Clara Nunes |
Ao contrário de vias externas, que
fazem os sistemas mais avançados confundirem uma lua cheia com sinal fechado e
forçam uma frenagem de emergência por causa de um trem que está correndo no
subsolo, o ambiente funcional é perfeito para veículos autônomos, tão perfeito
que pode até dispensar assistência externa de antenas transmissoras e
satélites. Aliás, não existe autonomia real se há dependência de meios externos
para qualquer coisinha que se faça. O ambiente controlado de uma empresa, ou
mesmo de treinamento das forças armadas, é o melhor possível para não só
utilizar, como também aprimorar carros autônomos, de modo que venham a ser
realmente autônomos, sem precisar usar crianças estabanadas a correr
inadvertidamente para a rua como cobaias. Da mesma forma, embora com
restrições, corredores fechados de uso exclusivo do transporte público são
excelentes para isso, não só pelo uso (teoricamente) restrito da via, mas
também pelo milionário preço de um bom ônibus articulado ou biarticulado, que
diluiria muito bem os custos de um sistema de controle de automação veicular,
embora aqui o monitoramento humano ainda seja imprescindível.
Ainda sobre esse excesso de confiança na tecnologia, que querem nos enfiar goela abaixo, a dependência de fornecimento externo de instruções e permissões já começou a causar mais dores de cabeça do que os entusiastas conseguem esconder. Ficar trancado do lado de fora do carro por não haver meio físico para o próprio dono entrar, ou dentro por não poder sair, pode acarretar riscos à integridade física. Não me refiro apenas à chateação de perder o controle de sua propriedade e ficar debaixo de chuva, e um Tesla não é barato nem nos Estados Unidos, mas também aos casos de emergência em que a celeridade das providências podem ser a diferença ente a vida e a morte, como um médico precisar sair no fiofó da madrugada para atender um paciente na mesa de cirurgia, situação que está longe de ser rara. Imagine isso acontecendo com uma ambulância, com uma viatura policial ou do corpo de bombeiros. Ter que quebrar os vidros do carro para resgatar seu filho, por exemplo, e descobrir que o caro mandou um alerta de tentativa de roubo para a polícia, seria uma experiência horrível. Não menos pior, imaginem a sua casa “smarthome” barrando a sua entrada por falha no servidor do fabricante, ou porque um hacker decidiu usar isso como meio de chantagem; pior, um hacker pedófilo decidiu usar isso para gravar seus filhos pelas câmeras da própria casa…
(Ver aqui)
Agora, por que há tanto incentivo
para que tenhamos essa confiança cega na tecnologia? Suspeito que um dos
motivos é o adestramento para que tenhamos paulatinamente confiança cega nas
instituições, nas ONGs, nas empresas, enfim, o que facilitaria nos convencer a
ter confiança cega no Estado; leia-se, políticos. Notaram que os amantes da Tesla,
por exemplo, agem tal qual uma torcida organizada, às vezes como uma máfia? Foi
só a Ford lançar aquele (AAAAAAAARG!!!) suv eléctrico do Mustang e a imprensa
especializada morrer de amores por ele, que seus proprietários passaram a ser
ameaçados pelos teslanóicos. Gente assim é facilmente mobilizada para agredir e
até matar opositores de figurões, que ficariam limpos na imprensa por não terem
precisado mandar ninguém fazer nada. Aliás, se eu fosse um repórter automotivo
e começasse a ver no Celestiq qualidades que não tivesse visto no Model S, eu
providenciaria segurança privada. Com esse tipo de gente submissa e raivosa à
disposição, é extremamente fácil conseguir censurar a mídia, seja por coerção,
por destruição dos meios de publicação ou por puro extermínio; coisa que certos
países já fazem, cujos regimes são cegamente acatados por gente da própria
mídia e por formadores de opinião na internet.
