Elgin Park e uma de suas obras. |
É bem difícil encontrar uma pessoa que não se encante com uma bela maquete, uma miniatura bem-feita, ou um diorama com grande riqueza de detalhes. Eu conheço gente assim, por isso posso dizer que é uma minoria indigna de qualquer estatística séria. No máximo traço de gráfico. Principalmente para quem não tem disponibilidade de espaço, seja em casa, seja em um espaço alugado ou cedido, uma coleção de miniaturas de boa qualidade enriquece muito qualquer ambiente, ainda mais quando se trata de um vintagista, que geralmente tem bom gosto acima da média. Há quem compre maquetes de lançamentos imobiliários, quando a obra fica pronta e as unidades já foram vendidas… uma maquete de trinta andares cabe na sala e, ao contrário do edifício, pode ser admirada em todos os ângulos e decorada ao gosto do dono, para efemérides, sem precisar da autorização do condomínio.
Mesmo aqueles que podem ter os objectos originais, às vezes principalmente essas pessoas, têm um brilho quase pueril nos olhos ante a possibilidade de ter uma versão menor, que possa ser apreciada de modo que as dimensões do original não permitem. No caso de um carro, admirar a parte de baixo sem precisar de um elevador de oficina, e sem o risco de um acidente fatal, é uma terapia para conhecedores. Isso além do facto de que alguns carros são tão raros e disputados, que é mais fácil conseguir as fortunas que eles custam, do que alguém disposto a vender o seu. Já soube de um divórcio, nos anos 1980, por conta de um Duesemberg… a miniatura mais avantajada, cara e ricamente detalhada, não teria causado isso.
Vamos ao básico. As diferenças fronteiriças entre miniatura, maquete e diorama não são rígidas e digitais, na verdade são muito analógicas e às vezes a linha que os divide é larga e difusa.
Miniatura é justamente o que o nome diz, uma versão menor do que o objecto representado. É como um genérico de maquete e diorama. Se fosse do mesmo tamanho, seria réplica, que é outra coisa e outro assunto para um texto futuro. A miniatura pode ser um simples brinquedo mais sofisticado, com boa dose de detalhismo, para alegrar uma criança, mas também pode ser uma réplica em escala; um modo chique para denominar versões menores que são tão ricas em detalhes e em que as partes funcionam de modo tão fiel ao original, que uma boa sessão photográphica enganaria até mesmo experts, fazendo-os pensar que se trata de um original.
Maquete é uma representação em tamanho menor de uma obra de grandes dimensões, mais utilizada na indústria da construção para que os potenciais clientes tenham uma idéia precisa do que pretendem comprar… ok, sabemos que muitas vezes existe uma distância astronômica entre o que é apresentado, e o que é realmente entregue, mas isso é um problema para o Procon, a polícia e o senso de direito e união de consumidores, que o brasileiro não tem. Enfim, a maquete é a miniatura levada ao profissionalismo, mas por isso mesmo se tornando algo mais, pela necessidade de dados e história e/ou prognósticos de que uma mera miniatura prescinde. E um prognóstico nada mais é do que uma especulação, por mais embasamento que tenha, da história futura. E história é justo o que conta uma réplica em escala de um P-47 Thunderbolt, por exemplo.
Diorama… não, não me refiro a um evento da Dior e nem à pequena cidade do interior de Goiás. Diorama é quando a maquete é contextualizada no espaço-tempo. Por exemplo, uma réplica em escala de uma parede em ruínas com um piso de época e um soldado morto, se tiver bom grau de realismo, é um diorama de guerra, ainda que seja guerra urbana. E é aqui que o diorama se põe no topo da hierarquia dos três, existe a necessidade de realismo, o que quase sempre o torna mais caro e difícil de produzir do que uma simples (?) maquete. Um bom diorama pode levar anos para ficar pronto, mesmo ocupando o espaço de uma pesa pequena.
A rigor, o primeiro diorama de verdade é o bonsai, ou pelo menos o seu precursor. Surgido na China do século VIII, caiu rapidamente no gosto dos japoneses, com suas sérias restrições de espaço, em especial dos monges, estes então podiam ter uma boa lembrança de um lugar sem precisar se apegar a ele, e sem possuir mais do que é capaz de carregar. Por volta do século XVIII o bonsai atingiu o estado de arte de que desfruta hoje, com técnicas tão refinadas que mesmo as menores versões podem ser capazes de gerar flores e frutos, reagindo às estações do ano como qualquer árvore normal. Isso, em um cenário em escala, é o suprassumo do realismo.
É aqui que as cosias complicam para as pessoas comuns. Bonsais não são baratos e nem muito simples de se manter. Eles precisam de cuidados a mais do que uma simples planta pequena, o que inclui uma poda periódica das raízes, ou a planta vai crescer mais do que o desejado e, tristeza, deixar de ser um bonsai; o crescimento é irreversível. Assim como há pouca gente fazendo bonsais no Brasil, também há poucas aptas a prestar os devidos cuidados, o que dificulta e encarece sua manutenção.
É por isso que existem as árvores de cenário, muitas compradas já prontas. Aliás, árvores, figuras humanas e de animais, mobília, veículos, enfim, tudo prontinho para quem se dispuser a pagar o preço… a maioria é importada, especialmente as de maior qualidade. É aqui que entra o talento brasileiro para o improviso… e não, a casa da Barbie não é um diorama. A própria boneca não é realista o suficiente para isso, o que não significa que seus caros acessórios não permitam fazer um belo cenário de época, podem e os fãs mais bem remunerados montam alguns de rara beleza, mas tudo ainda fica com cara de brinquedo.
Se é para te fazer feliz, e é essa a premissa de ouro do miniaturismo, vale sim.
O mais simples é fazer um cômodo aberto com duas ou três paredes e os móveis. Um quarto, por exemplo, pode ser feito sobrepondo e colando duas caixas de sapatos, que podem ser decoradas com imagens baixadas da internet, devidamente redimensionadas, incluindo papel de parede e piso. Um pouco de habilidades manuais é necessário, porque será preciso recortar, modela e até pintar, por menores que sejam as intervenções. Palitos de espetinho podem tanto reforçar as paredes, quanto formar a estrutura da mobília, com palitos de dentes formando as partes mais delicadas. Retalhos de tecidos, vendidos por uma ninharia, serviriam para a roupa de cama, tapetes e as cortinas, com arremates feitos com cola. Isto é tão básico quanto genérico, mas quem tiver paciência e perseverança, vai se surpreender com os resultados.
Na verdade, até as pessoas próximas vão se surpreender com as suas mudanças, ainda que sutis, de comportamento. Toda forma de arte é um canal poderoso para o subconsciente, mas o miniaturismo põe tudo isso em três dimensões sólidas, facilitando muito o autoconhecimento e, se for o caso, o trabalho de um psicoterapeuta. Não só isso, a vida escolar é muito potencializada. Aqueles trabalhos sobre base de isopor que as crianças fazem, podem ser considerados rudimentos de um diorama e, se os adultos soubessem estimular em vez de simplesmente pressionar, o envolvimento de todos os sentidos tornaria o aprendizado não só mais rápido, mas também indelével. Pois é, muitos de vocês são miniaturistas e ainda não se deram conta.
Como tudo o que fica acima da linha de cintura, a arte da miniaturização é ignorada ou mesmo malvista no Brasil. Lá fora, desculpem o clichê, existem empresas especializadas em suprir o mercado de amantes e profissionais da área, inclusive com a possibilidade de se comprar casas de época, em várias escalas, completas! Com precisão de medidas e riqueza de detalhes de fazer inveja a muitas casas de verdade. Imaginem poder encontrar aqui, casas, carros, trens, trilhos, árvores, animais e figuras de pessoas, tudo pronto para montar sua cidade de época; ou no máximo personalizar peças para que fiquem ao seu gosto. Imaginaram? Vão sonhando, porque pelo menos isso ainda é grátis. Aqui há poucas lojas, em poucas cidades, com comparativamente poucas escolhas a preços relativamente elevados, mesmo para os padrões dos miniaturistas profissionais. Decerto que a nossa baixíssima demanda conspira contra.
Um expoente dos dioramas de época é Elgin Park. Ele costuma fazer ensaios que mesmo os olhos ais bem treinados, têm dificuldades em identificar como cenários em escala. Ele é um homem insuspeito, em seu aspecto até bucólico, mas domina técnicas altamente sofisticadas, unindo seu vasto cabedal a um talento artístico raro. Um pequeno carrinho a controle remoto, com uma câmera no lado do motorista, faria qualquer um se ver entrando em uma rua dos anos 1950, mesmo aplicando o zoom. A questão aqui é que um miniaturista do naipe de Park, sabe adequar a textura do objecto real às dimensões reduzidas do diorama. É esse o segredo e é essa a dificuldade maior, os materiais usados na vida real não terão sua granulação reduzida só por serem cortados em tamanhos menores, ou utilizados em porções menores. A água, por exemplo, tem viscosidade fixa, de acordo com a pressão atmosférica e a temperatura ambiente, assim um curso d’água em escala nunca terá o comportamento de um natural, o mesmo valendo para o vento. Uma miniaturização de alta ou extrema qualidade, não pode simplesmente utilizar a mesma matéria utilizada no tamanho real, não sem adaptações e até manipulação da fórmula. Daí a necessidade de estudar e praticar, como em tudo na vida, para fazer aquele diorama que bem poderia ser cenário de um filme.
Algo que um miniaturista mais dedicado pode fazer por si mesmo, é estudar o bairro onde seus avós viveram e, quem sabe, conseguir reproduzir a casa de onde seus pais saíram. Advirto que se trata de uma tarefa extenuante, sem prazos plausíveis, e dependendo do caso pode ficar bem caro. Mas a satisfação de uma casa antiga, em que suas lembranças caminhem junto com seus sonhos, com um ou dois bonsais ladeando e um carrinho antigo na garagem, poderá fazer milagres desde o início do planejamento, até o dia em que ficar exposta no local definitivo. Aqui vem o bom senso, uma casa pequena não pode dedicar o espaço de uma mesa de jantar a uma peça de decoração. Ou se altera a escala, adicionando-se mais dificuldades, ou se simplifica o cenário; outro aprendizado para a vida adulta, que é o de fazer escolhas e arcar com elas.
A biblioteca de Bruce Wayne |
A minha intenção aqui não é transformar o Brasil em um polo mundial do miniaturismo, ainda mais o de época, apesar de que eu ficaria muito satisfeito com isso. Meu intento é dar aos leitores uma opção sadia e orientações mínimas para ocuparem seu tempo, e de quebra aumentar seu cabedal cultural, porque muitos dos que começam com quartinhos de caixas de sapatos, simplesmente não param mais de se aperfeiçoar. E com o aperfeiçoamento do hobby, vem também o pessoal.
Sobre a obra de Elgin Park, pela lente de Michael Paul Smith, clicar aqui e aqui.
Sobre Ali Alamedy, outro talento do miniaturismo, clicar aqui.
Sobre o miniaturista George O'Keffe, clicar aqui.
Sobre o brasileiro Leo de castro, clicar aqui.
Outros miniaturistas brasileiros, ainda desbravadores, clicar aqui.
Tutoriais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
4 comentários:
Muito, muito bom esse artigo Nanael !
Parabens !
Montei diversos kits de plastimodelos e lamento ve-los hoje muito restritos a venda em casas de modelismo ou sites, quando na decada de 60 ate 80 os Kits Revell eram encontrados em muitas lojas.
Eu também lamento muito, mas na época ninguém imaginava a falta que esses kits fariam.
Nanael, sei que você mora em Goiânia, como eu. Morei 4 anos no exterior e retornei nesse começo de ano, por razões que nao cabem aqui expor. A disponibilidade e variedade de kits, tintas e ferramentas, junto com o preço acessivel e farta literatura fazem do modelismo um Hobby viável e agradável. Eu gosto muito tb dos papermodels, em que basta imprimir, dobrar e colar.
Eu também gosto de papermodels, fazia meus próprios quando era criança.
Postar um comentário