Um texto que ficou por anos como rascunho, perdido e esquecido. A data passou, mas a mensagem é válida.
No Brasil não se fala, ninguém sabe que é, não há comércio ofertando, só chocolate e afins. A loucura insana para ter namorado, a quantidade insana de namoros terminados para poupar maiores gastos, procissões de gente pedindo um cobertor de orelha antes da data, nada disso se vê por aqui.
Na Europa os presentes sob larga nevasca não são só para amores. Para o chefe camarada que compreende a mancada postais de uma praia ensolarada, para o chefe ruim uma gravata de corda com um laçarote.
Lembrando dos amigos que nos aturam as mazelas, da moça do bistrô que é uma bela donzela, o irmão mais velho que buscou na delegacia e o mais novo que riu da covardia.
Os pais recebem, que a data é geral, não só as paixões. E sem os pais, quem haveria então para comemorar? Eles também valentinaram na juventude e merecem uma valentinação de gratidão.
Na América do Norte é pouco diferente, mais espalhafatoso e com mídia mais eficiente, mas o espírito da troca de presentes sem muito compromisso também é inerente. Artistas que saíram de filmes sanguinolentos dizem que o amor é lindo, que as flores são belas e se deve dar tudo de si pela próximo.
Cartas bem elaboradas com mensagens comoventes, cartas mal coladas com mensagens borradas, cartas bem lacradas com palavras comprometedoras, talvez indecentes. Também há cartas prontas, com espaços para nomes, como postais para quem tem pouco tempo ou memória de peixinho dourado.
No dia de São Valentim não logra o preconceito, mas é hora propícia para acertar os ponteiros. O noivado que se arrasta há tanto tempo pede uma decisão, de preferência já se trazendo bombons e a caixa de alianças na mão. O flerte sem compromisso, mas hoje tão longevo, pede para se descarregar ou desocupar a moita de uma vez.
Aos românticos de plantão, que têm seus alvos em retrato, a época no Brasil é quase esquecida e o presente sai bem mais barato. Para quê esperar dia doze de Junho, data transferida por conveniência comercial? Vá a uma banca de revistas, compre umas bobagens e faça uma linda carta de colagens. Não é difícil, não demora e encanta. Leve um guarda-chuva que o tempo é instável e reze para chover, os dois sob o impermeável, juntinhos, buscando um lugar para se esconder. Não precisa de coragem, basta esperar o momento, ela abre a porta e o galã adentra o apartamento.
Neste ano a lua é nova, as estrelas cintilam com mais vontade no abismo acima. Basta uma mesa com espaguete e almôndegas, um castiçal bem fixado e o MP3 ao lado. Deixem as piadas se soltarem, casos e lembranças virem à tona, pelo acaso se conhece o outro. Não esqueça de lhe dar a bolinha derradeira, seja de boi, frango ou soja, a atitude é certeira.
Já me enjôo com circunflexo de ver imagens de carnaval, piadas de carnaval, flashes de carnaval, ofertas de carnaval (queria saber o que escovas de dente têm a ver com o folguedo) e bacanais de carnaval. Volto minhas atenções para o que não se anuncia, o que exige busca e empenho.
Não exagere para não assustar, pois o brasileiro já perdeu o costume, seja singelo. Um lanche para quem tem plantão, uma visita para o enfermo, faça de coração que São Valentim é assim mesmo. Vale a intenção, mas melhos se houver atitude.
Agora, se a decisão lhe toma e a vontade saltita, não hesite. Aproveite a euforia e refine a indumentária, para mostrar que é sério leve logo as alianças e que lhe valha o santo amigo. Se inspire pelo caminho, passos largos e peito para fora, que um homem decidido impõe mais respeito. Seja cortês, vá directo ao assunto e se declare "Quer se casar comigo?".
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