À parte ser uma ditadura sangrenta, em que até a memória do cidadão é censurada, vide o massacre da Praça da Paz(?) Celestial, a China nos dá lições que a cabeça dura e a relativamente recente covardia ocidental nos privam de usufruir. A sabedoria milenar oriental, deturpada e indevidamente apropriada pelo partido comunista, tem tudo a ver com isso.
Antes de continuar, temos um adendo. A postura ocidental não é “errada”, classifico “certo e errado” o que está ou não de acordo com o objectivo. A solidez e sentimentalidade ocidentais asseguraram um século de desenvolvimento tecnológico e corporativo que demos DE GRAÇA para que ainda hoje dá de ombros para propriedade intelectual ocidental. O “errado” na postura ocidental é que essa solidez toda acaba se transformando em rigidez, o que durante tempestades intensas e prolongadas produz perdas severas. Sobrevive-se, sim, mas essa sobrevivência se dá a duras penas e graças às raízes profundas que gerações de antes da covardia crônica cultivaram.
Houvesse a capacidade de flexibilizar, mesmo que apenas em resposta à crise, essa solidez toda proporcionaria perdas mínimas e rapidamente repostas; mas não a temos. E não a temos porque não queremos, não há absolutamente nenhuma diferença de genótipo que torne os chineses mais capazes disso do que nós, tampouco há segredos ocultos para isso. O que eles têm é praticamente o que todo o extremo oriente tem, só que alguns em absurdo excesso. Enumero alguns:
Eles têm um profundo respeito para com seu país e um desejo quase selvagem de vê-lo em destaque no cenário mundial em todas as áreas. Aqui vem o excesso, eles não dão a mínima para os outros países e não se importam com os danos que lhes causarem, e não hesitariam em tomar posse dos vizinhos, como fizeram com o Tibete, se não houvesse uma oposição poderosa o suficiente para isso; leia-se USA, gostem ou não.
Eles não cultivam a culpa. Fazem o que for necessário para atingir seus objectivos e não se importam com a opinião internacional, ao contrário do medo de ofender os costumes dos povos ribeirinhos do deserto do Sifuquistão Centro-Ocidental do Norte. Aqui novamente o excesso de uma ditadura que não estaria lá, se a cultura local não permitisse; em vez de simplesmente não se importar, o partido ataca com tudo o que pode quem diz “Ei, pisou no meu pé” e ainda incentiva fora de seus domínios, comportamentos que proíbe e pune severamente dentro.
- Eles não tem medo do ridículo. Não se importam em errar até acertar, ainda que para isso sejam vítimas de bullying no exterior. Eles simplesmente aceitam as críticas constructivas e as aplicam sem perda de tempo, as chacotas eles simplesmente guardam na gaveta da vingança e esperam esfriar para se servirem, como têm feito. E como eles sabem se vingar!
- Eles começam como podem, não esperam as condições de mercado serem favoráveis e a comunidade apóia quem tem essa iniciativa. Quando digo “comunidade” me refiro ao país inteiro. A China toda se debruça para apoiar e incentivar quem quer abrir seu próprio negócio. Praticamente não há empecilhos para quem precisa de um financiamento condizente com o que pretende, a contrapartida é o modo PCC do governo em cobrar resultados, quando o modo bancário ocidental de cobrança tem se mostrado suficiente para isso. A profusão de veículos eléctricos, dos mais absurdamente espartanos aos mais sofisticados, é resultado disso.
Eles praticamente não vêem diferença ente seu sucesso e o sucesso do país, por isso deixam de lado o bordão “Nada pessoal, só negócios”, porque ao menos dentro do território chinês é pessoal, eles não desistem até que absolutamente todas as possibilidades estejam esgotadas; mais ou menos como negociar com uma máfia, faltar com o negócio é ofender a família. Excesso que o governo sabe aproveitar, mas em moderação serviria bem de exemplo a ser seguido por patrões e empregados ocidentais. Ah, claro: marca desactivada é marca disponível, então se alguém decidir abrir uma nova Pontiac ou Oldsmobile, a GMC terá problemas.
Eles são flexíveis e, dentro dessa flexibilidade, são humildes. E suas plantas são aptas a modificações relativamente rápidas e a custos exequíveis. À parte a frouxidão de caso com que o país trata o ser humano e o meio ambiente, o empreendedor não encontra problemas em mudar o foco ou ampliar a gama de produção; que é parte do sucesso da Xiaomi, por exemplo. Não que a Ford deva fabricar panela de pressão na linha de montagem do Mustang, mas licenciar à moda das franquias a sua marca, para ganhar dinheiro com tudo o que tem a ver com seus productos e sua história; já fabricou de rádios a aeronaves.
Eles têm essa mesma flexibilidade com a legislação. Basicamente, o fabricante é responsável pelos danos que seus productos (e se for o caso até serviços) causarem, não há firulas, somente penas duras e garantia de que a família terá que pagar pela bala do fuzilamento, se algo grave acontecer; se o caso for de corrupção, lembre-se, o PCC é uma máfia e seus métodos são implacáveis. Tudo certo? Está pronto para assumir as conseqüências e usufruir das benesses? Então siga as regras e seja feliz.
- Eles têm consciência de que uma bolha de fibra de vidro com três ou quatro rodas não é mais insegura do que uma motocicleta, por isso carros de baixo desemprenho e uso exclusivo urbano são comuns por lá, e são baratíssimos; mesmo as versões eléctricas. Ao menos nisso a legislação deles é muito melhor do que a nossa, não há esse tipo específico de hipocrisia, então pequenos fabricantes proliferam e suprem a demanda, sem vergonha de compartilhar componentes entre si e até com motocicletas, às vezes incluindo os pneus. Por US$ 1000,00 ou menos o cidadão livra a si e mais dois da dependência de ônibus. Não importa se a tecnologia usada é cambriana, eles querem que funcione pelo preço que o producto vale, sem que a imprensa especializada tente comparar um Chevrolet Onix a um Cadillac CT6; propostas TOTALMENTE diferentes.
Eles não têm discussões prolixas sobre o temor do que já está acontecendo e nada há para se fazer se alguém se tornar poderoso demais. É uma discussão INÚTIL que tem minado recursos e até amizades no ocidente. Se houver o que fazer a respeito, eles fazem; se não houver, eles se adaptam aos novos tempos. Simples assim. Problematizar um assunto é garantia de afastar as pessoas e, em último caso, sofrer sanções legais, porque a pessoa vai atrapalhar o progresso coletivo e eles não admitem isso. Sem esses excessos, seria muito bom nós isolarmos essa turma por aqui. Os divulgadores das coisas chinesas, pelo contrário, recebem todo o incentivo possível e destes algumas críticas constructivas são aceitas; algo que os problematizadores não toleram receber.
Em resumo, porque quanto mais escrevia, mais desmembramentos eu enxergava, a China está longe de ser exemplo para qualquer regime do mundo, até a Rússia é preferível, mas ela dá lições que deveríamos aprender imediatamente, e colocar em prática o quanto antes, para o nosso próprio bem.
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