Uma forma velada de censura, por
exemplo, é dar amplo espaço a gente que é totalmente contra ou totalmente a
favor de algo, mas dar pouco ou nenhum espaço para o outro lado, no caso de uma
mídia informativa como a dos jornais. Ironicamente, só que não, são justamente
aqueles que reclamam de censura externa os que mais a impõe em suas
instalações, muitas vezes até pela linguagem corriqueira não ser a padronizada
pelo editor. Muito pelo medo de turmas barulhentas, mas muito menos numerosas
do que fazem parecer, afugentarem os patrocinadores e atraírem as atenções de
políticos mais oportunistas, a editoração enviesada adora lançar bombas contra
quem o senso comum rotula como mau, ainda que sobre esse alvo se erija justo o
sustentáculo de tudo o que mantém esses mesmos jornais de pé. Se há uma coisa
que esses gritadores odeiam em seus domínios, e o golpe de 1889 o fez na
prática, é a plena liberdade de pensamento e expressão.
Escrever textos enormes, prolixos e
repletos de referências, para só nas últimas linhas do último parágrafo contar
o outro lado da história, e ainda usando uma linguagem sem graça, faz parte da
tática, confiando que o grosso dos leitores só lê as partes de destaque. Adoram
lembrar da nefasta era da escravidão africana, mas hoje dão de ombros para as
aflições que dilaceram o coração dos países africanos. Assim como a memória de
uma professora que morreu defendendo seus alunos não vale absolutamente nada
para eles, as vidas de professores e estudantes mortos por rebeldes também não.
E por falar nisso, a imagem que eles vendem da África é basicamente aquela
caricatura que predominava no cinema até meados dos anos 1970, como se não houvesse
metrópoles e indústrias naqueles países. Mesmo os europeus, que moram ao lado,
têm uma visão mais deturpada do que seus avós tinham dos africanos, não devendo
em nada ao americano mais alheio ao mundo.
Aliás, o próprio continente
americano, que um dia eles empinavam seus narizes para chamar de “colônia”, é
um grande desconhecido deles, que se contentam em ruminar noticiários que
confirmem suas visões e narrativas de estimação. Arrotam a defesa de
liberdades, mas quem mais faz isso ainda tem e não abre mão de suas colônias,
inclusive uma delas é nossa vizinha de extremo norte. Hoje não passam de um
monte de países que se amontoam na marra, se tolerando na marra e fazendo poses
na marra para passar a imagem de continente civilizado que já não são, e nunca
foram tanto quanto apregoam. No tocante ao poderio bélico, mais ladram do que
mordem, já que sem o apoio americano que desprezam, provavelmente teriam sido
engolidos pelos soviéticos. Diga-se de passagem, foi a interferência de “ONGs”
européias a gota d’água para Putin decidir invadir e anexar a Criméia de forma
humilhante. Toda aquela conversa de paz, amor e união, de “estar estando
promovendo o entendimento intercultural” só mascarava a velha arrogância de
mandar soluções que o dono da casa não pediu, e enfiar goela alheia abaixo suas
paranóias. Reunir Rússia e Ucrânia em um lugar neutro para aparar as arestas?
Não, vamos primeiro fazer um serviço de inteligência o mais amadorista e caricata
possível, porque nossas boas intenções nos livrarão de toda e qualquer
conseqüência de nossos actos. O Kremlin está obrando e se locomovendo para eles,
já viu que são tão bonzinhos quanto o próprio governo russo.
Os americanos também não estão tão
bem das pernas, afinal neste início esquizofrênico de século ninguém está, mas
pelo menos andam por conta própria, apesar de gente que quer proibir inovações
apenas porque não pode controlá-las. Não é de hoje que o pavor pelo poder fora
das próprias mãos atrapalha um país, com os Estados Unidos não seria diferente.
Gente que prefere cultivar a culpa e apontar o dedo, em vez de investigar se, e
como o mal causado pode ser reparado, nunca é realmente afeita à liberdade
individual, porque teme doentiamente que uma pessoa livre se torne uma ameaça
às suas crenças e narrativas, então vende a ilusão de que a diluição do
indivíduo em uma coletividade rotulada seria a salvação da humanidade. Falando
sério, se tu não se aventura ao controle ou, pelo menos, ao domínio de uma
novidade, seus inimigos o farão livremente, e é o que está acontecendo agora. O
caso do bitcoin, lamento informar, a adesão dentro do próprio território
americano já é grande e muita gente já o utiliza como moeda corrente. Se
preocupar se isso vai afetar o Dólar em vez de adequar a moeda à nova
realidade, isso sim causaria uma tragédia irreparável à população; e como diz a
primeira emenda, o povo é o país. Não um partido, não uma legenda, não um grupo,
mas o povo.
O Japão, por exemplo, que é
conhecido pelo conservadorismo com que trata sua própria economia, a ponto de
os japoneses preferirem utilizar notas e moedas no cotidiano, mesmo que a escancarada
intimidade com a tecnologia moderna, já está planejando utilizar oficialmente o
bitcoin como forma corrente de pagamento, mesmo conhecendo a resistência financeira
de seu povo. Provavelmente porque as empresas envolvidas já aprenderam, mesmo
que tardiamente, as lições amargas da excessiva intervenção estatal na economia,
que tem levado a recessões repetidas, só não agravados com inflações galopantes
graças justamente à disciplina fiscal do próprio cidadão comum, que economiza
ou gasta de acordo com seus próprios critérios. À parte as críticas à cultura
japonesa, claro que em sua parte rígida, que tem por si causado os problemas de
natalidade e suicídio, ela é responsável pela rápida e espontânea adesão do
japonês comum a qualquer medida que visem o bem comum, mesmo que o governo peça
o contrário, tanto que não estão aderindo à eletrificação dos carros como os
cordeirinhos cheios de culpa estão fazendo na Europa; isto em particular um
aprendizado amargo da segunda guerra. Dela também veio a pior aplicação da
tecnologia que eles fomentam, mas do outro lado do mar, ou seja, o mesmo lado
que alardeava que eles o fariam.
Claro que os ladradores do fim do
mundo nunca vão reconhecer que o país ao qual seus rabos estão presos, seja por
financiamento, permissão mercadológica ou por dependência acadêmica, é justo o
Estado policial que eles diziam combater, mas cujas botas hoje lambem e cujas atrocidades
hoje fingem que são apenas parte da cultura local, não devendo haver
interferência externa. Apontam seus dedos sujos para o Brasil, principalmente em
prol das girafas da Amazônia, repetem discursos de ódio do bem alheio,
reproduzem opiniões em queixumes catastrofistas como se fossem relatos de
factos consumados, mas fingem que sua ditadura de estimação não faz nada de
errado. País que é tão avesso à liberdade, que já começou a trocar até os
jornalistas por versões cibernéticas virtuais, com a ajuda da tecnologia deep
fake, que faria até mesmo os smurfs parecerem reais e plausíveis em um
telejornal. Se os humanos já não contestavam as instruções do partido único e
compulsório, mesmo tendo que dizer agora o oposto agora do que disse antes, sem
nem corar, imaginem um robô virtual! E ao contrário do que aconteceria se fosse
no ocidente, ninguém disse nada, nem um piu a respeito de desempregar
jornalistas e calar a imprensa. Aliás, eles já aumentaram a queima de carvão
para gerar energia! Ambientalistas?
Enfim, são tantos assuntos
acumulados e foi tão pouca condição para escrever, que uns vinte textos ainda
não seriam o bastante para eu encerrar o ano com dignidade. Mas gostaria de
comentar sobre algo que o brasileiro começou a rascunhar, ainda engatinhando e
sujando fraldas, que é garantir por si mesmo a própria aposentadoria, porque já
vimos que o Estado sozinho não dá conta. O nosso modelo de previdência só
funcionaria se todo mundo pagasse, mas bem poucos, de preferência só os bem
pobres usufruíssem. Imagine, por exemplo, se todos os brasileiros decidirem ao
mesmo tempo, usar a rede pública de saúde! Já precisei tirar do meu bolso para
suprir necessidades de emergência. Da mesma forma já tenho uma magra e humilde
previdência privada para evitar que os desmandos estatais me joguem na
necessidade de precisar do assistencialismo estatal. Mais do que sobrevivência,
é também questão de dignidade humana.
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