foi taxada de louca. Quando seu marido a chamou assim, precisou reimplantar um dente, então passou a se encontrar muito menos com elas. Hoje, na verdade, tem duas ou  três com quem conversa de vez em quando, e com as quais pode falar sobre o que viu naquele catálogo francês que acabou de chegar; carrega ele agora entre os doze outros que leva à mesa de centro da sala.


Ela arruma as frutas que trouxe do verdurão, faz um bom suco de laranja com limão, guardando as fibras para fazer um bolo, volta à sala, tira os saltos altos, pega um catálogo e começa a ler. Ah, lá está a tabelinha de medidas. Pode escolher uma blusa tamanho 38 e uma mini saia tamanho 42, que ficará com comprimento de saia curta em seu corpo. está tudo lá, na tabelinha, inclusive com instruções para conferir suas próprias medidas. Não vai emagrecer só para ficar com o corpo da modelo que virou protagonista de novela. Vai regularmente ao médico, sua saúde está perfeita, não precisa perder um grama sequer.

Chega a ser um pouco bucólico, seria bastante se não fosse um ambiente contemporâneo e não morasse perto do centro da cidade. Se deita no sofá, como fazia quando menina, e observa aquelas pantalonas estampadas. Compara dois ou três catálogos ao mesmo tempo, vê a arrumação que fizeram no cenário e a compara ao seu aparador. Vê um aspirador de pó que cabe em um bolso de calça, uma maleta com kit de costura completo, inclusive uma mini máquina manual, lupas com lanternas que ajudarão muito a ler letrinhas miúdas para seus clientes; se diverte muito!

A ausência de dietas malucas de celebridades ocas é um alívio. Tem sim é muitos livrinhos de receitas, acessórios de cozinha, e mais. Dá uma olhada naquela capa de botijão, já viu muitas meninas e até senhoras usando aquilo nas ruas. Só que no botijão ficou bonito. Não quer saber onde a actriz principal da novela que enaltece a cafetinagem passou as férias, cercadas de paparazzi a ponto de que, de modo algum poderiam ser realmente férias. Quer passar as suas com o maridão e os dois pestinhas que colocou no mundo e ama até a morte, de preferência sem se encontrar com ela.

Chegam os filhos, da escola. O garoto ainda estranha aqueles catálogos, mas gosta muito de ver as páginas de lingeries, não fica com aquele receio de alguém chegar e vê-lo com uma revistinha de onanismo e sabe que aquelas mulheres são de verdade. A irmã também estranha, mas também gosta de se sentir uma garota normal sem ter que secar a barriga, inflar bunda e peitos, ficar musculosa, inchar os lábios e pintar os cabelos de laranja-sinal-de-trânsito. Pega um catálogo inglês, um dos retrôs, e fica babando pelo terninho de shorts estilo anos setenta. Olha mais e se vira para a mãe, com carinha de menina pidona, argumenta que está crescendo, que suas saias já estão minis demais para o seu tamanho, que quase tudo o que tem está com mais de dois anos de uso, que até a Eddie Van Feu vai aderir ao retrô e vintage... Ela sabia que iria fazer compras grandes desta vez, foi bem mesmo ter se preparado.


Logo o marido chega do quartel e também encontra coisas interessantes para seu uso, e moças interessantes nas páginas de lingeries e moda praia. É, homem ganha idade, mudar são outros quinhentos, mas Ana Luiza compreende a necessidade de ser meninão de vez em quando, a profissão dele é fogo, literalmente. Os quatro se reúnem para verem o que e quando vão comprar, ou mesmo só para se distraírem com cosias bonitas para acalmar um pouco seus cérebros cansados.

Ao contrário das antigas, aquelas revistas ficam fácil por mais de um mês na sala, seus assuntos demoram a envelhecer .Fazem as encomendas, já tomadas as precauções de saber de quem compram e conferindo no website de cada um os detalhes.

Nenhum comentário: